São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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CHOQUE DE IDÉIAS

Em mensagem lida em seminário no Rio, economista responsabiliza corte nos gastos públicos pela "recessão"

Furtado critica aperto fiscal do governo Lula

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
A economista e professora emérita da UFRJ Maria da Conceição Tavares durante seminário em homenagem a Celso Furtado no Rio


PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Decano dos economistas brasileiros, o ex-ministro do Planejamento Celso Furtado afirmou ontem que o corte "desmedido" de investimentos públicos do governo com o objetivo de cumprir metas de superávit fiscal "é algo que escapa de qualquer racionalidade". Tais metas, disse, são "impostas por beneficiários de altas taxas de juros".
Em mensagem lida por seu filho, André Furtado, que o representou num seminário em sua homenagem, na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Furtado, 83, responsabilizou o corte nos gastos públicos pela "recessão" que atinge o país nos últimos anos.
"A recessão que se abate atualmente sobre o Brasil tem sua principal causa no corte desmedido nos investimentos públicos, o que gera efeitos particularmente nefastos nas regiões mais dependentes de aplicações do governo federal", diz o texto do autor do clássico "Formação Econômica do Brasil".
Na visão de Furtado, tal situação "força um país que ainda não atendeu às necessidades mínimas de grande parte da população a paralisar os setores mais modernos de sua economia, a congelar investimentos básicos como saúde e educação, para que se cumpram metas de ajustamento do balanço de pagamentos".
Furtado foi um dos fundadores da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e ministro do Planejamento no governo João Goulart (1961-1964). O economista, segundo seu filho, não compareceu ao evento porque está em Paris, onde se trata de uma doença não revelada por ele.
Na sua mensagem, Furtado prevê que, se "continuar a prevalecer o ponto de vista dos recessionistas, teremos de nos preparar para um prolongado período de retrocesso econômico".

Reforma agrária
Na avaliação de Furtado, só a reforma agrária e uma "industrialização que facilite o acesso às tecnologias de vanguarda" serão capazes "de suscitar uma autêntica mudança qualitativa no desenvolvimento do país".
Segundo ele, a estrutura agrária é a principal razão da "extremada concentração de renda" no Brasil.
"Não tanto porque a renda seja mais concentrada no setor agrícola (...), mas porque, não havendo no campo praticamente nenhuma possibilidade de melhoria das condições de vida, a população rural tende a se deslocar para as zonas urbanas, aí congestionando a oferta de mão-de-obra não-especializada."
Numa perspectiva histórica, Furtado avaliou que, no Brasil, "não houve correspondência entre crescimento econômico e desenvolvimento". Para ele, poucos países tiveram taxa tão elevadas de crescimento nos anos 50 e 60. Tudo isso, porém, não se refletiu na massa de salários da população e no emprego nem na melhoria de vida da população rural.
O economista afirmou que desenvolvimento e crescimento econômico são coisas distintas. Para o primeiro se converter no segundo, é preciso que seja "fruto da realização de um projeto, expressão de uma vontade política".

Conceição e Palocci
Presente ao seminário, a economista e professora emérita da UFRJ Maria da Conceição Tavares disse que a retomada do desenvolvimento depende dos investimentos públicos e do controle de fluxo de entrada e saída de capitais, para reduzir a vulnerabilidade a choques externos.
Ao mencionar Paul Volcker, secretário do Tesouro dos EUA no governo de George Bush pai, criticou indiretamente a equipe econômica: "Nos EUA, os ortodoxos não são idiotas como os daqui".
Ao comentar que há ainda espaço no mundo para a distinção entre esquerda, preocupada com a igualdade, e direita, com a eficiência, Tavares citou o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda): "Ele vem sempre com esse papo de eficiência microeconômica".
Na visão dela, na nova geopolítica mundial os países superavitários da Ásia financiam o déficit americano comprando títulos do Tesouro dos EUA e produzem manufaturados a preços baixos. Para país "da periferia, fora desse eixo", como os latino-americanos, restará apenas voltar, como no passado, ao modelo de exportador de bens primários (grãos, minérios etc).
Para ela, o FMI (Fundo Monetário Internacional) é um "banco obsoleto", porque a maior parte da dívida dos países emergentes é privada e seus programas só atendem ao endividamento público.

Erro do PT
Também presente ao seminário, o sociólogo Francisco de Oliveira acredita que tenha sido um "erro do PT" não perceber que mudar a política econômica herdada do governo Fernando Henrique Cardoso não era "uma questão de ideologia".
Na sua avaliação, não só o PT como toda a oposição e os pensadores de esquerda "subestimaram" as mudanças feitas nos oito anos do governo FHC, que impediram alterar a política econômica. "Achávamos que o governo FHC era só uma capitulação ideológica por parte dele. Oliveira é um dos fundadores do PT, com o qual rompeu no final de 2003.


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