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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Internacionalização das empresas brasileiras

LUCIANO COUTINHO

A nova agenda do desenvolvimento brasileiro inclui desafios urgentes para aumentar a competitividade da economia, tais como o deslanche de inversões em infra-estruturas (energia e logística), a expansão dos investimentos em setores com elevada taxa de utilização da capacidade instalada, o reforço aos mecanismos de financiamento das exportações e, last but not least, o robustecimento das empresas nacionais para que possam operar internacionalmente.
Como é sabido, em muitos setores nos quais o Brasil possui vantagens competitivas, o tamanho das nossas empresas é modesto em comparação com o das empresas de países concorrentes (desenvolvidos e em desenvolvimento). O estágio de internacionalização das empresas brasileiras é também -com poucas exceções- incipiente, especialmente em termos de instalações produtivas e de distribuição no exterior. De outro lado, reconhece-se que a ocupação de novos espaços de mercado depende da consolidação de empresas brasileiras com capacidade de se internacionalizarem (via exportações e via inversões no exterior). Entre os vários setores em que se põe esse desafio, podem-se citar os seguintes: siderurgia, mineração, petróleo, petroquímica, celulose e papel, agronegócios (sucos cítricos, café, soja e derivados, aves e suínos), alimentos e bebidas, aviões, mídia, calçados, serviços de engenharia e segmentos das indústrias de máquinas e equipamentos e de autopeças. Para as empresas líderes desses setores, o aumento das operações no exterior, o desenvolvimento tecnológico e a eficiência competitiva em mercados regionais e globais não é apenas um complemento à atividade exportadora mas uma estratégia imprescindível, cuja ausência pode custar-lhes a sobrevivência a longo prazo (1).
Impõe-se sublinhar que essa nova agenda de consolidação e de robustecimento de grandes empresas nacionais em bases competitivas pressupõe inserção harmônica na cadeia produtiva, maximização da agregação de valor e excelência de gestão -atributos que, evidentemente, não decorrem só de aumento do porte das empresas. Por isso o processo de consolidação precisa ser acompanhado por modelos eficientes de governança corporativa e por firmes investimentos em capacitação tecnológica.
Em determinados setores, nos quais a concorrência tende a assumir cada vez mais um caráter global, a internacionalização das grandes empresas é imperativa. O caso da indústria aeronáutica é emblemático -as economias de escala e de escopo não permitem mais que um punhado de players mundiais. A Embraer já se move nessa direção com a montagem de uma planta na China que tem como alvo o seu dinâmico mercado. Nesse setor, a intensidade da capacitação tecnológica e a importância das condições de financiamento sublinham, em todos os casos, o papel relevante das políticas públicas para o avanço competitivo das respectivas empresas.
A nossa Petrobras, que acaba de completar 50 anos, defronta-se com o desafio de se firmar como grande empresa regional e internacional com base em sua comprovada eficiência operacional e em sua notável competência na exploração em águas profundas. A empresa precisa operar ativos no exterior (e.g. refino nos EUA, atuação mais forte na África, eventual parceria com a PDVSA, a estatal da Venezuela) e precisa lidar com o novo desafio criado pelas sua significativa descoberta de gás na bacia de Santos.
A Vale do Rio Doce já avançou bem mais em seu posicionamento na condição de líder do mercado mundial de minério de ferro, mas ainda tem de galgar significativos degraus em outras áreas para chegar perto das gigantes mundiais de mineração. Em outros casos de nichos específicos, registrem-se as experiências bem-sucedidas de internacionalização da Sabó (autopeças) e da Marcopolo (carrocerias).
Já, no caso das empresas brasileiras líderes dos setores de siderurgia, petroquímica, celulose e papel, alimentos e bebidas, sucos cítricos, soja e derivados, café, carnes de aves e suínos, calçados -todos com claro potencial competitivo-, o estágio de internacionalização é ainda infantil ou mesmo embrionário. Nesses casos, é de relevante interesse para o país que a política industrial contribua para a consolidação de grandes grupos privados brasileiros a fim de que possam operar internacionalmente. Todavia o apoio a esses processos não deve ser incondicional. Desses grupos empresariais devem-se cobrar excelência na gestão, programas ambiciosos de desenvolvimento tecnológico e que investimentos no exterior alavanquem mais exportações e ocupem novos espaços dinâmicos no mercado mundial.


(1) Vide a respeito interessante artigo recente dos professores João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo, Célio Hiratuka e Rodrigo Sabbatini, da Facamp ("A internacionalização de empresas no capitalismo contemporâneo: breves notas sobre a inserção competitiva da indústria petroquímica brasileira").

Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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