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OPINIÃO ECONÔMICA
O cordão dos inflacionistas cada vez aumenta mais
MAILSON DA NÓBREGA
A desvalorização do real segue
descontrolada, na linha do que
aconteceu na Coréia do Sul, na
Tailândia e no México. Se a nossa trajetória vier a ser semelhante, a taxa de câmbio pode
bater cedo nos R$ 2,50 por US$ 1.
Se o Brasil recuperar a credibilidade e as linhas de crédito, especialmente as de comércio exterior, o pico da desvalorização
pode ficar abaixo dos cerca de
100% observados naqueles países. Precisaria dar tudo errado
para que chegássemos aos 230%
da Rússia ou aos 400% da Indonésia.
A esta altura, vale lembrar o
que prometiam os apologistas
da desvalorização: um sustozinho passageiro, acompanhado
de um pequeno período de juros
altos.
Logo em seguida, diziam, os
juros baixariam, a economia começaria a crescer, a arrecadação de impostos aumentaria, o
déficit público cairia. Seria um
típico círculo virtuoso. Sem inflação, certamente.
Ainda é cedo para falar seguramente sobre a rota da desvalorização. O governo pode recuperar a credibilidade. A nova diretoria do Banco Central está
animando os espíritos. A vigorosa ação de ontem na taxa de juros pode gerar a confiança de
que o BC possui capacidade de
adotar e sustentar certas políticas e objetivos, principalmente a
futura meta de inflação. O
anúncio do acordo com o FMI
também pode ajudar.
Os defensores da desvalorização já fizeram seu "hedge" particular. Armaram-se de argumentos para condenar o governo, se a mudança do câmbio der
errado. Dirão que houve demora na decisão, que os juros ficaram altos, que o BC operou mal.
Não será surpresa se até fantasias vierem a ser invocadas como causa do eventual fracasso.
Isso é pouco diante dos sinais
preocupantes emitidos por parcelas crescentes das elites. Elas
estão querendo a inflação de
volta, embora declarando sua fé
inabalável nas virtudes da estabilidade.
Pedidos de centralização cambial com protecionismo já se tornaram corriqueiros. Para quem
já viveu a centralização (não
confundir com controles de
câmbio, ainda existentes de certa forma no Brasil), a proposta
de sua reedição tem ar de coisa
bolorenta.
Menciona-se a centralização
cambial como se fosse uma gostosa viagem de férias. Vai-se e
volta-se. Centraliza-se "por um
momento" para reforçar as reservas. Depois se suspende a medida e tudo volta à normalidade. É muita inocência!
A centralização, medida de
desespero, implicaria a moratória da dívida externa. O Brasil
se desligaria dos mercados internacionais de capitais por
muitos anos. Isso teria consequências sérias para o fluxo de
investimento direto e para o futuro do país.
Engraçado, há gente dizendo
que a centralização serviria para defender as reservas. Ou afirmando que não tem problema,
pois já não estamos recebendo
recursos do exterior.
Estonteante mesmo foi a declaração do banqueiro lembrando que existe um limite constitucional de 12% ao ano para a
taxa de juros. Qual é a dele?
Qualquer banqueiro sabe que
esse limite é uma das maiores estultices da Constituição dita cidadã.
No fundo, ele quer se livrar das
altas taxas de juro, que prejudicam os negócios do banco e das
empresas que financia ou controla. Ele sabe que isso contribuiria para prolongar o período
de desvalorização cambial e
acentuaria seus efeitos inflacionários.
O que ele quis dizer é o seguinte: "Baixem as taxas de juro, cujos riscos eu não quero assumir". E quanto à inflação?
"Bem, essa eu sei como operar e
ganhar dinheiro." Os pobres?
"Esse é um problema desse governo que está aí."
Juízes do Trabalho e a CUT falam em restabelecer a indexação de salários. Ambos buscam
prestígio. Com a indexação, os
juízes se vêem e são vistos como
defensores dos trabalhadores. A
CUT aumenta sua força sindical
(sem trocadilho).
A CUT sabe que o desemprego
é muito menor em conjunturas
inflacionárias. Em dezembro de
1989, com a inflação mensal superando os 50%, a taxa de desemprego medida pelo IBGE era
de apenas 2,7%.
Na inflação, o ajuste de folha
de pagamento se dá pela queda
dos salários reais. Na estabilidade, o ajuste acontece via desemprego. O dirigente sindical fatura a "defesa" do salário nominal
e a preservação dos postos de
trabalho.
Se o presidente da República
não conseguir, principalmente
via mudanças fiscais, recuperar
a credibilidade do governo e do
país, a desvalorização nominal
pode continuar, lenta e inexoravelmente.
Quanto mais anda a desvalorização, mais aumenta a necessidade de medidas duras e impopulares para evitar o pior.
Haja cordão para caber os inflacionistas.
Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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