São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Indústrias brasileiras se instalam em países que têm acordo com americanos para obter vantagens na exportação

Sem Alca, empresas tentam "ponte" com EUA

Alexandre Meneghini/Associated Press
O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) discursa para empresários durante evento em SP


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Empresas brasileiras estão montando fábricas em países vizinhos que já têm acordo com os Estados Unidos para fugir das limitações impostas ao Brasil pelo fato de não ter sido ainda fechado o acordo para a criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
A informação foi dada ontem por Sérgio Haberfeld, presidente do Conselho da Câmara Americana do Comércio, titular da maior fabricante de embalagens da América do Sul (a Dixie-Toga). Ele próprio já montou duas empresas na Argentina e está negociando a instalação de filiais no Chile e no México.
A lógica da iniciativa é simples: acordos de livre comércio como os que os EUA têm com México e Chile, por exemplo, permitem exportações em condições vantajosas, não disponíveis para um país, como o Brasil, que ainda não os assinou nem com os Estados Unidos nem com a União Européia, os dois maiores mercados para a produção brasileira.
A Gerdau (do setor de aço) já transferiu 40% de sua produção, contou também Haberfeld, em seminário no qual se sucederam críticas ao governo brasileiro pelo que o empresariado considera demora no fechamento de acordos comerciais.
O ministro Celso Amorim, chefe das negociações comerciais, foi o convidado para o almoço, mas não sabia das queixas feitas antes de ele chegar.
Ao tomar conhecimento delas, começou vendo um lado positivo: "A riqueza norte-americana foi construída não só com exportações mas também com investimentos em outros países", disse, como se o investimento brasileiro nos vizinhos fosse fator que, mais adiante, pudesse levar à idêntica conseqüência.
Não é bem assim, a julgar pelo que Haberfeld havia dito à Folha. pouco antes do almoço: o empresário lembrou que, como as condições de financiamento são muito mais favoráveis em outros países, as firmas brasileiras acabam diluindo o seu capital. Viram, de fato, multinacionais, "mas multinacionais deles", depõe o presidente do Conselho da Amcham.
Não foi o único inconveniente da falta de acordo com EUA e UE apontado durante o seminário. "Não fazer a Alca não é um jogo que não termina 0 a 0, mas com dois gols contra", comparou o economista Marcos Sawaya Jank, que criou o Icone, instituto de estudos do comércio internacional, para assessorar o agronegócio brasileiro nessas negociações.
Quais são os gols contra? Responde Jank: "Se a gente fica parado, outros acordos vão acontecer nas nossas costas, o que vai erodir as preferências que hoje temos".
Traduzindo: o Brasil hoje exporta para os países latino-americanos com uma dada preferência (tarifa menor de importação). Se esses países passam a fechar acordos com os Estados Unidos, a preferência é estendida à portentosa produção norte-americana, que passa a competir com a brasileira em condições vantajosas pela sua escala, pela produtividade e por financiamento muito mais fácil, abundante e barato.
Uma segunda linha de crítica foi puxada por Christian Lobauer, gerente de Relações Internacionais da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo): acusou o governo de postergar a Alca por motivos ideológicos.
A Folha quis saber se Lobauer achava que o governo Lula mantém a idéia de que a Alca não passaria de uma "anexação" do Brasil pelos Estados Unidos, tese levantada pelo hoje secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, e encampada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo menos durante os primeiros meses da campanha eleitoral de 2002.
"É isso mesmo", respondeu Lobauer. "O governo tem a percepção um tanto equivocada de que os americanos são mal intencionados", completou.
O almoço serviu para que o chanceler rebatesse todas as críticas, chegando à veemência ao falar da suposta motivação ideológica no caso da Alca.
Amorim lembrou que o que o governo está defendendo na Alca é a possibilidade de adotar políticas industriais, tecnológicas ou de saúde. Ergueu mais a voz para emendar: "O que há de ideologia em ter uma política de fármacos? O que há de ideologia em ter uma política industrial que preserve a possibilidade de exigir índices de desempenho?".
É uma alusão ao fato de que o grande confronto entre Estados Unidos e Brasil na negociação da Alca se deu pelo fato de que os norte-americanos, em vez de centrar a questão no livre comércio, preferiram discutir regras comuns e rígidas para todos os 34 países do hemisfério.
Se adotadas tais regras, o Brasil não poderia, por exemplo, manter a política de fabricação de genéricos, que já vem do governo anterior, ou exigir que determinados investimentos tivessem como resultado a produção voltada para a exportação em certa porcentagem (critério de desempenho).


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