São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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Na Argentina, Lula fala de moeda comum no Mercosul

Presidente e Cristina Kirchner vêem momento excepcional na relação bilateral

Brasileiro mostra grande entusiasmo com integração sul-americana e diz a platéia de empresários que "Deus nos fez grudados"

Juan Mabromata/Efe
Lula e Cristina Kirchner durante o almoço em Buenos Aires

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou sua palestra ontem para empresários brasileiros e argentinos num entusiasmado comício a favor do Mercosul e da América do Sul, a ponto de acenar com uma futura moeda comum.
Após lembrar que Brasil e Argentina estão prestes a adotar suas respectivas moedas, no lugar do dólar, para parte das transações comerciais, Lula disse que o esquema "pode ser o germe de uma futura integração monetária".
O entusiasmo foi tamanho que enveredou por caminhos místicos. Lula chegou a ver "um sinal de Deus" na geografia sul-americana: "Deus nos fez grudados. Mesmo que quiséssemos nos separar, não pode", disse, para receber ao final aplausos fortíssimos de uma platéia que lotou o salão do hotel Sheraton mas aplaudiu só educadamente sua colega argentina, Cristina Kirchner.
O entusiasmo do presidente pela integração é genuíno, tanto que o derramara, antes, sobre empresários apenas brasileiros, em café da manhã na residência do embaixador do Brasil na Argentina. Chegou a dizer que era preciso "compartilhar a prosperidade" com os vizinhos, tema que retomaria no hotel.
"Uma Argentina industrializada e competitiva fortalece o Brasil, fortalece o Mercosul e fortalece nosso projeto sul-americano", afirmou.
Foi música para os ouvidos de Cristina, que defendera, antes, políticas industriais para a recuperação do setor em seu país. "A Argentina não teve a sorte do Brasil, cuja elite dirigente teve a profunda convicção da necessidade de um modelo produtivo (...) e adotou políticas industriais desde sempre", comparou a presidente.
Se, na véspera, em jantar na embaixada brasileira, os dois governantes já haviam desfeito o pequeno mal-estar causado pela divergência nas negociações da Rodada Doha, o seminário empresarial foi a sagração de uma lua-de-mel repleta de retórica calorosa. Para Cristina, há, entre os dois governos, "uma comunhão que eu diria ser inédita na história". Para Lula, as relações bilaterais vivem "momento excepcional".
Tão excepcional, de fato, que os dois lados iniciaram gestões para negócios que envolvem bens de imenso valor agregado.
O ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento) confirmou que o governo argentino pretende comprar aviões da Embraer para a reestatizada -e virtualmente falida- Aerolíneas Argentinas. Mas não se falou, ao menos ontem, de cifras.
Já a ministra argentina da Defesa, Nilda Garré, disse que a Embraer e a Fábrica de Aviões de Córdoba estão em negociações para que sejam feitas na Argentina partes do avião de transporte C-170. Um acordo com os argentinos viria a calhar para a empresa brasileira, que está carregada de encomendas mas tem dúvidas sobre a manutenção de muitas delas, feitas por empresas aéreas médias e pequenas, duramente afetadas pela alta do preço do petróleo.
Encomendas da Argentina tapariam esse eventual buraco.
Miguel Jorge e Nilda Garré anunciaram também que a Petrobras vai encomendar à Argentina barcos de transporte e eventualmente navios-sonda. A petrolífera precisa de 200 navios, e os estaleiros brasileiros não têm como atender à demanda. Só navios-sonda, são necessários 38, dos quais só 12 podem ser fabricados no Brasil.
Mas a intenção das partes vai além dos negócios. Cristina defendeu que a aliança deve servir também para "captar outros mercados", tese que Lula havia mencionado com entusiasmo no café-da-manhã.
A convergência terá conseqüências práticas imediatas: Paulo Skaf, presidente da Fiesp, anunciou que haverá missões empresariais conjuntas a terceiros países. E convidou Cristina para a "Semana da Argentina", que a Fiesp organizará em março em São Paulo. Ofereceu até instalações para que ela despache do Brasil.
Natural, nesse cenário, que os dois governantes tenham sido carinhosos um com o outro. "Não é só afeto que nos une, mas uma visão comum sobre esse modelo de aliança produtiva, que permita aprofundar as transformações em ambos os países", disse Cristina.
"Juntos seremos mais soberanos", ecoou Lula para acrescentar: "Somados, somos 230 milhões [de habitantes], os únicos, fora os grandes países, a terem competitividade no setor agrícola".
O comício sobre a integração foi além do aceno a uma futura moeda comum, do tipo que países da União Européia adotaram. Lula não escondeu a inveja da construção européia e fechou seu discurso com uma pergunta-desafio: "Nós ficamos olhando a beleza da União Européia e não somos capazes de construir a nossa?".
O auditório explodiu em aplausos, mas ficou a dúvida se foi pelo sonho de integração ou uma frase de Lula que descreve à perfeição o momento difícil porque passa a Argentina, envolvida em uma guerra entre o governo e o setor rural: "Não devemos perder tempo brigando internamente, porque, quando brigamos internamente, sufocamos as possibilidades de crescimento do país".


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