São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2010

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PAULO RABELLO DE CASTRO

O Brasil escapou da tragédia grega?


O Estado brasileiro não afastou o perigo de um novo grande descontrole das contas públicas no próximo governo

NO BRASIL , comemoramos uma década da lei complementar 101, de 4/05/2000, que travou os limites da irresponsabilidade dos governantes no trato do dinheiro público. Enquanto isso, a Grécia é um país que enfrenta compromissos impagáveis, recorrendo à ajuda do FMI e dos vizinhos da União Europeia. Quanta diferença! Não se brinca com despesa nem dívida públicas.
Não existe país imune ou acima de riscos de desequilíbrio orçamentário. Sempre haverá um dirigente capaz de jogar para o futuro a conta das loucuras do presente.
Na Grécia, a surpresa foi ainda maior pelo desconhecimento geral, inclusive das autoridades europeias e das agências americanas de "rating", sobre a parte escondida dos compromissos financeiros do governo grego.
Lá, a dívida pública se aproxima dos 200% do PIB. Mas a conta verdadeira ainda está por ser revelada. É que a sociedade grega, famílias e empresas, também deve muito aos bancos, que se financiam em outros bancos fora da Grécia, na Alemanha, na Espanha, na França, assim espalhando a corrente de papagaios a vencer no curto prazo.
Os governos da Europa e o FMI correram para dar suporte aos pagamentos mais urgentes, num valor assombroso de 50% do PIB grego.
Quando o Brasil enfrentou sua última grande crise, pegamos no exterior perto de US$ 50 bilhões. Na proporção do atual resgate grego, seria como se tivéssemos tomado emprestado, em 2002, cerca de US$ 250 bilhões. Com tal número, mesmo com a sorte que tivemos nas exportações, e não foi pouca, teríamos quebrado, sem conseguir acumular reservas.
Emprestar todo esse dinheiro aos gregos é solução de desespero. A explicação está na fragilidade do próprio sistema bancário mundial. Os governos dos EUA e da Europa temem o contágio do risco, seguido de outro grande ataque especulativo mundial.
Fazemos bem de comemorar a responsabilidade fiscal no Brasil. Responsabilidade é sinônimo de prosperidade. E, se a responsabilidade vier com eficiência fiscal, aí então o Brasil passará de emergente a nação madura. Essa meta é possível e não está distante, embora os números recentes do comportamento fiscal de 2010 apontem na direção oposta ao equilíbrio. O deficit primário de abril, ou seja, antes de começarmos a pagar os enormes juros da dívida pública brasileira, aponta a séria ameaça de retorno do fantasma do desgoverno.
Ainda dá tempo de segurar o deficit fiscal que ameaça comprometer uma trajetória de sucesso no controle das contas públicas. A verdade é que a lei de responsabilidade tem um furo.
Ela mesma, que obrigou Estados e municípios a pagar seus compromissos de dívida e manter rígido equilíbrio fiscal, deixou a União sem um controle específico da dívida bruta federal. Tampouco se exigiu o cumprimento de um orçamento previdenciário, deixando como letra morta no artigo 68 da lei, que previa um fundo previdenciário constituído por ativos tangíveis.
Aos seus dez anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal cumpriu o compromisso do nome que ganhou, mas ainda não converteu tal responsabilidade em mais eficiência no gasto e parcimônia na tributação. O Estado brasileiro convive com o drama dos precatórios. Tolera o atrelamento da dívida pública a maus indexadores, como o IGP-M. E ainda não afastou o perigo de um novo grande descontrole das contas públicas no próximo governo. Tudo isso é significativo risco de crédito, agravado pelos respingos do sangue que ainda jorrará da tragédia grega, daqui até 2011.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 61, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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