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OPINIÃO ECONÔMICA
Da dificuldade de ser diferente
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Quando Chalmers Johnson começou a escrever sobre o Japão, no final dos anos
1970, diversos observadores ocidentais já haviam percebido que
ali se passava algo de extraordinário. A rigidez doutrinária imperante não permitia, contudo,
que se admitisse nem sequer a
possibilidade do surgimento de
um novo objeto de estudos e, sobretudo, de uma nova e consistente realidade econômica e social. Ou bem o Japão era uma economia de mercado, apresentando, claro, diversos "desvios" em
relação ao modelo ideal, ou não
passava de um caso a mais, disfarçado que fosse, de economia de
comando (como eram, então, freqüentemente referidas, as economias socialistas).
Sinal dos tempos, a URSS retribuía da mesma maneira. Ou a
China se enquadrava no modelo
soviético, o que ia se revelando
cada dia mais problemático, ou
passava a ser definitivamente
considerada como um dissidente:
uma heresia a mais, a ser condenada e isolada.
Johnson, contudo, levou o seu
trabalho adiante e mostrou de
forma bastante convincente, em
"Miti and the Japanese Miracle:
The Growth of Industrial Policy,
1925-1975", que a economia japonesa não deveria ser entendida
como desvio. Havia ali um novo
caminho, contendo aspectos generalizáveis e outros, indiscutivelmente, nacionais e particulares. O Japão seria, em suma, um
tipo de economia em que o Estado e os grupos econômicos privados, sintonizados -e sob a orientação de órgãos públicos, entre os
quais, destacadamente, o Miti
(Ministério da Indústria e do Comércio Internacional)-, se empenhavam em absorver, rapidamente, as tecnologias industriais
do Ocidente.
O trabalho de Johnson não teve
grande repercussão na academia.
Na prática, contudo, a influência
da via japonesa se tornaria, como
se verá a seguir, cada vez maior.
Primeiramente, na área de influência direta do Japão, pelo menos duas economias, a da Coréia
do Sul e a de Taiwan, adotaram
caminhos inequivocamente inspirados na rota histórica japonesa. Ilustrando: os grupos econômicos sul-coreanos têm tudo a ver
com os zaibatsus do pré-guerra
japonês, e a burocracia taiwanesa, experimental e não-doutrinária (assim como a japonesa), deu
origem a um eficiente sistema que
já foi referido como "teia sem a
aranha". A expressão, do prestigiado historiador William Lockwood, foi originalmente aplicada
ao caso japonês.
Mas por caminho japonês não
há, evidentemente, que entender
algo rígido. No que toca à crítica
relação Estado-empresas, por
exemplo, três soluções parecem
ter sido tentadas, ao longo do
tempo, no Japão. Primeiramente,
supôs-se que os próprios grupos
econômicos poderiam, em grande
medida, "auto-regular-se". A seguir partiu-se (nos anos 1930 e
durante a guerra) para o controle
direto e assumido por parte do Estado. As duas experiências revelaram-se, porém, bastante insatisfatórias. Somente em 1952 se partiria para a terceira e exitosa solução, em que os poderes públicos
e as empresas intensamente colaboram -e novas formas de gerenciamento assumem uma importância crucial.
Por mais importante que seja
hoje, por toda a parte, a influência das novas formas de gerenciamento desenvolvidas, em boa medida, na via japonesa, a história
guardava ainda uma grande surpresa, que ampliaria decisivamente a sua influência.
A revolução chinesa parece ter
buscado, durante décadas, o seu
próprio caminho. Nessa busca,
passou até por dois momentos de
delírio: o Grande Salto Adiante
(1958) e a Revolução Cultural
(aproximadamente de 1966 a
1976). Deixados para trás ambos
os (desastrosos) episódios, a experiência chinesa veio a tomar novo
rumo a partir de 1978. Dessa feita,
com um êxito avassalador.
Admitidas as patentes diferenças e as notórias especificidades
nacionais, parece hoje lícito afirmar que, no seu sentido maior, o
colosso chinês veio a adotar, progressivamente, desde 1978, o caminho cujas linhas maiores haviam sido esquematizadas por
Johnson, em sua desidratação da
moderna história japonesa.
O atual governo brasileiro também pareceu, especialmente nos
seus primeiros momentos, trazer
em si a possibilidade de um novo
e consistente caminho. Para muitos, a sua originalidade viria a
concentrar-se na esfera das políticas sociais -o que não impediria
que também em politica industrial, ou externa, o país viesse a
desenvolver novas propostas e soluções. Meu amigo Luciano Martins falava, com discreto entusiasmo, da possibilidade de um governo "popular sem populismo".
Anthony Guiddens, em sua saudação a Lula na London School of
Economics (julho de 2003), foi
ainda muito mais longe. Essa não
é, contudo, certamente, a impressão hoje imperante. Veremos.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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