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São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003

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INTEGRAÇÃO

Comissários do bloco dizem que darão prioridade a documento apresentado pela OMC para reunião em Cancún

UE põe texto agrícola do Brasil em 2º plano

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A União Européia dará tratamento de segunda classe ao documento sobre liberalização agrícola apresentado pelo chamado G20, o grupo de 20 países em desenvolvimento comandado por Brasil e Índia.
Essa perspectiva ficou nítida ontem, durante teleconferência dos comissários (espécie de ministros) europeus para o Comércio, Pascal Lamy, e para Agricultura, Franz Fischler, com um grupo de jornalistas de 15 países.
Fischler afirmou que o documento apresentado pelo presidente do Conselho Geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), o uruguaio Carlos Pérez del Castillo, tem precedência sobre o texto do G20, por ter sido já debatido com todos os países-membros da OMC, diferentemente do texto do G20.
"Trata-se de uma base mais ampla", diz o comissário.
O Brasil acha justamente o oposto: rejeitou, por "desequilibrado" em favor dos países ricos, o texto de Pérez del Castillo. Não gostaria, portanto, que servisse como base principal para as negociações agrícolas que se darão a partir do dia 10 em Cancún (México), durante a 5ª Conferência Ministerial da OMC.
Fischler ressalvou, como é óbvio, que o texto do G20 também será discutido. Mas, em negociações comerciais, o texto escolhido como base acaba predominando porque é difícil conciliar posições de 146 países (número de membros da OMC) quando mais de um papel está sobre a mesa.

Moldura geral
De todo modo, o comissário europeu já antecipou que, de Cancún, não sairão números concretos sobre a redução do protecionismo agrícola praticado por países ricos, em especial Estados Unidos e União Européia.
No máximo, sairá uma moldura geral. "Os números exatos [da abertura agrícola] serão acrescentados depois", disse Fischler.
O governo brasileiro já está preparado para essa hipótese, mas, não obstante, quer que a moldura resultante do encontro no México "tenha o potencial de ser preenchida com números favoráveis", diz o chanceler Celso Amorim.

Sem simpatia
Essa hipótese benigna depende de o texto do G20 ser aceito como base da negociação, tese que não tem a menor simpatia dos europeus.
Pascal Lamy chega até a colocar em dúvida a consistência do G20, ao dizer, com ironia, que é "interessante" que Brasil e Índia se ponham de acordo na área agrícola, quando o Brasil é pela liberalização irrestrita do setor, e a Índia, muito protecionista.
"Não vejo como a Índia possa se alinhar com a posição brasileira de liberalização agrícola total", aposta Lamy.
O comissário europeu rejeita, de plano, a hipótese de abertura total. "Pode ser boa para a Argentina, o Brasil, a Austrália e a Nova Zelândia, mas não seria boa para Índia e África", diz Lamy.

Tática antecipada
A teleconferência acabou servindo para antecipar um pouco a tática européia para Cancún, composta pelos seguintes elementos centrais:
1) Cancún não é apenas uma negociação agrícola. Há "20 pratos sendo cozinhados", lembra Lamy, em alusão aos pontos que compõem a agenda da (Organização Mundial do Comércio) e que, a rigor, tratam de tudo o que o ser humano produz e comercializa entre fronteiras.
Portanto, para ceder eventualmente em agricultura, a União Européia vai cobrar elevado preço em outras áreas, como, por exemplo, bens industriais, item em que a oferta liberalizante do Brasil, entre outros países em desenvolvimento, é assumidamente tímida;
2) Os europeus estão jogando a isca para os países mais pobres, ao propagandear, sempre, sua proposta de dar acesso livre aos produtos dos 54 países chamados LDCs (Least Developed Countries, os pobres entre os pobres).
Além disso, Lamy e Fischler uma e outra vez chamaram a atenção para o fato de que 70% das barreiras tarifárias são impostas por países em desenvolvimento para exportações de outros países em desenvolvimento.
Ou, posto de outra forma, seria uma falsa questão retratar Cancún como uma batalha entre o Norte rico e o Sul pobre.


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