São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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Lula não convence o mundo sobre vantagens do álcool

Ban Ki-moon, da ONU, quer "aprofundar investigação" sobre biocombustíveis

Discurso de Lula em Roma, em favor do etanol derivado da cana, não seduziu o mundo, especialmente o secretário-geral da ONU

Nikola Solic/Reuters
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon (dir.), durante discurso
em Roma, ao lado do diretor-geral da FAO, Jacques Diouf


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O apaixonado discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor do etanol derivado da cana-de-açúcar, pronunciado ontem na Cúpula sobre Segurança Alimentar, não convenceu o mundo, se por mundo se entender a Organização das Nações Unidas.
Vinte e quatro horas depois de Lula afirmar que os biocombustíveis "são decisivos no combate ao aquecimento global e podem jogar um papel importantíssimo no desenvolvimento econômico e social dos países mais pobres", o secretário-geral da ONU, o coreano Ban Ki-moon, disse ser necessário "aprofundar a investigação" em matéria de biocombustíveis para chegar a um consenso, que ele considera "chave" para as políticas de produção de biocombustíveis.
A avaliação do secretário-geral coincide quase literalmente com o que deverá constar do comunicado final da cúpula, a ser divulgado hoje. Conforme a Folha já informou, o esboço do texto fala da necessidade de "estudos em profundidade" sobre biocombustíveis e propõe um "diálogo internacional" sobre eles.
Tanto as afirmações de Ki-moon como o esboço do texto final refletem a controvérsia que cerca os diferentes tipos de etanol. Há virtual consenso de que o etanol derivado do milho, produzido pelos Estados Unidos, é o equivalente ao "mau colesterol", na comparação feita por Lula.
Há apoio majoritário ao etanol derivado da cana-de-açúcar, o do Brasil, mas a praxe tem sido a de não separar o milho da cana, o que provoca a falta de consenso apontada pelo secretário-geral da ONU.
Falta de consenso que se estende ao mundo das ONGs (organizações não-governamentais), que fazem em Roma sua cúpula paralela, batizada de "Terra Preta".
Andrea Ferrante, presidente da Associação Italiana de Agricultura Biológica, criticou ontem as políticas agrícolas internacionais, que "favorecem a produção de agrocombustíveis, em vez de cultivos para a alimentação".
Lula cansou-se de dizer que, no caso do etanol derivado da cana-de-açúcar, não há essa substituição. Cresceram, no Brasil, tanto a produção de açúcar como a de álcool.
O que ajuda a fazer com que os dois etanóis se misturem é que monopolizam a produção mundial: representam, juntos, 80% da produção mundial e 90% do uso para fins energéticos.

Sem estrutura mundial
No âmbito específico da cúpula de Roma, os biocombustíveis acabaram chamando para eles o foco de atenção por outros motivos: primeiro, a única coisa em que todos estão de acordo é em canalizar recursos para os países mais pobres poderem dar de comer à massa de miseráveis que já comia pouco e mal mas tornou-se famélica ante a disparada dos preços dos alimentos.
Só falta agora que cada governo defina a quantidade de dinheiro que desembolsará para o plano de emergência desenhado pela FAO (braço da ONU para o setor de alimentação).
Segundo, os governantes não encontram como interferir nos mecanismos de mercado que, como eles próprios dizem repetidamente, determinam o preço do petróleo, cuja disparada afeta diretamente os alimentos. Tampouco podem atuar contra a especulação nos mercados futuros, outro fator que provocou aumentos no preço dos alimentos.
A discussão fica, então, concentrada em um mercado -o de biocombustíveis- que nem sequer está estruturado mundialmente, por mais que o governo brasileiro venha se esforçando para isso.


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