UOL


São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

Texto Anterior | Índice

TELEFONIA

Presidente da agência nega desgaste com Miro Teixeira e diz que ministro cumpria seu papel do ponto de vista político

Anatel vê "mal-estar" com índice de reajuste

LEONARDO SOUZA
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O engenheiro Luiz Guilherme Schymura, 41, presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), gostou da proposta do governo para as agências reguladoras e negou desgaste com o ministro Miro Teixeira (Comunicações) por causa da polêmica sobre o reajuste de tarifas. Para Schymura, Miro estava fazendo o seu papel, que é político.
Ele confirmou que a disparada do IGP-DI -índice usado no reajuste dos contratos de telefonia- criou um "mal-estar" e tornou o ambiente político mais "sensível".
Schymura afirmou que fica até o final de seu mandato, que se encerra em novembro de 2005, e que não admite a possibilidade de o governo indicar novo presidente para a Anatel antes disso. Vencido o mandato, sairá da agência. Alega "desgaste familiar".
 

Folha - O que a agência vai fazer em relação à confusão do reajuste das tarifas?
Luiz Guilherme Schymura -
Nós definimos o reajuste no final de junho. A partir daí, na instância administrativa, tomamos a decisão final. Sempre cabe recurso à Justiça. Esse recurso foi feito e o juiz entendeu por bem não acatar a decisão da agência, em processo liminar. O que a agência vai fazer é acompanhar para ver se a decisão da Justiça será cumprida. Agora quem decide é a Justiça.

Folha - A Anatel vai chancelar o reajuste pelo IPCA?
Schymura -
Não. Temos que acompanhar para fiscalizar o que a Justiça determinou. Quem tem que deixar claro essa decisão é o juiz. A gente não pode fazer uma interpretação do que o juiz fez.

Folha - A agência ainda defenderá a aplicação do IGP-DI na Justiça?
Schymura -
A posição da Anatel é sempre defender a decisão que foi tomada [o reajuste tarifário pelo IGP-DI].

Folha - Há quem diga que a Anatel teve uma postura omissa e não lutou na Justiça pelo IGP-DI previsto nos contratos...
Schymura -
Acho que não. Nós tomamos a decisão e toda vez que somos convocados estamos dando a nossa visão da razão pela qual estamos dando o IGP-DI. Existe na agência a convicção de que o que foi dado foi o correto.

Folha - Mas a agência não poderia brigar pelo IGP-DI na Justiça?
Schymura -
A Procuradoria da agência é ligada à AGU [Advocacia Geral da União, órgão da Presidência da República]. O que a gente tem feito, em concordância com a visão da AGU, é nos pronunciarmos toda vez que formos acionados. Há uma lei que transfere a subordinação da procuradoria das agências para a AGU.

Folha - Esse tipo de decisão sobre tarifa afasta o investidor?
Schymura -
Em qualquer lugar do mundo existe a Justiça. Nos Estados Unidos, todas as decisões da FCC [Federal Communications Commission, órgão regulador dessa área] vão parar na Justiça, e na maior parte delas acaba prevalecendo a opinião da FCC. Isso faz parte do Estado democrático de Direito.

Folha - Mas aqui a gente teve o agravante de um ministro de Estado incentivar ações na Justiça contra a decisão de uma agência reguladora...
Schymura -
O ministro está falando de um ponto de vista político. Do ponto de vista político, o momento é muito sensível. Houve uma mudança de governo, o salário da população não cresceu, o IPCA foi 17% e o IGP foi 30,05%. Um grupo de fatores que, politicamente, gera um mal-estar. Isso é inegável. A Justiça tem que tomar as decisões com base nas leis e no que está escrito, mas o papel do ministro é um papel político, completamente diferente do meu papel ou do papel da Justiça. Cada um tem seu papel.

Folha - No futuro as operadoras podem pedir para a Anatel novo reajuste para repor perdas causadas pela aplicação do IPCA em vez do IGP-DI?
Schymura -
Não acredito que isso venha a acontecer. Ainda é uma liminar. Se eu for levar em conta todos os "se", eu não durmo. Pode acontecer tudo.

Folha - Para os contratos novos, a agência já anunciou que irá adotar um índice setorial. Os cálculos que foram feitos demonstram que, de 1997 a 2003, esse índice acumulado teria ficado bem abaixo do IGP-DI. As empresas estavam ganhando demais nos últimos anos?
Schymura -
Tenho medo dessa análise. O IGP, de fato, nesse período, foi maior do que os outros índices. No momento da privatização, o IGP estava lá embaixo em relação aos outros. O IGP foi mais alto, mas a economia brasileira não cresceu. Se nós formos fazer uma avaliação do contrato, você não pode entrar só no índice. Se o país crescer, bom para a empresa. Se não crescer, ruim para a empresa.

Folha - O que acontece no ano que vem se o IGP-DI ficar mais baixo do que o IPCA?
Schymura -
O que é provável. Aí vamos ver [risos]. Ano que vem a gente vai ver o que vai fazer. Em princípio, a posição da agência é seguir o contrato.

Folha - Seu relacionamento com o governo melhorou, passou a fase mais crítica?
Schymura -
Nunca houve um problema meu, pessoal, de relacionamento com o governo. O que houve foi um posicionamento do ministro com relação à questão do reajuste, o que deu a impressão de que havia algum tipo de desgaste com a agência. Não houve em momento nenhum desgaste com a agência. Ele não interferiu na negociação que foi feita. Ele só se posicionou, como está se posicionando em relação à TIM [Telecom Italia Mobile]. Está no papel dele.

Folha - O que o senhor achou dos anteprojetos do governo sobre agências reguladoras?
Schymura -
Foi extremamente importante o movimento que foi feito pelo governo, que foi colocar o documento em consulta pública, o que mostra claramente a disposição para um amplo debate sobre essa questão. O que se está discutindo é o aumento da transparência. Mas, toda vez que aumenta a transparência, aumenta a burocracia também. Não vi de maneira nenhuma o projeto diminuindo o poder das agências. Tem coisas no projeto que vão ser amadurecidas e modificadas, por problemas de edição. O que se vai discutir é até onde a sociedade quer transparência sabendo que vai ter que arcar com um custo maior de burocracia.

Folha - O governo botou o pé no chão em relação às agências?
Schymura -
As agências são instituições muito recentes. Muita gente nem sabe qual o papel da agência. Todo mundo sabe o que o Ministério da Fazenda faz, pouca gente sabe o que a Anatel faz.

Folha - O senhor pretende continuar na agência após o fim do mandato?
Schymura -
Eu tenho duas certezas. Uma é que eu vou morrer. Outra é que no dia 5 de novembro de 2005 eu não estou mais na Anatel.

Folha - Foi uma experiência desagradável?
Schymura -
Não, foi ótima. Mas é um desgaste familiar tremendo.


Texto Anterior: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.