|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Ouviram do Ipiranga...
BENJAMIN STEINBRUCH
N os anos 50, o ensino no
Brasil era muito diferente do
atual. O curso primário, que se
chamava grupo escolar, ia da 1ª à
4ª série, no qual meninos e meninas ingressavam com pelo menos
seis anos completos. Ao terminar
o primário, recebiam um diploma, sem o qual não podiam ser
admitidos no curso ginasial, que
durava também quatro anos.
Terminado o ginásio, partiam
para o colegial, de três anos, podendo optar por três cursos: clássico, científico ou normal (professor). Só então seguiam para a
universidade.
O terror dos estudantes da época não era apenas o vestibular,
que já existia, mas também o exame de admissão para o curso ginasial. O sonho de todos era estudar em ginásios públicos, que tinham o ensino gratuito e de boa
qualidade.
Bons tempos. As escolas públicas tinham os melhores professores e as melhores instalações, tanto nas capitais quanto no interior.
Nas pequenas cidades, os professores, bem remunerados, tinham
status. No primário lecionavam
praticamente só professoras, muito bem vestidas e educadas.
É triste olhar para trás no tempo e ter de admitir que as coisas
mudaram tanto (para pior) no
ensino básico brasileiro. Nossos
governantes de meados do século
passado, a despeito de todo o populismo que conhecemos, tinham
mais competência do que os
atuais para cuidar do ensino público fundamental. A escola podia ser então um instrumento
não só de aprendizado, mas de
mobilidade social. O filho do rico
sentava-se na carteira (esse era o
nome da escrivaninha usada nas
classes) ao lado do filho do pobre.
Além de terem as mesmas oportunidades de educação, ambos podiam conviver socialmente, com
naturais benefícios para os dois
lados.
O chamado "milagre econômico" dos anos 60 e 70, quando a
economia brasileira espantou o
mundo por sua capacidade de
crescimento, talvez tenha sido
mais resultado do investimento
em educação nas décadas anteriores do que propriamente de políticas econômicas milagrosas.
É engraçado o sistema atual: os
filhos dos ricos estudam nas excelentes escolas básicas particulares, enquanto os dos pobres vão
para as péssimas escolas públicas.
Na hora de ir para a universidade, a coisa se inverte. Os ricos,
mais preparados, conseguem entrar nas boas escolas públicas e
privadas, enquanto aos pobres
resta o consolo de um curso superior em uma modesta (e cara) faculdade de segunda linha.
O campeão dos vestibulares
deste ano, que entrou em primeiro lugar nos três mais concorridos
cursos do país, da USP, da Unicamp e da FGV, é o jovem Lucas
Martins Zomignani Mendes, de
18 anos. Sua história é sintomática. Filho de um empresário da soja em Goiás, ele estudou em uma
escola montada pelos seus próprios pais em Goiatuba, a 200 km
de Goiânia. Ao se transferir para
a cidade, em 1992, os pais de Lucas perceberam que não conseguiriam educar bem os filhos nas
precárias escolas do lugar e decidiram criar uma cooperativa,
com outros 20 pais, para abrir
uma escola de nível na cidade.
Neste ano, no vestibular da Fuvest, que abriga as faculdades estaduais de São Paulo, só 25% dos
aprovados são ex-alunos de escolas públicas. Nas faculdades mais
procuradas da USP, como a Poli,
a ECA e a São Francisco, o número de egressos de escolas públicas
é praticamente zero.
Todos conhecem essa situação,
do ministro da Educação ao mais
humilde professor de uma escola
pública da periferia. E só há um
caminho para modificá-la: melhorar a qualidade da escola pública. Não adianta bradar contra
o ensino particular elitista e caro.
Como em Goiatuba, ele floresceu
em todo o país para suprir uma
deficiência pública e cumpre papel importante na educação. É
melhor tentar revigorar o ensino
estadual e municipal, até porque
já sabemos que isso é possível, pela experiência dos anos 50 e 60.
Seria útil ao debate nacional
pré-eleições em que os candidatos
mostrassem suas propostas concretas para reerguer a escola pública básica e formar novas gerações de cidadãos brasileiros que
possam se orgulhar de seu país.
No Estado de São Paulo, na virada da década de 50, os alunos do
curso primário, após o sinal de
entrada, reuniam-se em fila no
galpão da escola, menores na
frente, maiores atrás, e cantavam
o Hino Nacional antes de seguir
para a sala de aula. É certo que
quase não entendiam o significado da letra, mas cantavam alto e
com a mão direita no peito.
Benjamin Steinbruch, 47, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Painel S.A. Próximo Texto: Automóveis: Carnaval derruba venda de carros Índice
|