São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Milho, açúcar e soja, barato, sô!

BENJAMIN STEINBRUCH

A nossa crise de energia elétrica tem efeitos perversos para o país. Aborrece a todos, cria ansiedades e torna incerto o futuro imediato da economia brasileira. Mas ela tem outra consequência maléfica: desvia a nossa atenção de outros assuntos importantes, entre eles as relações externas do país.
Talvez por isso, passou quase despercebida uma reunião realizada no dia 23, no Congresso dos EUA, em Washington, sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O representante comercial do governo americano, Robert Zoellick, foi à Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados para um debate com produtores de açúcar. Seu objetivo, naturalmente, era convencê-los de que a Alca será um bom negócio para a agricultura americana.
A julgar pela reação dos produtores de açúcar, Zoellick não foi feliz em sua iniciativa. Ficou claro que os usineiros americanos querem os EUA muito longe da Alca e que eles fogem da competição com o Brasil como o diabo foge da cruz.
O representante dos produtores de açúcar, economista Jack Roney, em discurso, literalmente esculhambou o Brasil. Roney disse que, se o açúcar for incluído na Alca, haverá uma invasão do produto subsidiado brasileiro. E denunciou: o Brasil se tornou o maior produtor e exportador de açúcar e álcool com a ajuda de US$ 3 bilhões em subsídios, desvalorizações estratégicas na moeda, baixos padrões ambientais e o uso de trabalho infantil.
Nenhuma autoridade brasileira participava desse debate, em Washington, para nos defender. Não dá nem para comentar a irresponsável acusação sobre o trabalho infantil, que deploramos e combatemos tanto quanto os americanos. Merece comentário uma questão muito mais importante e irônica: os empresários americanos da área de agronegócios nos acusam exatamente do pecado que mais cometem: o culto ao subsídio.
O governo americano subsidiou os produtores agrícolas com US$ 32,3 bilhões no ano passado. Não é de hoje que isso ocorre, mas, em uma década, o valor da benesse oficial foi multiplicado por cinco.
Um país que faz essa lambança não está em condição de criticar nenhum outro por conceder subsídio. Só para o milho, o governo americano liberou US$ 10 bilhões em 2000. Para a soja, foram US$ 3 bilhões. O esquema lembra o antigo programa brasileiro dos preços mínimos agrícolas. O governo dos EUA garantiu aos produtores de soja, por exemplo, um preço mínimo de US$ 5,25 por bushel. Como a cotação internacional estava bem abaixo desse valor, o subsídio foi de quase US$ 1 por bushel. Resultado: a produção americana de soja foi altamente estimulada, atingiu 80 milhões de toneladas e vai obrigar os produtores brasileiros a reduzir a área plantada, porque o incentivo derruba a cotação internacional. Não dá para enfrentar uma concorrência desleal desse tamanho.
Outra ironia dessa história é que os subsídios agrícolas americanos se dão sob a bênção da Organização Mundial do Comércio (OMC), que na Rodada Uruguai de 1994 criou uma chamada "cláusula da paz", que vale até o fim de 2002.
Infelizmente, tudo continua como antes. Enquanto pregam o liberalismo comercial, os EUA praticam o protecionismo para manter vivos setores ineficientes. Isso ocorre em várias áreas da indústria, como a do aço. Mas, no setor de agronegócios, a ação é acintosa. Os americanos não aguentam a competição com os países mais pobres na produção de alimentos básicos. Mantêm-se no mercado à base de subsídios, barreiras alfandegárias e de um discurso como o do economista Jack Roney, que atribui a eficiência brasileira aos subsídios, descuido com o ambiente e trabalho infantil. Um discurso hipócrita.
Quando conseguirmos levantar a cabeça para fora de nossa crise energética, portanto, será preciso cuidar com carinho da questão dos subsídios agrícolas. Senão, os poderosos produtores rurais americanos vão conseguir deixar os produtos agrícolas de fora das discussões da Alca, o que é inaceitável.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail: bvictoria@psi.com.br




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