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OPINIÃO ECONÔMICA
Pacto federativo em xeque
FRANCISCO DE ALMEIDA E SILVA
A evolução, nos últimos
anos, das receitas da União
chama a atenção para dois pontos. O primeiro relaciona-se à elevação da carga tributária como
proporção do PIB. O segundo, debatido em menor escala, refere-se
à crescente participação das contribuições na arrecadação federal.
Enfoca-se, aqui, a práxis tributária federal não em relação ao
quantum, mas, sim, no aspecto
qualitativo. O que se discute, brevemente, são as implicações para
o "pacto federativo" da escolha,
por parte da União, de centrar o
esforço de arrecadação na cobrança de contribuições.
Alguns dados confirmam como
esses tributos vêm ganhando espaço no total de receitas. O Imposto de Renda e o Imposto sobre
Produtos Industrializados compõem o Fundo de Participação
dos Estados (FPE) e o Fundo de
Participação dos Municípios
(FPM). Informações divulgadas
pela Receita Federal mostram que
o IR, em 1996, representava 35,4%
no total de receitas federais. Em
2001, essa participação relativa se
reduzira a 33%.
O IPI respondia por 16,3% das
receitas da União em 1996. A partir de 1997, o percentual foi sendo
reduzido e atingiu 9,9% em 2001.
Essa redução foi tão drástica que,
apenas na passagem de 2000 para
2001, houve uma variação negativa de expressivos 7,48% na participação do IPI. Em contrapartida,
as receitas das contribuições, que
não são compartilhadas com os
governos estaduais e municipais,
exibem trajetórias diversas.
A CPMF, por exemplo, apresentava participação relativa de 6,1%
no total de receitas em 1997. Três
anos depois, o percentual passou
a 8,2% e, em 2001, atingiu 8,7%. O
salto de participação da Cofins é
ainda mais significativo. Se em
1998 entrava com 14,1% do total,
em 2001 foi responsável por cerca
de 23,6%. Apenas entre 1998 e
1999 aumentou em 50% a participação relativa na composição das
receitas federais.
Os números comprovam que a
União, nos últimos anos, vem
buscando receita por intermédio
de tributos que não são divididos
com as demais unidades federativas. Essa opção tem implicações
deletérias tanto para a economia
real como para as finanças municipais.
Pelo lado da economia real,
contribuições como a Cofins e a
CPMF pertencem ao conjunto daqueles tributos de pior qualidade.
Por incidirem em cascata, oneram a cadeia produtiva e dificultam que seja atingida o que os
economistas denominam de alocação eficiente de recursos. Em
consequência, o pacto federativo
é ferido em sua essência, pois se
assiste, como resultado prático da
ênfase na arrecadação de contribuições, à concentração das receitas dos tributos no caixa federal.
Ao mesmo tempo em que se
concentram recursos na esfera federal, nota-se o esforço para promover a descentralização das despesas. Institui-se, então, a política
de dois pesos e duas medidas,
com as finanças municipais sendo duramente atingidas. Não é
minha intenção discutir essa tendência de descentralização das
despesas. Essa é uma política a ser
seguida já que a maior proximidade entre os governos municipais e a população possibilita um
melhor atendimento às demandas sociais. Em última instância,
as administrações municipais, ao
levar em consideração as necessidades locais, aumentam a eficiência das políticas públicas, levando-se em consideração que os recursos são escassos.
Questiono, contudo, o fato de a
descentralização das despesas
não ser acompanhada pela das receitas. Ao optar pela cobrança de
contribuições, o governo federal
dá prioridade à sua arrecadação
em detrimento daquelas dos Estados e dos municípios. Assim, os
municípios perdem receita de
dois modos. Primeiro, não participam das receitas das contribuições. Depois, o esforço administrativo da União para tornar viável tal arrecadação retira da administração do IR e do IPI, que entram no cômputo do FPM, recursos materiais e humanos. Verifica-se, então, a redução da eficiência na arrecadação desses impostos.
Isso tudo ocorre quando municípios e Estados vêm contribuindo, cada vez mais, para a evolução
satisfatória das finanças públicas
nacionais. Para deixar claro o argumento, estabeleço o elo das
unidades federativas com uma
nova atividade financeira, diante
da Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF). Usarei dados das necessidades primárias de financiamento do setor público consolidado
que, quando negativas, indicam a
ocorrência de superávits primários.
Nos últimos anos, a ocorrência
desses sinais negativos nas necessidades primárias tornou-se recorrente em Estados e municípios
devido aos acordos entre o governo federal e o FMI que estipulavam metas de cumprimento de
superávits. Grande parte do mérito pelo alcance dos superávits se
deu pelas ações de Estados e municípios que, após a LRF, vêm
procurando sanear as finanças.
Alguns dados reforçam tais argumentos. Em 1999, Estados e
municípios participaram com
6,8% do resultado negativo das
necessidades primárias de financiamento do setor público consolidado. As estatais apresentaram
participação relativa igual a
20,3%. O governo federal e o Banco Central contribuíram com
72,9%. Em 2000, a participação
relativa de Estados e municípios
saltou para 15,8% e a das estatais
atingiu 30,7%. Paralelamente, governo federal e BC diminuíram
significativamente o percentual,
chegando a 53,5%. No ano passado, mantiveram a queda e fecharam em 50,3%. As estatais também reduziram a participação para 25,7%. Em contrapartida, Estados e municípios registraram novo aumento, atingindo 24%. Resultado prático: estão se transformando em agências redutoras do
déficit público da União.
Dessa forma, fica clara a "desfederalização financeira" no Brasil
ao mesmo tempo em que municípios, como o Rio de Janeiro, procuram ampliar a eficiência da gestão financeira. Por isso, fica a pergunta, para reflexão: municípios
que cumprem à risca os princípios de responsabilidade no trato
da coisa pública recebem tratamento adequado do governo federal?
Diante do exposto, para não se
atingir em cheio o pacto federativo, entendo que a União deveria
incentivar duas medidas. No curto prazo, para evitar a punição financeira das unidades da federação, receitas obtidas com as contribuições deveriam ser compartilhadas com Estados e municípios,
nos mesmos moldes em que estes
participam da arrecadação do IPI
e do IR por meio do FPE e do
FPM. A longo prazo, faz-se necessária uma reforma tributária que
reforce a tendência de descentralização das receitas, e não caminhe em sentido contrário. Com isso, o pacto federativo, consagrado
na Constituição de 1988, manteria
a trajetória de avanço histórico,
com melhora qualitativa do atendimento às demandas sociais.
Francisco de Almeida e Silva é secretário municipal de Fazenda do Rio de Janeiro.
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