São Paulo, sábado, 05 de setembro de 2009

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ESTHER FAINGOLD

A síndrome de Estocolmo e o Brasil


Sob a concordância das vítimas, são sequestrados o lucro e a saúde financeira das empresas de autopeças

NOS ANOS 70, quando cunhou a expressão síndrome de Estocolmo, definindo desvio psicológico pelo qual a vítima se identifica com o agressor, busca conquistar sua simpatia e passa a concordar com seu comportamento, o criminologista e psiquiatra sueco Nils Bejerot jamais poderia imaginar a analogia que seria estabelecida, mais de três décadas depois, com a cadeia produtiva da indústria automobilística brasileira. Como se sabe, em 23 de agosto de 1973, dois assaltantes invadiram o Kreditbanken, em Estocolmo, na Suécia. Portando metralhadoras, renderam algumas pessoas, com as quais permaneceram seis dias na caixa-forte.
Subjugados os bandidos, foi surpreendente a hostilidade dos reféns contra os policiais e sua posição de defesa dos algozes, aos quais manifestaram dependência e complacência. A atitude, que se observou até mesmo nos depoimentos nos tribunais, deu origem àquele termo.
Embora absurda e descabida, há semelhança comportamental nas relações B2B no âmbito da cadeia produtiva da indústria automobilística brasileira contemporânea. Sequestram-se, sob a concordância das próprias vítimas, o lucro e a saúde financeira das empresas de autopeças. Montadoras impõem concorrência quase caracterizada como leilão reverso, substituindo a segurança do fornecimento e o compromisso de qualidade, implícitos em contratos duradouros, pelo oportunismo de preços aviltados e negociações inconsistentes de curto prazo.
Essa prática estabelece uma espécie de tourada, na qual o touro é sangrado cruelmente até a morte, de modo perverso pelo toureiro, sob o aplauso da plateia.
Todos verbalizam a meta da sustentabilidade, fazendo a apologia dos avanços tecnológicos e de veículos mais seguros e silenciosos, menos poluentes e onerosos. No entanto, esse discurso da moda é mera verborragia, pois prevalece mesmo a dura realidade dos preços distorcidos e das empresas desrespeitadas por compradores das fábricas-clientes e, o que é pior, por elas próprias.
Montadoras incentivam seus fornecedores a promover mudanças em materiais ou processos, de maneira que atendam às especificações de qualidade, mas acarretem maior vantagem competitiva (leia-se: redução do lucro de alguns para o aumento do lucro de outros).
Resultado: num cenário de vendas recorde de automóveis no Brasil, suscitado pela redução tributária adotada para enfrentar a crise mundial, o faturamento do setor de autopeças no primeiro semestre de 2009 foi 24,8% inferior ao registrado de janeiro a junho de 2008. O número de trabalhadores empregados no segmento recuou de 198 mil em maio para 196 mil em junho. O deficit da balança comercial setorial no acumulado semestral foi de US$ 997 milhões, 7,6% maior do que o registrado no mesmo período de 2008.
É preciso refletir sobre as relações distorcidas do mercado. A passiva concordância com as políticas de preço e "concorrência" estabelecidas pelas montadoras não atinge apenas as autopeças; também transforma em reféns os consumidores, o mais importante e, ao mesmo tempo, vulnerável elo da cadeia de suprimentos. Está-se substituindo a saudável equação de equilíbrio e justiça econômica, na qual todos devem ganhar, por uma subserviente regra de perde-ganha, nociva ao setor, aos compradores finais, à economia e, portanto, a toda a sociedade. É uma estranha e indesejável síndrome!
Felizmente, não são todas as montadoras nem mesmo toda a cadeia que estão contaminadas. É importante distinguir os que mantêm a lucidez, para que suas práticas estabeleçam um novo referencial.


ESTHER FAINGOLD , administradora de empresas, pós-graduada em Política Internacional e História da Arte pela Faap, é CEO da Mueller -fabricante de conjuntos de material plástico para indústrias automotiva e de informática.

Hoje, excepcionalmente, a coluna de CESAR BENJAMIN não é publicada.


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