São Paulo, quarta-feira, 05 de setembro de 2007

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Disparada no preço dos alimentos corrói a renda

Custo da cesta básica tem forte salto por causa da alta de produtos como carne

Ganho do salário mínimo em relação à cesta básica, trunfo eleitoral de Lula, recua em 16 capitais do país, aponta pesquisa do Dieese

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O forte aumento no preço dos alimentos, que já configura um "choque de oferta" para produtos como leite, carne e trigo e seus derivados, leva a uma corrosão no poder de compra dos trabalhadores, sobretudo os de menor renda.
Pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) mostra alta de 3,24% no preço da cesta básica de julho para agosto em São Paulo. Não há uma cesta nacional. O maior aumento aconteceu em Natal, cidade em que subiu 9,62% no período. Em Belo Horizonte, o aumento foi de 8,14%, em Salvador, de 6,56%. Já o IPCA (índice de inflação oficial) em julho ficou em 0,24%.
Neste ano, a elevação nos preços dos alimentos acontece por conta de uma conjuntura de fatores negativos de abrangência internacional: quebra na produção de trigo na Argentina e no Canadá, redução nas exportações de leite e laticínios na Oceania, além de uma seca maior do que a esperada que reduziu áreas de pastagem no Nordeste. E ainda um aumento no consumo de alimentos no Brasil e outros emergentes, como a China, que sustenta o mais recente ciclo de alta das commodities em geral.
No Brasil, as conseqüências foram os aumentos de 56,54% no leite longa vida e de 32,42% nos laticínios em geral neste ano, segundo a FGV (Fundação Getulio Vargas). No mesmo levantamento, a carne bovina teve elevação de 3,76% -sendo 2,93% só em agosto devido a adiantamento do impacto da entressafra bovina, que só deveria pesar no fim de setembro.
No caso dos alimentos, os aumentos ocorrem em efeito cascata. Quando a carne bovina sobe, puxa os preços avícolas, que são proteínas de substituição das carnes. Neste ano, os ovos subiram 20,07%, e o frango inteiro, 6,4%, segundo a FGV.
Para o professor da FEA-USP Heron do Carmo, especialista em inflação, o país assiste a uma recuperação dos preços dos alimentos, que até o ano passado seguraram a inflação. Ele lembra que o preço baixo do leite e da carne até 2006 levou os pecuaristas a se desfazerem das chamadas matrizes, que hoje produzem menor quantidade de leite e carne e sustentam a alta nos preços.
Pelo mesmo motivo, Carmo prevê uma inversão no preço dos alimentos por conta de um provável aumento na produção em 2008. "Os preços altos levarão a uma maior produção no próximo ano, que deve derrubar os preços dos atuais patamares. O mercado sozinho se equilibra", disse Carmo.
Devido à inflação dos alimentos, o Dieese afirma que o salário mínimo deveria ser de R$ 1.733,88 -2,69% maior do que em julho- para cobrir o que considera "determinação constitucional" de que o mínimo deveria ser suficiente para alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, transporte, lazer e previdência.

Salário
Pela primeira vez no ano, o preço da cesta básica em 16 capitais brasileiras subiu em ritmo anual maior do que o último aumento do salário mínimo, de 8,57%, ocorrido em abril. Em 12 meses, a cesta básica do Dieese acumula uma alta de 23,85% em Natal; de 20,19% em Porto Alegre; de 17,34% no Rio; e de 13,81% em São Paulo, entre outras capitais.
Vale lembrar que, no ano passado, o mínimo teve um aumento nominal de 16,6%.
Para economistas e sindicalistas, a corrosão do poder de compra de alimentos e de itens básicos levará os trabalhadores a pedirem aumentos salariais acima da inflação. Coloca ainda em xeque a nova política de reajuste do salário mínimo, que além da inflação leva em conta o crescimento do PIB.
"[O aumento da cesta básica] é uma notícia ruim para os trabalhadores, principalmente os mais pobres e os menos organizados. Nas reivindicações, esse dado terá que ser levado em conta. Além de repor o poder de compra, vamos pedir diminuição de impostos para os itens da cesta básica", disse João Carlos Gonçalves, conhecido como Juruna, secretário-geral da Força Sindical.
"Vamos cobrar aumento real acima da inflação pelo IPCA [índice utilizado no reajuste] para cobrir a alta da cesta básica e dos alimentos", disse Rafael Marques, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (filiado à CUT).
O poder de compra crescente do salário mínimo em relação a cesta básica desde 2003 é visto como trunfo político do governo Lula.

Copom
No mercado financeiro, o recente aumento no preço dos alimentos também preocupa, apesar de não ser visto com potencial para estourar a meta de inflação, hoje em 4,5%. No ano, o IPCA soma inflação de 3,69% e, em 12 meses, de 3,74%.
"É preocupante o aumento da cesta básica, que afeta as pessoas de menor faixa de renda, que estão na base de apoio do presidente Lula. Nos anos anteriores, foi sempre o contrário: o mínimo subia acima da inflação", disse Elson Teles, economista-chefe da corretora Concórdia.
Por conta do que chama de "choque de oferta" dos alimentos, o economista prevê hoje uma redução no ritmo de corte dos juros básicos brasileiros, de 0,5 ponto para 0,25 ponto percentual, para 11,25% ao ano, segundo espera a maioria dos economistas do mercado financeiro brasileiro.


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