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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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FRAGILIDADE

Para Otaviano Canuto, há risco de os americanos elevarem juros, o que prejudicaria recuperação brasileira

Déficit dos EUA prejudica Brasil, diz Fazenda

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O déficit nas contas públicas e externas dos Estados Unidos, se não for corrigido no médio prazo, pode prejudicar os países em desenvolvimento, o que afetaria a recuperação econômica brasileira, segundo o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto.
O medo da equipe econômica é que os EUA sejam obrigados a elevar os juros, para corrigir pressões inflacionárias causadas pela depreciação do dólar em relação a outras moedas fortes.
Isso levaria a uma migração de recursos das economias emergentes para os papéis do governo americano, em busca de melhor relação risco/retorno. Como consequência, o real se desvalorizaria em relação ao dólar, o que poderia forçar o Banco Central a também aumentar os juros.
A tese foi defendida pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) em reunião com ministros das finanças das nações mais ricas do mundo, no encontro anual do FMI (Fundo Monetário Internacional), realizado nos Emirados Árabes duas semanas atrás.
Canuto disse também que o Brasil recebeu amplo apoio das grandes economias desenvolvidas e de muitos países emergentes para sua proposta de ter maior participação no Fundo. A única exceção importante foram os EUA, que "preferiram permanecer calados".
O Brasil tem hoje somente 1,4% de participação no Fundo, enquanto a economia do país equivale a 2,2% do produto mundial. O governo quer que o tamanho da economia tenha maior peso na fórmula de cálculo de participação no FMI.
Leia a seguir a entrevista que o secretário da Fazenda concedeu à Folha na última quinta-feira. (LEONARDO SOUZA)
 

Folha - Qual a importância para o Brasil aumentar sua participação no FMI?
Otaviano Canuto -
O valor dos recursos do Fundo guarda, em princípio, proporcionalidade às cotas [de participação na instituição]. Os empréstimos do Fundo são sempre definidos como múltiplos das cotas do país. Assim, o volume de recursos excepcionais [além do proporcional à cota] seria menor se o Brasil tivesse participação mais adequada à representatividade de sua economia.

Folha - Muda muita coisa sair de 1,4% de participação para 2,2%?
Canuto -
Muda brutalmente, porque o volume de recursos de acesso direto dentro do limite da cota sobe. O custo desse dinheiro é bem mais baixo do que o dos recursos excepcionais.

Folha - Quais países apoiaram a proposta brasileira?
Canuto -
Várias economias grandes desenvolvidas e países emergentes.

Folha - Os EUA se manifestaram?
Canuto -
Não, ficaram calados.

Folha - Qual a razão para eles não terem se manifestado? Havia algum interesse específico?
Canuto -
Não, não necessariamente. Você não é obrigado a se pronunciar sobre todos os temas. Esperaram provavelmente para ver para onde vão as discussões.

Folha - Que riscos para a economia global o governo identifica no déficit americano?
Canuto -
O ministro chamou a atenção para os riscos de uma dependência excessiva da economia americana, que é a grande locomotiva da economia mundial, para recuperar a economia global. Os vagões [as demais economias do Primeiro Mundo] não podem ficar distantes demais da locomotiva, porque isso tende a exacerbar as dúvidas quanto à posição do dólar [o dólar vem perdendo valor em relação às demais moedas fortes]. Europa, Japão e outras economias asiáticas também têm de fazer a sua parte.
Se o déficit público americano continuar a crescer brutalmente nos próximos anos, isso pode vir a implicar uma elevação dos juros reais pagos sobre a dívida pública. Isso, evidentemente, não seria uma boa notícia para a economia mundial.

Folha - Se os EUA tiverem que aumentar a taxa de juros lá, não teríamos que elevar a nossa também?
Canuto -
Isso, exatamente. São alertas nas perspectivas de economias emergentes que o Palocci colocou para os ministros das finanças do mundo.

Folha - Qual seria o cenário benigno para a economia mundial?
Canuto -
Uma desvalorização gradual do dólar, aí as exportações americanas subiriam e haveria uma correção de seu balanço de pagamentos [saldo das transações comerciais e financeiras com os demais países].
Esse cenário será tão mais provável quanto menos haja regimes de câmbio fixo. A reclamação americana é que alguns países asiáticos não estariam permitindo o ajuste de suas moedas, Japão e China principalmente [que têm mantido suas moedas artificialmente desvalorizadas, para que o preço de seus produtos seja mais baixo no mercado americano].
A Europa também tende a se juntar às queixas norte-americanas. Na medida em que o ajuste do dólar não ocorre em relação às moedas asiáticas, a intensidade do ajuste do dólar em relação ao euro aumenta.

Folha - A Europa é a mais prejudicada porque Japão, China e EUA terão suas moedas mais fracas.
Canuto -
Exatamente. Seria mais fácil para a Europa se o ônus do ajuste do dólar estivesse dividido com a Ásia.

Folha - O ministro Palocci e o governo do presidente Lula foram muito elogiados nos Emirados Árabes. Que balanço o governo fez do encontro anual do FMI, sob a ótica do Brasil?
Canuto -
Positivo em todos os aspectos. Positivo em relação à melhora da percepção de risco do país, o que significa aumentar as nossas perspectivas de desenvolvimento sustentável e de voz. A voz que o Brasil tem hoje certamente é mais alta do que a do ano passado.


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