São Paulo, terça-feira, 05 de março de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ouviram do Ipiranga...

BENJAMIN STEINBRUCH

N os anos 50, o ensino no Brasil era muito diferente do atual. O curso primário, que se chamava grupo escolar, ia da 1ª à 4ª série, no qual meninos e meninas ingressavam com pelo menos seis anos completos. Ao terminar o primário, recebiam um diploma, sem o qual não podiam ser admitidos no curso ginasial, que durava também quatro anos. Terminado o ginásio, partiam para o colegial, de três anos, podendo optar por três cursos: clássico, científico ou normal (professor). Só então seguiam para a universidade.
O terror dos estudantes da época não era apenas o vestibular, que já existia, mas também o exame de admissão para o curso ginasial. O sonho de todos era estudar em ginásios públicos, que tinham o ensino gratuito e de boa qualidade.
Bons tempos. As escolas públicas tinham os melhores professores e as melhores instalações, tanto nas capitais quanto no interior. Nas pequenas cidades, os professores, bem remunerados, tinham status. No primário lecionavam praticamente só professoras, muito bem vestidas e educadas.
É triste olhar para trás no tempo e ter de admitir que as coisas mudaram tanto (para pior) no ensino básico brasileiro. Nossos governantes de meados do século passado, a despeito de todo o populismo que conhecemos, tinham mais competência do que os atuais para cuidar do ensino público fundamental. A escola podia ser então um instrumento não só de aprendizado, mas de mobilidade social. O filho do rico sentava-se na carteira (esse era o nome da escrivaninha usada nas classes) ao lado do filho do pobre. Além de terem as mesmas oportunidades de educação, ambos podiam conviver socialmente, com naturais benefícios para os dois lados.
O chamado "milagre econômico" dos anos 60 e 70, quando a economia brasileira espantou o mundo por sua capacidade de crescimento, talvez tenha sido mais resultado do investimento em educação nas décadas anteriores do que propriamente de políticas econômicas milagrosas.
É engraçado o sistema atual: os filhos dos ricos estudam nas excelentes escolas básicas particulares, enquanto os dos pobres vão para as péssimas escolas públicas. Na hora de ir para a universidade, a coisa se inverte. Os ricos, mais preparados, conseguem entrar nas boas escolas públicas e privadas, enquanto aos pobres resta o consolo de um curso superior em uma modesta (e cara) faculdade de segunda linha.
O campeão dos vestibulares deste ano, que entrou em primeiro lugar nos três mais concorridos cursos do país, da USP, da Unicamp e da FGV, é o jovem Lucas Martins Zomignani Mendes, de 18 anos. Sua história é sintomática. Filho de um empresário da soja em Goiás, ele estudou em uma escola montada pelos seus próprios pais em Goiatuba, a 200 km de Goiânia. Ao se transferir para a cidade, em 1992, os pais de Lucas perceberam que não conseguiriam educar bem os filhos nas precárias escolas do lugar e decidiram criar uma cooperativa, com outros 20 pais, para abrir uma escola de nível na cidade.
Neste ano, no vestibular da Fuvest, que abriga as faculdades estaduais de São Paulo, só 25% dos aprovados são ex-alunos de escolas públicas. Nas faculdades mais procuradas da USP, como a Poli, a ECA e a São Francisco, o número de egressos de escolas públicas é praticamente zero.
Todos conhecem essa situação, do ministro da Educação ao mais humilde professor de uma escola pública da periferia. E só há um caminho para modificá-la: melhorar a qualidade da escola pública. Não adianta bradar contra o ensino particular elitista e caro. Como em Goiatuba, ele floresceu em todo o país para suprir uma deficiência pública e cumpre papel importante na educação. É melhor tentar revigorar o ensino estadual e municipal, até porque já sabemos que isso é possível, pela experiência dos anos 50 e 60.
Seria útil ao debate nacional pré-eleições em que os candidatos mostrassem suas propostas concretas para reerguer a escola pública básica e formar novas gerações de cidadãos brasileiros que possam se orgulhar de seu país. No Estado de São Paulo, na virada da década de 50, os alunos do curso primário, após o sinal de entrada, reuniam-se em fila no galpão da escola, menores na frente, maiores atrás, e cantavam o Hino Nacional antes de seguir para a sala de aula. É certo que quase não entendiam o significado da letra, mas cantavam alto e com a mão direita no peito.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.



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