São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002

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LUÍS NASSIF

A eterna volta do parafuso

O reagrupamento dos coronéis regionais em torno dos diversos candidatos à Presidência da República é um movimento tão velho quanto a história do país.
No início do século 20, ainda sob os eflúvios da Proclamação da República, no já clássico "América Latina, Males de Origem", o historiador Manoel Bonfim chamava a atenção para essa característica do federalismo capenga nacional.
Há uma apropriação do Estado por forças políticas e pelo coronelismo regional, elementos centrais de governabilidade, pela influência que exercem no Parlamento. O abuso cria movimentos de opinião pública pela republicanização do Estado. O movimento ganha corpo, impulsionando os partidos de oposição. Na caminhada em direção ao poder, esses partidos vão gradativamente recebendo a adesão de aliados do velho poder.
Essa simbiose acaba permitindo aos velhos coronéis mudar de barco, subindo no barco vencedor, e aos partidos de oposição ganhar "realismo" e governabilidade e transfigurar-se. Gera-se, então, um novo ciclo de coronelismo, com sobreviventes do velho regime e com os novos coronéis criados pelos novos tempos, mas recorrendo às velhas práticas de apropriação do Estado.
É um movimento que se repete indefinidamente, em tempos de democracia ou de ditadura. O regime militar de 1964, mesmo com a supressão das liberdades políticas e o enfraquecimento do Congresso, jamais deixou de cortejar os coronéis regionais e de criar seus próprios coronéis.
A Nova República não deixou por menos. Saíam os Alacid Nunes, os Pedro Pedrossian, entravam os Jader Barbalho, Íris Rezende, Amazonino Mendes, e sobreviviam os politicamente mais capazes, como Antonio Carlos Magalhães e o clã Sarney. Mesmo no decantado Ceará, sepultou-se uma geração de coronéis, mas os modernizadores recorreram aos mesmos métodos que combateram. Não há diferença, a não ser alguma modernização nas práticas gerenciais, mas não nas políticas.
Nas eleições atuais, o arreglo se dá em todos os níveis. Os caciques pefelistas, com Ciro; Sarney e Itamar, com Lula; candidatos a coronéis, como Geddel e Jutahy, com Serra. E como se livrar dessa sina?
É muito difícil dentro do federalismo nacional e sem a estrutura de partidos orgânicos. Para exercer o poder nacional, há que contar com os deputados ligados aos coronéis e, em eleições majoritárias, com seus currais eleitorais. Sucessivos governos montam alianças para ganhar governabilidade, em troca não só de fechar os olhos mas de fortalecer o poder regional dos coronéis. Fernando Collor não caiu pelos seus defeitos, mas por sua falta de habilidade e humildade política para ceder a alianças com o coronelato.
Esses, por sua vez, exercem o poder de forma imperial e pessoal. Não dividem poder com o partido ou com aliados. Muitas vezes seus suplentes são parentes ou amigos próximos. E não dispõem de sucessores. Quando há a impossibilidade de reeleição, escolhem seguidores fracos, para não serem superados.
Não há oportunidade para novos quadros partidários, a não ser aqueles que conseguem subir afrontando o poder instituído. Como não têm acesso aos mecanismos de controle partidário, só conseguem ascender líderes populistas, que driblam as restrições partidárias com práticas populistas.
Em um sistema politicamente moderno, haveria espaço para os articuladores, os líderes com visão de futuro, capazes de articular alianças fincadas em idéias e se valer de estruturas partidárias arejadas para vencer eleições. Não no sistema brasileiro.
Mesmo o intelectualismo esclarecido do grupo paulista teve de ceder a alianças espúrias, muitas vezes cedendo mais do que a prudência administrativa recomendava, para obter avanços lentos em áreas cruciais -como na privatização e na profissionalização de algumas ações de governo.
É essa tragédia política que explica por que o país avança, mas sempre com enorme defasagem em relação aos países desenvolvidos.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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