São Paulo, terça-feira, 05 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jornal hispânico é o que mais cresce nos EUA

Publicação de NY faz sucesso ao cobrir temas de interesse de imigrantes que não são tratados pela mídia tradicional

Circulação de "El Diario La Prensa", que privilegia o papel à internet, subiu 7,6% em 2008, ante queda de 4% na imprensa em geral


SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

O jornal que mais cresceu em porcentagem de circulação paga em dois dos últimos quatro anos nos EUA não traz "Times", "Journal" ou "Post" no título. É escrito em espanhol e lido em papel por seus consumidores, tem formato tabloide e presença secundária na internet. Sua sede ocupa meio andar de um prédio no antigo centro do Brooklyn e se parece com uma repartição pública.
É "El Diario La Prensa", voltado para os hispânicos que vivem na área chamada Três Estados (Nova York/Nova Jersey/Connecticut), mas principalmente nos bairros nova-iorquinos do Brooklyn, Bronx e Queens e em Long Island. Com tiragem de 55 mil exemplares, é lido por seis vezes esse número de pessoas, que passam o jornal de mão em mão, em busca de notícias que não encontram na grande imprensa.
No último sábado, por exemplo, uma das histórias principais tratava da inauguração numa fachada do Bronx de uma imagem da Virgem de Guadalupe, o ícone religioso mais popular do México. O objetivo, segundo os frades que encomendaram a pintura, era pedir pela saúde dos infectados com o vírus da gripe suína no México e pela segurança de seus parentes em Nova York.
É que os imigrantes começam a ser vítimas de uma nova onda de xenofobia, dessa vez alimentada pela chegada da doença à principal cidade americana e sua provável origem no México. Apesar de a pintura ter 13 metros de altura e estar numa esquina movimentada, a inauguração foi ignorada pelos meios de comunicação.
A exceção foi "El Diario La Prensa", que deu a história em chamada na primeira página do dia seguinte. O jornal vem martelando tanto a cobertura do surto como seus efeitos secundários perniciosos entre os imigrantes -"Febre do racismo nos EUA diante da gripe suína" era o título de uma das reportagens sobre o caso.
Esse misto de informação relevante para uma fatia da população numericamente grande (são 16% da população do Estado de Nova York, segundo o censo), mas ignorada pela imprensa tradicional, e uma certa militância pelos interesses de seu público são o segredo do sucesso do jornal hispânico, diz à Folha seu editor-chefe, Alberto Vourvoulias-Bush, 50, no cargo desde 2005.
O jornal existe há 95 anos, o mais antigo hispânico em atividade nos EUA. É fruto de uma fusão ocorrida nos anos 60 entre o "El Diario de Nueva York", fundado em 1947, e o "La Prensa", de 1913. Ambos tinham uma base de leitores composta predominantemente de porto-riquenhos vivendo em Nova York. Nos últimos anos, no entanto, o título andava em busca de um nova identidade.
Quem ajudou a encontrar esse rosto foi Vourvoulias-Bush (o primeiro sobrenome se pronuncia "borbulhas"; o segundo não tem relação com o ex-presidente, diz ele), um ex-editor da revista "Art News" e da divisão latino-americana da "Time", onde trabalhou no projeto interrompido de lançar um encarte em português com conteúdo da revista semanal.
Fez isso ao diversificar o noticiário para diversificar o leitorado, hoje composto por um terço de mexicanos e centro-americanos de origem ou ascendência, um terço de sul-americanos e um terço de caribenhos. Também não liberou o conteúdo da versão em papel na internet, um dos pecados originais da imprensa norte-americana e grande responsável pela crise do setor.
Por fim, ofereceu um material exclusivo, que o leitor encontra apenas ali.
Uma das notícias dadas pelo jornal em primeira mão que mais repercutiram foi a história do equatoriano Marcelo Lucero, de 37 anos. No fim de 2008 Lucero apanhou até a morte supostamente de um grupo de seis estudantes de Long Island que teriam saído para "surrar um mexicano".
"Ficamos no caso sozinhos por vários dias, até que o barulho da comunidade chegou à mídia local", diz o editor. Os estudantes foram presos e acusados de homicídio e crime racial.

"Jornalismo militante"
Vourvoulias-Bush recebeu a Folha em seu escritório de esquina, de onde se vê o rio Leste e a ponte do Brooklyn. Com jornais velhos espalhados pelo chão, tem na parede os prêmios ganhos pelo diário em sua gestão -vários José Martí Publi- shing Awards, dados à imprensa hispânica- e um quadro do artista de rua Matthew Courtney, do SoHo, que pinta sobre páginas velhas de jornais.
Filho de um empresário de Chicago e da escultora Joyce de Guatemala, o jornalista nasceu no México, foi criado no país da mãe e foi para os Estados Unidos com 16 anos.
Estudou na Universidade Yale, onde acabaria dando aula, e casou-se com a escritora de origem indiana Jhumpa Lahiri, autora do romance que viraria o filme "Nome de Família" (2006), de Mira Nair.
O que eles fazem ali, diz, é algo chamado "jornalismo militante": "Nossa audiência é mal servida pelas empresas, mal representada politicamente e historicamente discriminada em termos de oportunidades econômicas e educacionais. Muitas vezes, somos o único jornal a chegar ao local em que eles vivem. Assim, damos uma plataforma para essa comunidade falar com o poder".
Os números o amparam. Segundo o ABC, principal órgão de auditoria de vendas de jornais nos EUA, a publicação foi a que mais cresceu entre os diários acima de 50 mil exemplares nos 12 meses encerrados em março de 2008, com 7,6% (na média, a circulação nacional caiu cerca de 4% no período). No mesmo período de 2006, subiu 5,8%, ante uma queda média geral de 2,8%.
Enxuta, a Redação conta com 34 jornalistas. Uma delas é a editora de opinião Erica Gonzalez, 35, que decidiu sair do "New York Post", tabloide de sucesso de Rupert Murdoch. "O maior desafio foi encontrar a voz dos latinos em Nova York, porque, diferentemente do que se pensa, ela não é uníssona, mas variada", afirma.
Uma maneira foi buscar um denominador comum. Ela achou dois. O primeiro é que, apesar das origens variadas, a maioria dos leitores pertence à classe operária e seus problemas são parecidos. O outro são questões relacionadas à imigração, que preocupa a todos.
Para Federico Subervi, diretor do Centro de Estudo de Mídia e Mercados Latinos da Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Estadual do Texas, em San Marcos, o mercado está bom e deve continuar assim para jornais como "El Diario la Prensa" ou seu concorrente "Hoy", de Chicago (Estado de Illinois).
"A imprensa hispânica tem mais relevância para as comunidades que serve, pois a tradicional as ignora", diz o estudioso à Folha. "Em geral, o latino só vira notícia nos grandes jornais quando algo de ruim acontece, como no caso de crimes." Como a população com essa origem é a que mais cresce nos EUA hoje, é só fazer as contas.


Texto Anterior: Relator quer mais bancos além da Caixa
Próximo Texto: Obama propõe plano contra evasão fiscal de multinacionais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.