São Paulo, domingo, 05 de julho de 2009

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Emergentes já ensaiam "descolamento" da crise

Nos países desenvolvidos, sinais são contraditórios, e alta da produção industrial pode ser apenas reposição de estoques "queimados"

Ásia "puxa o bloco" da recuperação; Brasil também tem desempenho positivo

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

Manchete do britânico "Financial Times" na quinta-feira: "Indicadores mostram evidências de recuperação global". Manchete do mesmo jornal no dia seguinte: "Resultado grave no emprego derruba esperança de recuperação".
Nove meses depois do agravamento da crise financeira internacional, as economias emergentes e as mais avançadas começam a se "descolar".
Nos países em desenvolvimento, os sinais de aumento na produção e de recuperação no emprego e no crédito vão ficando cada vez mais consistentes.
A forte valorização de suas Bolsas de Valores é reflexo dessa nova conjuntura.
Os 22 países classificados como emergentes no índice da Morgan Stanley Capital International fecharam o primeiro semestre do ano com uma participação total de 24% no valor das ações negociadas ao redor do mundo, um recorde, e bem acima dos 18% de 2008.
Já nos países desenvolvidos, e principalmente nos EUA, os dados econômicos continuam extremamente contraditórios. E essas economias vêm se sustentando ainda basicamente por estímulos "artificiais", como gastos públicos sem precedentes e injeções de dinheiro trilionárias no mercado por meio dos bancos centrais.
A mudança de enfoque de um dia para o outro no "Financial Times" reflete um pouco dessa separação cada vez mais nítida entre emergentes e desenvolvidos. A grande dúvida é se os emergentes conseguirão sustentar ou acelerar esse crescimento sem que os países ricos saiam logo da recessão.
Enquanto os mercados do Brasil (alta de 26% na Bolsa no segundo trimestre), da China (25%) e da Índia (49%) sobem consistentemente, nos EUA (segundo o mais amplo índice da Bolsa de Valores de Nova York, o S&P 500) os ganhos do ano foram anulados na quinta-feira após ser conhecido o resultado do desemprego em junho: 467 mil demissões, 145 mil a mais do que o previsto.
Hoje, tanto os países integrantes da zona do euro como os EUA têm a mesma taxa de desemprego, de 9,5%. Nos EUA, enquanto o plano fiscal de US$ 787 bilhões espera criar 3,5 milhões de vagas, a atual recessão já fez desaparecer 6,5 milhões de empregos.
"Os números indicam uma forte e severa recessão e que não há nada que mostre que a economia [dos Estados Unidos] esteja começando a sair desse quadro", afirma Stuart Hoffman, economista-chefe do PNC Financial Services.
Cerca de 70% do PIB dos EUA depende do consumo das famílias, que têm hoje níveis de endividamento recorde. As pessoas perdem seus empregos e suas casas. Ao mesmo tempo, os bancos vêm cortando agressivamente o crédito ao consumo por temerem calotes.
Os norte-americanos também estão poupando mais, cerca de 7% da renda disponível, o maior patamar em 15 anos. Tudo somado, será difícil a economia decolar nessas condições.
Daí os fortes estímulos estatais, que, muitos avaliam, terão de ser reforçados, complicando o problema do endividamento norte-americano. A dívida pública do país como proporção do PIB deve subir dos atuais 44% para 65% em 2010, segundo projeções oficiais.
Para Barry Knapp, do Barclays Capital, a valorização da Bolsa nos EUA até a forte queda após o resultado do desemprego na quinta-feira mostrou que "os fundamentos da economia ainda estão bem atrás das expectativas dos otimistas".

Efeito Ásia
Relatório do IIF (International Finance Institute) distribuído na semana passada a seus 375 integrantes (entre bancos e instituições financeiras) diz que "os emergentes saíram na frente na atual recuperação, com os asiáticos puxando o bloco".
Chris Williamson, economista da consultoria Markit Economics, afirma acreditar que o restante da recuperação global poderá ser influenciado pela China, que registrou em junho o terceiro mês consecutivo de crescimento na produção industrial.
O Brasil parece ir no mesmo caminho. A produção industrial física aumentou 1,3% em maio com relação ao mês imediatamente anterior. Em abril, a variação havia sido positiva em 1,2%.
Já sobre os países desenvolvidos, o IIF levanta a dúvida sobre se a recente recuperação da produção industrial não se trata apenas de reposição de estoques "queimados" nos piores meses da crise, entre outubro de 2008 e janeiro deste ano.
Uma das exceções pode ser o Japão, onde a produção industrial cresceu mais do que o previsto no segundo trimestre (6% em maio a exemplo de abril, em relação aos meses anteriores), puxada tanto pela renovação dos estoques como pela crescente demanda asiática.
Nos EUA, principalmente, apesar de várias medidas tomadas para recuperar a economia, não surtiram nenhum efeito ainda ações para estabilizar o mercado de crédito a empresas e consumidores e para segurar os preços das residências, que continuam em queda.
Pior: o volume de financiamentos em atraso e de pessoas sendo despejadas por falta de pagamento em suas prestações continua batendo recorde.
Após plano lançado pelo governo em março para refinanciar até 5 milhões de dívidas imobiliárias, apenas 20 mil foram bem-sucedidas até a metade de junho.
A estabilização do mercado imobiliário nos EUA é fundamental, pois as pessoas não apenas contraem dívidas dando suas casas como garantias (quanto menor seu preço, mais difícil pagar ou rolar o empréstimo), assim como os bancos continuam enfrentando perdas bilionárias com os financiamentos em atraso do setor.


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