São Paulo, Sexta-feira, 05 de Março de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

O cordão dos inflacionistas cada vez aumenta mais

MAILSON DA NÓBREGA

A desvalorização do real segue descontrolada, na linha do que aconteceu na Coréia do Sul, na Tailândia e no México. Se a nossa trajetória vier a ser semelhante, a taxa de câmbio pode bater cedo nos R$ 2,50 por US$ 1.
Se o Brasil recuperar a credibilidade e as linhas de crédito, especialmente as de comércio exterior, o pico da desvalorização pode ficar abaixo dos cerca de 100% observados naqueles países. Precisaria dar tudo errado para que chegássemos aos 230% da Rússia ou aos 400% da Indonésia.
A esta altura, vale lembrar o que prometiam os apologistas da desvalorização: um sustozinho passageiro, acompanhado de um pequeno período de juros altos.
Logo em seguida, diziam, os juros baixariam, a economia começaria a crescer, a arrecadação de impostos aumentaria, o déficit público cairia. Seria um típico círculo virtuoso. Sem inflação, certamente.
Ainda é cedo para falar seguramente sobre a rota da desvalorização. O governo pode recuperar a credibilidade. A nova diretoria do Banco Central está animando os espíritos. A vigorosa ação de ontem na taxa de juros pode gerar a confiança de que o BC possui capacidade de adotar e sustentar certas políticas e objetivos, principalmente a futura meta de inflação. O anúncio do acordo com o FMI também pode ajudar.
Os defensores da desvalorização já fizeram seu "hedge" particular. Armaram-se de argumentos para condenar o governo, se a mudança do câmbio der errado. Dirão que houve demora na decisão, que os juros ficaram altos, que o BC operou mal. Não será surpresa se até fantasias vierem a ser invocadas como causa do eventual fracasso.
Isso é pouco diante dos sinais preocupantes emitidos por parcelas crescentes das elites. Elas estão querendo a inflação de volta, embora declarando sua fé inabalável nas virtudes da estabilidade.
Pedidos de centralização cambial com protecionismo já se tornaram corriqueiros. Para quem já viveu a centralização (não confundir com controles de câmbio, ainda existentes de certa forma no Brasil), a proposta de sua reedição tem ar de coisa bolorenta.
Menciona-se a centralização cambial como se fosse uma gostosa viagem de férias. Vai-se e volta-se. Centraliza-se "por um momento" para reforçar as reservas. Depois se suspende a medida e tudo volta à normalidade. É muita inocência!
A centralização, medida de desespero, implicaria a moratória da dívida externa. O Brasil se desligaria dos mercados internacionais de capitais por muitos anos. Isso teria consequências sérias para o fluxo de investimento direto e para o futuro do país.
Engraçado, há gente dizendo que a centralização serviria para defender as reservas. Ou afirmando que não tem problema, pois já não estamos recebendo recursos do exterior.
Estonteante mesmo foi a declaração do banqueiro lembrando que existe um limite constitucional de 12% ao ano para a taxa de juros. Qual é a dele? Qualquer banqueiro sabe que esse limite é uma das maiores estultices da Constituição dita cidadã.
No fundo, ele quer se livrar das altas taxas de juro, que prejudicam os negócios do banco e das empresas que financia ou controla. Ele sabe que isso contribuiria para prolongar o período de desvalorização cambial e acentuaria seus efeitos inflacionários.
O que ele quis dizer é o seguinte: "Baixem as taxas de juro, cujos riscos eu não quero assumir". E quanto à inflação? "Bem, essa eu sei como operar e ganhar dinheiro." Os pobres? "Esse é um problema desse governo que está aí."
Juízes do Trabalho e a CUT falam em restabelecer a indexação de salários. Ambos buscam prestígio. Com a indexação, os juízes se vêem e são vistos como defensores dos trabalhadores. A CUT aumenta sua força sindical (sem trocadilho).
A CUT sabe que o desemprego é muito menor em conjunturas inflacionárias. Em dezembro de 1989, com a inflação mensal superando os 50%, a taxa de desemprego medida pelo IBGE era de apenas 2,7%.
Na inflação, o ajuste de folha de pagamento se dá pela queda dos salários reais. Na estabilidade, o ajuste acontece via desemprego. O dirigente sindical fatura a "defesa" do salário nominal e a preservação dos postos de trabalho.
Se o presidente da República não conseguir, principalmente via mudanças fiscais, recuperar a credibilidade do governo e do país, a desvalorização nominal pode continuar, lenta e inexoravelmente.
Quanto mais anda a desvalorização, mais aumenta a necessidade de medidas duras e impopulares para evitar o pior. Haja cordão para caber os inflacionistas.


Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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