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Jornal hispânico é o que mais cresce nos EUA
Publicação de NY faz sucesso ao cobrir temas de interesse de imigrantes que não são tratados pela mídia tradicional
Circulação de "El Diario La Prensa", que privilegia o papel à internet, subiu 7,6% em 2008, ante queda de 4% na imprensa em geral
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
O jornal que mais cresceu em
porcentagem de circulação paga em dois dos últimos quatro
anos nos EUA não traz "Times", "Journal" ou "Post" no título. É escrito em espanhol e lido em papel por seus consumidores, tem formato tabloide e
presença secundária na internet. Sua sede ocupa meio andar
de um prédio no antigo centro
do Brooklyn e se parece com
uma repartição pública.
É "El Diario La Prensa", voltado para os hispânicos que vivem na área chamada Três Estados (Nova York/Nova Jersey/Connecticut), mas principalmente nos bairros nova-iorquinos do Brooklyn, Bronx e
Queens e em Long Island. Com
tiragem de 55 mil exemplares, é
lido por seis vezes esse número
de pessoas, que passam o jornal
de mão em mão, em busca de
notícias que não encontram na
grande imprensa.
No último sábado, por exemplo, uma das histórias principais tratava da inauguração numa fachada do Bronx de uma
imagem da Virgem de Guadalupe, o ícone religioso mais popular do México. O objetivo, segundo os frades que encomendaram a pintura, era pedir pela
saúde dos infectados com o vírus da gripe suína no México e
pela segurança de seus parentes em Nova York.
É que os imigrantes começam a ser vítimas de uma nova
onda de xenofobia, dessa vez
alimentada pela chegada da
doença à principal cidade americana e sua provável origem no
México. Apesar de a pintura ter
13 metros de altura e estar numa esquina movimentada, a
inauguração foi ignorada pelos
meios de comunicação.
A exceção foi "El Diario La
Prensa", que deu a história em
chamada na primeira página do
dia seguinte. O jornal vem martelando tanto a cobertura do
surto como seus efeitos secundários perniciosos entre os imigrantes -"Febre do racismo
nos EUA diante da gripe suína"
era o título de uma das reportagens sobre o caso.
Esse misto de informação relevante para uma fatia da população numericamente grande
(são 16% da população do Estado de Nova York, segundo o
censo), mas ignorada pela imprensa tradicional, e uma certa
militância pelos interesses de
seu público são o segredo do sucesso do jornal hispânico, diz à
Folha seu editor-chefe, Alberto Vourvoulias-Bush, 50, no
cargo desde 2005.
O jornal existe há 95 anos, o
mais antigo hispânico em atividade nos EUA. É fruto de uma
fusão ocorrida nos anos 60 entre o "El Diario de Nueva York",
fundado em 1947, e o "La Prensa", de 1913. Ambos tinham
uma base de leitores composta
predominantemente de porto-riquenhos vivendo em Nova
York. Nos últimos anos, no entanto, o título andava em busca
de um nova identidade.
Quem ajudou a encontrar esse rosto foi Vourvoulias-Bush
(o primeiro sobrenome se pronuncia "borbulhas"; o segundo
não tem relação com o ex-presidente, diz ele), um ex-editor
da revista "Art News" e da divisão latino-americana da "Time", onde trabalhou no projeto
interrompido de lançar um encarte em português com conteúdo da revista semanal.
Fez isso ao diversificar o noticiário para diversificar o leitorado, hoje composto por um
terço de mexicanos e centro-americanos de origem ou ascendência, um terço de sul-americanos e um terço de caribenhos. Também não liberou o
conteúdo da versão em papel
na internet, um dos pecados
originais da imprensa norte-americana e grande responsável pela crise do setor.
Por fim, ofereceu um material exclusivo, que o leitor encontra apenas ali.
Uma das notícias dadas pelo
jornal em primeira mão que
mais repercutiram foi a história do equatoriano Marcelo Lucero, de 37 anos. No fim de
2008 Lucero apanhou até a
morte supostamente de um
grupo de seis estudantes de
Long Island que teriam saído
para "surrar um mexicano".
"Ficamos no caso sozinhos
por vários dias, até que o barulho da comunidade chegou à
mídia local", diz o editor. Os estudantes foram presos e acusados de homicídio e crime racial.
"Jornalismo militante"
Vourvoulias-Bush recebeu a
Folha em seu escritório de esquina, de onde se vê o rio Leste
e a ponte do Brooklyn. Com jornais velhos espalhados pelo
chão, tem na parede os prêmios
ganhos pelo diário em sua gestão -vários José Martí Publi-
shing Awards, dados à imprensa hispânica- e um quadro do
artista de rua Matthew Courtney, do SoHo, que pinta sobre
páginas velhas de jornais.
Filho de um empresário de
Chicago e da escultora Joyce de
Guatemala, o jornalista nasceu
no México, foi criado no país da
mãe e foi para os Estados Unidos com 16 anos.
Estudou na Universidade Yale, onde acabaria dando aula, e
casou-se com a escritora de origem indiana Jhumpa Lahiri,
autora do romance que viraria
o filme "Nome de Família"
(2006), de Mira Nair.
O que eles fazem ali, diz, é algo chamado "jornalismo militante": "Nossa audiência é mal
servida pelas empresas, mal representada politicamente e
historicamente discriminada
em termos de oportunidades
econômicas e educacionais.
Muitas vezes, somos o único
jornal a chegar ao local em que
eles vivem. Assim, damos uma
plataforma para essa comunidade falar com o poder".
Os números o amparam. Segundo o ABC, principal órgão
de auditoria de vendas de jornais nos EUA, a publicação foi a
que mais cresceu entre os diários acima de 50 mil exemplares nos 12 meses encerrados
em março de 2008, com 7,6%
(na média, a circulação nacional caiu cerca de 4% no período). No mesmo período de
2006, subiu 5,8%, ante uma
queda média geral de 2,8%.
Enxuta, a Redação conta com
34 jornalistas. Uma delas é a
editora de opinião Erica Gonzalez, 35, que decidiu sair do
"New York Post", tabloide de
sucesso de Rupert Murdoch.
"O maior desafio foi encontrar
a voz dos latinos em Nova York,
porque, diferentemente do que
se pensa, ela não é uníssona,
mas variada", afirma.
Uma maneira foi buscar um
denominador comum. Ela
achou dois. O primeiro é que,
apesar das origens variadas, a
maioria dos leitores pertence à
classe operária e seus problemas são parecidos. O outro são
questões relacionadas à imigração, que preocupa a todos.
Para Federico Subervi, diretor do Centro de Estudo de Mídia e Mercados Latinos da Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Estadual do Texas, em San
Marcos, o mercado está bom e
deve continuar assim para jornais como "El Diario la Prensa"
ou seu concorrente "Hoy", de
Chicago (Estado de Illinois).
"A imprensa hispânica tem
mais relevância para as comunidades que serve, pois a tradicional as ignora", diz o estudioso à Folha. "Em geral, o latino
só vira notícia nos grandes jornais quando algo de ruim acontece, como no caso de crimes."
Como a população com essa
origem é a que mais cresce nos
EUA hoje, é só fazer as contas.
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