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Emergentes já ensaiam "descolamento" da crise
Nos países desenvolvidos, sinais são contraditórios, e alta da produção industrial pode ser apenas reposição de estoques "queimados"
Ásia "puxa o bloco" da recuperação; Brasil também tem desempenho positivo
FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK
Manchete do britânico "Financial Times" na quinta-feira:
"Indicadores mostram evidências de recuperação global".
Manchete do mesmo jornal no
dia seguinte: "Resultado grave
no emprego derruba esperança
de recuperação".
Nove meses depois do agravamento da crise financeira internacional, as economias
emergentes e as mais avançadas começam a se "descolar".
Nos países em desenvolvimento, os sinais de aumento na
produção e de recuperação no
emprego e no crédito vão ficando cada vez mais consistentes.
A forte valorização de suas
Bolsas de Valores é reflexo dessa nova conjuntura.
Os 22 países classificados como emergentes no índice da
Morgan Stanley Capital International fecharam o primeiro
semestre do ano com uma participação total de 24% no valor
das ações negociadas ao redor
do mundo, um recorde, e bem
acima dos 18% de 2008.
Já nos países desenvolvidos,
e principalmente nos EUA, os
dados econômicos continuam
extremamente contraditórios.
E essas economias vêm se sustentando ainda basicamente
por estímulos "artificiais", como gastos públicos sem precedentes e injeções de dinheiro
trilionárias no mercado por
meio dos bancos centrais.
A mudança de enfoque de um
dia para o outro no "Financial
Times" reflete um pouco dessa
separação cada vez mais nítida
entre emergentes e desenvolvidos. A grande dúvida é se os
emergentes conseguirão sustentar ou acelerar esse crescimento sem que os países ricos
saiam logo da recessão.
Enquanto os mercados do
Brasil (alta de 26% na Bolsa no
segundo trimestre), da China
(25%) e da Índia (49%) sobem
consistentemente, nos EUA
(segundo o mais amplo índice
da Bolsa de Valores de Nova
York, o S&P 500) os ganhos do
ano foram anulados na quinta-feira após ser conhecido o resultado do desemprego em junho: 467 mil demissões, 145 mil
a mais do que o previsto.
Hoje, tanto os países integrantes da zona do euro como
os EUA têm a mesma taxa de
desemprego, de 9,5%. Nos
EUA, enquanto o plano fiscal
de US$ 787 bilhões espera criar
3,5 milhões de vagas, a atual recessão já fez desaparecer 6,5
milhões de empregos.
"Os números indicam uma
forte e severa recessão e que
não há nada que mostre que a
economia [dos Estados Unidos] esteja começando a sair
desse quadro", afirma Stuart
Hoffman, economista-chefe do
PNC Financial Services.
Cerca de 70% do PIB dos
EUA depende do consumo das
famílias, que têm hoje níveis de
endividamento recorde. As
pessoas perdem seus empregos
e suas casas. Ao mesmo tempo,
os bancos vêm cortando agressivamente o crédito ao consumo por temerem calotes.
Os norte-americanos também estão poupando mais, cerca de 7% da renda disponível, o
maior patamar em 15 anos. Tudo somado, será difícil a economia decolar nessas condições.
Daí os fortes estímulos estatais, que, muitos avaliam, terão
de ser reforçados, complicando
o problema do endividamento
norte-americano. A dívida pública do país como proporção
do PIB deve subir dos atuais
44% para 65% em 2010, segundo projeções oficiais.
Para Barry Knapp, do Barclays Capital, a valorização da
Bolsa nos EUA até a forte queda
após o resultado do desemprego na quinta-feira mostrou que
"os fundamentos da economia
ainda estão bem atrás das expectativas dos otimistas".
Efeito Ásia
Relatório do IIF (International Finance Institute) distribuído na semana passada a
seus 375 integrantes (entre
bancos e instituições financeiras) diz que "os emergentes saíram na frente na atual recuperação, com os asiáticos puxando o bloco".
Chris Williamson, economista da consultoria Markit Economics, afirma acreditar que o
restante da recuperação global
poderá ser influenciado pela
China, que registrou em junho
o terceiro mês consecutivo de
crescimento na produção industrial.
O Brasil parece ir no mesmo
caminho. A produção industrial física aumentou 1,3% em
maio com relação ao mês imediatamente anterior. Em abril,
a variação havia sido positiva
em 1,2%.
Já sobre os países desenvolvidos, o IIF levanta a dúvida sobre se a recente recuperação da
produção industrial não se trata apenas de reposição de estoques "queimados" nos piores
meses da crise, entre outubro
de 2008 e janeiro deste ano.
Uma das exceções pode ser o
Japão, onde a produção industrial cresceu mais do que o previsto no segundo trimestre (6%
em maio a exemplo de abril, em
relação aos meses anteriores),
puxada tanto pela renovação
dos estoques como pela crescente demanda asiática.
Nos EUA, principalmente,
apesar de várias medidas tomadas para recuperar a economia,
não surtiram nenhum efeito
ainda ações para estabilizar o
mercado de crédito a empresas
e consumidores e para segurar
os preços das residências, que
continuam em queda.
Pior: o volume de financiamentos em atraso e de pessoas
sendo despejadas por falta de
pagamento em suas prestações
continua batendo recorde.
Após plano lançado pelo governo em março para refinanciar até 5 milhões de dívidas
imobiliárias, apenas 20 mil foram bem-sucedidas até a metade de junho.
A estabilização do mercado
imobiliário nos EUA é fundamental, pois as pessoas não
apenas contraem dívidas dando suas casas como garantias
(quanto menor seu preço, mais
difícil pagar ou rolar o empréstimo), assim como os bancos
continuam enfrentando perdas
bilionárias com os financiamentos em atraso do setor.
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