São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A mudança no comando do FMI


No FMI, como em outras áreas, EUA e Europa estão quase sempre unidos nas questões decisivas


NA QUINTA-FEIRA passada, o diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, convocou uma reunião extraordinária da diretoria e nos surpreendeu a todos com o anúncio de que deixará o cargo em outubro, quase dois anos antes do término do seu mandato.
A decisão preocupa. O momento dificilmente poderia ser pior. Está em pleno curso uma reforma do Fundo. Um dos principais itens é a questão de quotas e voz, que consiste essencialmente na revisão da estrutura de votação do organismo. A distribuição dos votos no Fundo está bastante defasada e não reflete a realidade do mundo contemporâneo.
O atual diretor-gerente parecia comprometido em tocar o processo para a frente. Ao anunciar a sua demissão, fez questão de declarar que permanece "absolutamente determinado" a avançar em todos os aspectos da reforma do FMI até outubro, "especialmente no que diz respeito a quotas e voz". Chegou a manifestar a expectativa de que a sua saída venha a constituir um incentivo para acelerar a reforma do Fundo nos próximos meses. Espero que ele tenha razão. Mas será que como diretor-gerente tipo "lame duck", em fim de mandato, ele terá a disposição e a força política para vencer resistências? No caso de quotas e voz, o principal foco de resistência são os europeus, que detêm cerca de 1/3 dos votos no Fundo, quase três vezes mais do que a Ásia.
A Europa detém também o privilégio de indicar o diretor-gerente do FMI. Por uma regra não-escrita, que vem sendo aplicada há mais de 60 anos, desde a criação das instituições de Bretton Woods, os EUA indicam o presidente do Banco Mundial e a Europa indica o diretor-gerente do Fundo.
Essa tradição vem sendo cada vez mais questionada. Trata-se, evidentemente, de uma regra totalmente anacrônica. Como bem disse o porta-voz do ministro das Finanças da África do Sul, "o processo deve ser aberto e transparente, e a escolha de um candidato para substituir o diretor-gerente do FMI tem de ser baseada em mérito, e não no continente ou país de origem da pessoa".
O próprio Rodrigo de Rato, assim como já fizera o seu antecessor, Horst Köhler, expressou a opinião pessoal de que o cargo deveria ser ocupado pelo candidato mais qualificado, e não necessariamente por um europeu. De fato, não há motivo defensável para excluir a hipótese de que o novo diretor-gerente do Fundo possa ser, por exemplo, um japonês, um australiano, um brasileiro ou um outro latino-americano.
Digito essa frase e paro. Latino-americano? Nas circunstâncias atuais, um latino-americano que pudesse emplacar seria daqueles que têm "trânsito em Washington". Ora, esses latino-americanos seguem o padrão do cristão-novo: defendem a fé com mais ardor do que o resto da congregação. Costumam ser "más papistas que el Papa". Fazem tudo para demonstrar apego às "regras do jogo" e apagar o pecado original de terem nascido na América Latina.
Em todo o caso, os europeus estão dando todos os sinais de que não querem mesmo largar o osso. E os EUA não demonstram nenhuma disposição de enfrentá-los. Depois de terem acabado de conseguir a substituição de Paul Wolfowitz por outro americano na presidência do Banco Mundial, os Estados Unidos não estão em condições de "mudar o status quo", declarou o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson.
Mais do mesmo. Como vimos, outra vez, nas negociações da Rodada Doha na OMC, Estados Unidos e Europa estão quase sempre unidos nas questões decisivas.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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