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LUÍS NASSIF
A eterna volta do parafuso
O reagrupamento dos coronéis regionais em torno dos diversos candidatos à
Presidência da República é um
movimento tão velho quanto a
história do país.
No início do século 20, ainda
sob os eflúvios da Proclamação
da República, no já clássico
"América Latina, Males de Origem", o historiador Manoel
Bonfim chamava a atenção para essa característica do federalismo capenga nacional.
Há uma apropriação do Estado por forças políticas e pelo coronelismo regional, elementos
centrais de governabilidade, pela influência que exercem no
Parlamento. O abuso cria movimentos de opinião pública pela
republicanização do Estado. O
movimento ganha corpo, impulsionando os partidos de oposição. Na caminhada em direção ao poder, esses partidos vão
gradativamente recebendo a
adesão de aliados do velho poder.
Essa simbiose acaba permitindo aos velhos coronéis mudar de
barco, subindo no barco vencedor, e aos partidos de oposição
ganhar "realismo" e governabilidade e transfigurar-se. Gera-se, então, um novo ciclo de coronelismo, com sobreviventes do
velho regime e com os novos coronéis criados pelos novos tempos, mas recorrendo às velhas
práticas de apropriação do Estado.
É um movimento que se repete indefinidamente, em tempos
de democracia ou de ditadura.
O regime militar de 1964, mesmo com a supressão das liberdades políticas e o enfraquecimento do Congresso, jamais
deixou de cortejar os coronéis
regionais e de criar seus próprios coronéis.
A Nova República não deixou
por menos. Saíam os Alacid Nunes, os Pedro Pedrossian, entravam os Jader Barbalho, Íris Rezende, Amazonino Mendes, e
sobreviviam os politicamente
mais capazes, como Antonio
Carlos Magalhães e o clã Sarney. Mesmo no decantado Ceará, sepultou-se uma geração de
coronéis, mas os modernizadores recorreram aos mesmos métodos que combateram. Não há
diferença, a não ser alguma modernização nas práticas gerenciais, mas não nas políticas.
Nas eleições atuais, o arreglo
se dá em todos os níveis. Os caciques pefelistas, com Ciro; Sarney e Itamar, com Lula; candidatos a coronéis, como Geddel e
Jutahy, com Serra. E como se livrar dessa sina?
É muito difícil dentro do federalismo nacional e sem a estrutura de partidos orgânicos. Para
exercer o poder nacional, há que
contar com os deputados ligados aos coronéis e, em eleições
majoritárias, com seus currais
eleitorais. Sucessivos governos
montam alianças para ganhar
governabilidade, em troca não
só de fechar os olhos mas de fortalecer o poder regional dos coronéis. Fernando Collor não
caiu pelos seus defeitos, mas por
sua falta de habilidade e humildade política para ceder a
alianças com o coronelato.
Esses, por sua vez, exercem o
poder de forma imperial e pessoal. Não dividem poder com o
partido ou com aliados. Muitas
vezes seus suplentes são parentes ou amigos próximos. E não
dispõem de sucessores. Quando
há a impossibilidade de reeleição, escolhem seguidores fracos,
para não serem superados.
Não há oportunidade para
novos quadros partidários, a
não ser aqueles que conseguem
subir afrontando o poder instituído. Como não têm acesso aos
mecanismos de controle partidário, só conseguem ascender líderes populistas, que driblam as
restrições partidárias com práticas populistas.
Em um sistema politicamente
moderno, haveria espaço para
os articuladores, os líderes com
visão de futuro, capazes de articular alianças fincadas em
idéias e se valer de estruturas
partidárias arejadas para vencer eleições. Não no sistema brasileiro.
Mesmo o intelectualismo esclarecido do grupo paulista teve
de ceder a alianças espúrias,
muitas vezes cedendo mais do
que a prudência administrativa
recomendava, para obter avanços lentos em áreas cruciais
-como na privatização e na
profissionalização de algumas
ações de governo.
É essa tragédia política que
explica por que o país avança,
mas sempre com enorme defasagem em relação aos países desenvolvidos.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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