|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Milho, açúcar e soja, barato, sô!
BENJAMIN STEINBRUCH
A nossa crise de energia elétrica tem efeitos perversos
para o país. Aborrece a todos, cria
ansiedades e torna incerto o futuro imediato da economia brasileira. Mas ela tem outra consequência maléfica: desvia a nossa atenção de outros assuntos importantes, entre eles as relações externas
do país.
Talvez por isso, passou quase
despercebida uma reunião realizada no dia 23, no Congresso dos
EUA, em Washington, sobre a
Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O representante comercial do governo americano,
Robert Zoellick, foi à Comissão de
Agricultura da Câmara dos Deputados para um debate com produtores de açúcar. Seu objetivo,
naturalmente, era convencê-los
de que a Alca será um bom negócio para a agricultura americana.
A julgar pela reação dos produtores de açúcar, Zoellick não foi
feliz em sua iniciativa. Ficou claro que os usineiros americanos
querem os EUA muito longe da
Alca e que eles fogem da competição com o Brasil como o diabo foge da cruz.
O representante dos produtores
de açúcar, economista Jack Roney, em discurso, literalmente esculhambou o Brasil. Roney disse
que, se o açúcar for incluído na
Alca, haverá uma invasão do produto subsidiado brasileiro. E denunciou: o Brasil se tornou o
maior produtor e exportador de
açúcar e álcool com a ajuda de
US$ 3 bilhões em subsídios, desvalorizações estratégicas na moeda, baixos padrões ambientais e o
uso de trabalho infantil.
Nenhuma autoridade brasileira
participava desse debate, em
Washington, para nos defender.
Não dá nem para comentar a irresponsável acusação sobre o trabalho infantil, que deploramos e
combatemos tanto quanto os
americanos. Merece comentário
uma questão muito mais importante e irônica: os empresários
americanos da área de agronegócios nos acusam exatamente do
pecado que mais cometem: o culto ao subsídio.
O governo americano subsidiou
os produtores agrícolas com US$
32,3 bilhões no ano passado. Não
é de hoje que isso ocorre, mas, em
uma década, o valor da benesse
oficial foi multiplicado por cinco.
Um país que faz essa lambança
não está em condição de criticar
nenhum outro por conceder subsídio. Só para o milho, o governo
americano liberou US$ 10 bilhões
em 2000. Para a soja, foram US$ 3
bilhões. O esquema lembra o antigo programa brasileiro dos preços mínimos agrícolas. O governo
dos EUA garantiu aos produtores
de soja, por exemplo, um preço
mínimo de US$ 5,25 por bushel.
Como a cotação internacional estava bem abaixo desse valor, o
subsídio foi de quase US$ 1 por
bushel. Resultado: a produção
americana de soja foi altamente
estimulada, atingiu 80 milhões de
toneladas e vai obrigar os produtores brasileiros a reduzir a área
plantada, porque o incentivo derruba a cotação internacional.
Não dá para enfrentar uma concorrência desleal desse tamanho.
Outra ironia dessa história é
que os subsídios agrícolas americanos se dão sob a bênção da Organização Mundial do Comércio
(OMC), que na Rodada Uruguai
de 1994 criou uma chamada
"cláusula da paz", que vale até o
fim de 2002.
Infelizmente, tudo continua como antes. Enquanto pregam o liberalismo comercial, os EUA praticam o protecionismo para manter vivos setores ineficientes. Isso
ocorre em várias áreas da indústria, como a do aço. Mas, no setor
de agronegócios, a ação é acintosa. Os americanos não aguentam
a competição com os países mais
pobres na produção de alimentos
básicos. Mantêm-se no mercado à
base de subsídios, barreiras alfandegárias e de um discurso como o
do economista Jack Roney, que
atribui a eficiência brasileira aos
subsídios, descuido com o ambiente e trabalho infantil. Um discurso hipócrita.
Quando conseguirmos levantar
a cabeça para fora de nossa crise
energética, portanto, será preciso
cuidar com carinho da questão
dos subsídios agrícolas. Senão, os
poderosos produtores rurais americanos vão conseguir deixar os
produtos agrícolas de fora das
discussões da Alca, o que é inaceitável.
Benjamin Steinbruch, 47, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Indústria não é ouvida sobre mudanças Próximo Texto: Marketing: Consumidor de baixa renda faz marca líder Índice
|