São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

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Desafio de Mesquita é recompor relação do BC com Planalto

Integrantes do governo dizem que diretor está interino, mas Meirelles quer efetivá-lo; palavra final será de Lula

Presidente vem defendendo nomeação de diretor com perfil desenvolvimentista, para "arejar" discussões sobre juros no Copom

SHEILA D'AMORIM
KENNEDY ALENCAR

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar de tecnicamente ser considerado também um conservador, o diretor do Banco Central Mário Mesquita terá como desafio recompor a relação não apenas dentro do próprio BC, mas com o resto da equipe econômica e com o próprio Palácio do Planalto.
Na quinta-feira, Mesquita substituiu Bevilaqua na diretoria de Política Econômica. Por ora, acumulará essa diretoria com a que ocupava, a de Estudos Especiais.
O desempenho de Mesquita será determinante para os planos do presidente do BC, Henrique Meirelles, de reestruturar a cúpula da instituição -Meirelles deseja acabar com as diretorias de Estudos Especiais e de Liquidação e Desestatização.
O projeto está ameaçado diante da insistência de pessoas dentro do governo de que seria necessário "arejar" o Copom (Comitê de Política Monetária, que determina a trajetória dos juros), indicando um nome novo, com idéias diferentes da predominante hoje no grupo.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem defendendo que não vê como interferência no BC a nomeação de um diretor com um perfil mais desenvolvimentista para aprimorar o debate econômico.
Lula pretende manter a autonomia do BC para fixar os juros, mas acredita que o país teria a ganhar debatendo também novas idéias.
Nas conversas internas, Lula considera o perfil do presidente do BNDES, Demian Fiocca, no cargo por indicação do ministro Guido Mantega (Fazenda), ideal para "arejar" as discussões no BC, mas é pouco provável que Fiocca troque de função.
Segundo a Folha apurou, apesar de ter assumido a diretoria de Estudos Especiais em junho do ano passado, o acerto com Mesquita na época seria que ele faria uma transição, substituindo Bevilaqua quando este saísse.
Bevilaqua já havia anunciado que não pretendia ficar no segundo mandato, mas esperaria o melhor momento para sua saída não criar problemas à economia.
O anúncio, porém, foi antecipado, conforme afirmou Meirelles ao divulgar, na semana passada, a saída do diretor. E coincidiu com a divulgação do baixo crescimento da economia em 2006 e com a indicação de um desafeto dele, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, para ser representante do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional). Bevilaqua também foi cotado.

Menos diretorias
O plano inicial do presidente do BC era acabar com a diretoria hoje ocupada por Mesquita (Estudos Especiais), que viraria apenas apêndice da Política Econômica. O mesmo aconteceria com a área de Liquidação e Desestatização.
Com a venda dos bancos estaduais que foram transferidos para o BC praticamente encerrada, o trabalho restante poderia ser acoplado à área de fiscalização. O atual diretor, inclusive, já acumula suas funções com a de administração, desde outubro do ano passado, quando o então diretor João Antônio Fleury pediu demissão para trabalhar no governo do tucano Aécio Neves em Minas Gerais.

Conflito
Integrantes da cúpula do governo dizem que Mesquita é interino, apesar de Meirelles tê-lo confirmado na sexta-feira como efetivo. No anúncio da saída de Bevilaqua, o presidente do BC não fora explícito nesse ponto. Ou seja, Mesquita e Meirelles serão bombardeados nos bastidores até palavra final e pública de Lula, que, esperam, seja favorável aos dois.
Na quinta-feira, Meirelles disse que gostaria de efetivar Mesquita no cargo. "Caso o presidente me convide para continuar, vou conversar com todos os diretores. E o Mário Mesquita tem todas as qualificações para ser diretor de Política Econômica. A decisão final, porém, será do presidente."
Indagado se Mantega e Lula desejam alguém com perfil menos conservador na diretoria do BC e, em especial, na diretoria de Estudos Especiais, Meirelles disse que não discutiu esse assunto com o ministro nem com o presidente. "A princípio, essa diretoria é transitória e não precisa necessariamente ser preenchida."
Segundo fontes do BC ouvidas pela Folha, Mesquita é uma pessoa com mais jogo de cintura do que seu antecessor. Mesmo reconhecendo que Bevilaqua tecnicamente teve um papel importante, a maior queixa dentro do BC é sobre a "falta de jeito para se relacionar com as pessoas" e sobre a "postura defensiva".
De acordo com essas fontes, institucionalmente, a gestão Bevilaqua foi ruim. O BC perdeu bons técnicos, se isolou da equipe econômica, brigou excessivamente com a Fazenda e piorou a sua comunicação com o mercado.
Entre analistas e investidores, a avaliação é que "Bevilaqua transformou o BC apenas no Copom", ao controlar excessivamente a divulgação de estudos feitos pela instituição.
Por isso, a saída dele -apesar de não ter seguido a lógica do BC, que, segundo Meirelles, era esperar Lula confirmar o presidente da instituição, nem o cronograma do Copom, que tem reunião marcada para esta semana- foi classificada como "positiva".
A participação de Bevilaqua na reunião do Copom ainda estava indefinida na semana passada. Questionado sobre o assunto quando anunciou que o diretor estava deixando o cargo, Meirelles disse "vamos ver" e, diante da insistência dos jornalistas, afirmou: "A princípio deve participar [do Copom]. Tudo indica que sim".


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