São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

EUA declaram nova guerra protecionista global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Os EUA acabam de declarar uma guerra econômica ao resto do mundo, adotando uma nova lei de subsídios agrícolas que faz os protecionistas europeus e japoneses corar de vergonha.
A nova Lei Agrícola (mais um exemplo de política setorial intervencionista, do tipo que os tecnocratas de Washington criticam em países de política econômica "populista"), a "Farm Bill", eleva os subsídios agrícolas em 70%.
Aprovada na última quinta-feira no Congresso dos EUA, a lei destina US$ 180 bilhões em subsídios agrícolas nos próximos dez anos. Entre outros efeitos, a lei castiga os países em desenvolvimento, como o Brasil, que enfrentarão mais dificuldades para gerar dólares a partir de suas exportações agrícolas. É mais um obstáculo, de alto custo e longo prazo, para a estabilidade da taxa de câmbio no Brasil.
Ocorre que o estoque de dívidas e investimentos estrangeiros feitos nos últimos anos no Brasil criou um cenário de pressões de remessa de juros, lucros e dividendos ao exterior.
Essas dívidas e investimentos tornam-se portanto fontes mais arriscadas de valor para os seus detentores no exterior (muitos deles, aliás, brasileiros mesmo).
Se o país não exporta o suficiente e ainda por cima enfrenta uma onda protecionista em escala global, o grau de confiança dos mercados em sua moeda e em seus títulos tende a cair.
Na semana passada, alguns bancos estrangeiros fizeram alertas (misturando política aos riscos econômicos).
Num debate pela TV, ouvi um comentarista afirmar perplexo que não entendia como um desses bancos, que se sabe interessado em investir no país nos próximos anos, podia ter publicado visão pessimista do país.
O paradoxo entre investir no país e apostar contra o país não é tão misterioso assim. Ao contrário, se o real se desvaloriza ainda mais, o comprador estrangeiro pode se beneficiar, pois a compra da empresa sai cada vez mais barata, em dólares.
Levada ao extremo, essa lógica especulativa provoca a destruição da Argentina. Depois de provocarem a crise cambial retirando capitais do país, os investidores preferem um sistema em que a desvalorização não tem limites. Afinal, quanto mais destruição, mais poder se concentra nas mãos dos que saíram com dólares a tempo.
No cenário mundial, o crescimento do comércio é irrisório. Após um ano de queda de 1% em volume e 4% em valor, a Organização Mundial do Comércio prevê alta de 1% em 2002.
Para países endividados, ou seja, em desenvolvimento, cristaliza-se uma situação em que a sobrevivência econômica e política depende da política de crédito das grandes potências, sobretudo dos Estados Unidos.
Ao colocar lenha na fogueira dos conflitos protecionistas, Bush indiretamente concentra ainda mais poder tanto nos organismos financeiros multilaterais sob seu controle, como o Banco Mundial e o FMI, quanto nos bancos privados internacionais que operam em escala global, em particular os norte-americanos.
O que parece improvável é que um sistema assim tensionado consiga ser estável. Afinal, a pretexto de defender o interesse nacional dos EUA (voltar a crescer sendo financiado pelo resto do mundo), o governo Bush cria desequilíbrios ainda maiores no sistema internacional.
O liberalismo conservador assume assim sua vocação para o tribalismo fundamentalista. Não é à toa que eleitores europeus se jogam nos braços do irracionalismo xenófobo e fascista. É uma nova guerra econômica mundial.


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