São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2006 |
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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA "Hard landing"
HÁ MAIS de um ano, há uma
dúvida em relação ao ajuste
pelo qual terá que passar a
economia americana. Será um "hard
landing" ou, como preferem prever
os otimistas, um "soft landing"?
Quanto mais se atrasa o ajuste necessário, maiores serão os custos da
transição para o equilíbrio: a postergação do ajuste que está sendo conduzida pelo governo americano empurra para frente os custos (a economia continua crescendo, e as famílias americanas continuam consumindo), mas, quando o mercado impuser o ajuste, este será doloroso:
será um "hard landing".
O desequilíbrio americano traduz-se nos clássicos déficits gêmeos:
um grande déficit público e um
grande déficit em conta corrente. Os
dois estão naturalmente correlacionados, mas o déficit em conta corrente é mais grave que o déficit público. Além de maior (cerca de 7%,
contra um déficit público em torno
de 5% do Produto Interno Bruto),
seu financiamento está assegurado
a taxas de juro que não variarão muito daquelas hoje vigentes, enquanto
o financiamento do déficit em conta
corrente poderá, de um dia para outro, exigir taxas de juros substancialmente maiores.
É verdade que o dólar é a moeda
reserva e que o endividamento é em
dólar. O fato de os americanos não
incorrerem no chamado "pecado
original", ao qual se obrigam os países em desenvolvimento quando se
endividam externamente -endividar-se em moeda estrangeira-, melhora a sua situação. Os americanos
podem sempre pagar suas dívidas
emitindo dólares.
Ocorre, entretanto, que jamais os
Estados Unidos experimentaram
um déficit em conta corrente tão
continuado como aquele que está
ocorrendo atualmente. No século
20, o país só incorreu em déficits em
conta corrente significativos na primeira metade dos anos 80, mas chegaram apenas à metade do que chegaram desta vez (3,5% do PIB) e por
um período muito mais curto. O
"hard landing" foi evitado por meio
de um grande acordo internacional
-o acordo do Plaza, de 1985-, no
qual o Japão concordou em valorizar a sua moeda -o que lhe custou, a
partir de 1990, cerca de 15 anos de
quase-estagnação, que só agora está
sendo superada.
Desta vez, não há razão para acreditar que a China concorde em apreciar o yuan, como o Japão fez com o
iene. A China tem hoje melhores
condições para resistir à pressão política dos Estados Unidos do que tinha o Japão há 20 anos. Além disso,
seu superávit em relação aos Estados Unidos é grande, mas, em relação aos outros países asiáticos,há
déficit.
Podemos, então, esperar que os
outros países asiáticos depreciem
suas moedas? É pouco provável. A
crise de 1997 lhes mostrou que não
podem brincar com a taxa de câmbio. Que não podem ficar à mercê
dos fluxos de capital externos. Que
desenvolvimento se faz como sempre fizeram: com poupança interna.
É certo que esses países, como a
China, não estão interessados em
desfazer-se de suas reservas em dólares -em suspender o crédito dos
Estados Unidos. Não têm interesse
não tanto para evitar prejuízos financeiros mas porque dessa forma
suas moedas se apreciariam em relação ao dólar e eles perderiam seus
mercados externos, que são o motor
de seu crescimento.
Diante do fato de que os Estados
Unidos se tornaram devedores internacionais, alguns economistas
sugeriram que não haveria problema nisso, porque o retorno dos investimentos do país no exterior é
maior do que o dos estrangeiros nele. Isso é verdade: enquanto suas
multinacionais realizam grandes lucros no exterior, os investidores externos compram títulos do Tesouro
norte-americano com taxa de juros
muito baixa. Mas, se, por um lado, isso diminui a gravidade do endividamento líquido, não diminui a gravidade do déficit em conta corrente
persistente e alto.
Não estou prevendo uma crise para amanhã. A turbulência do mercado internacional reflete também
problemas conjunturais, como o
provável aumento da taxa de juros
americana, em razão do aquecimento da economia, e problemas menos
conjunturais, como a bolha do preço
dos ativos, mas o problema de fundo
é o déficit em conta corrente norte-americano.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 71, professor da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1930-2002". Internet: www.bresserpereira.org.br lcbresser@uol.com.br" Texto Anterior: Lucro do setor em 2005 foi 38% maior que o de 2004 Próximo Texto: Percepção de risco muda e gera turbulência Índice |
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