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OPINIÃO ECONÔMICA
Menos pobre, muito mais desigual
MARCIO POCHMANN
A divulgação , nas duas últimas semanas, de indicadores sobre a situação social no país
(desigualdade, fome, pobreza)
não autoriza as futuras gerações
de brasileiros a acusar as atuais
por negligenciar a identificação
do mais grave fenômeno que aflige a nação: a exclusão socioeconômica. O melhor conhecimento
desse mal que atualmente atinge o
povo é necessário, porém insuficiente, caso não venha acompanhado de medidas adequadas para o seu enfrentamento.
O Brasil precisa abandonar rapidamente a situação de letargia
que leva autoridades e instituições a oferecer apenas e tão-somente uma visão contemplativa
da pobreza. É como se o médico,
diante do avanço tecnológico, dispusesse de melhor diagnóstico a
respeito da manifestação de um
tipo especial de câncer, permitindo até apresentar em seminários e
publicar em revistas científicas
seus estudos, sem que isso, no entanto, viesse a interferir nas receitas que continuaria a aplicar a
seus pacientes.
Ademais, convém também chamar a atenção para a frieza dos indicadores sobre a situação social.
De um lado, informa-se que o
Brasil reduziu, nos anos 90, a
mortalidade infantil significativamente, o que possibilitaria a melhora na qualidade de vida. Poucos atentaram para o fato de que
parte significativa desse feito deve-se à contenção impositiva da
quantidade de filhos entre as famílias de baixa renda, muitas submetidas à difusão de métodos
contraceptivos questionáveis (alguns em troca de votos, outros
sem a consciência da mãe).
Somente no município de São
Paulo, por exemplo, houve nas
duas últimas décadas queda no
número médio de filhos nas famílias pobres de 8%, contra 4% para
o total das famílias não-pobres.
Em síntese: sem nascer, o filho do
pobre não morre, da mesma forma que decaiu a participação do
negro no total da população no final do século 19.
Guardada a devida proporção, o
processo atual assemelha-se às teses valorativas do branqueamento da população brasileira na década de 1890, quando o crescimento vegetativo das famílias
brancas era positivo (1,21% ao
ano), e o das famílias negras, negativo (-0,625 ao ano). Esse "déficit negro", denunciado por Florestan Fernandes, não se devia a
uma seleção natural, mas a um
processo terrível de exclusão social.
De outro lado, chama a atenção
o uso de indicadores que mostram a elevação no desenvolvimento humano de um determinado local, quando ali tem ocorrido aumento do desemprego, da
desigualdade de renda e da violência. Como pode haver compatibilidade entre a melhora do desenvolvimento humano e a piora
na qualidade de vida, denunciada
pelo desemprego, concentração
de renda e violência?
Possivelmente, está sendo utilizada uma lente limitada para focalizar algo muito mais complexo. Usando um indicador mais
robusto sobre a exclusão social, o
"Atlas da exclusão social no Brasil" (Cortez Editora, 2003), que leva em consideração sete variáveis
-pobreza, emprego formal, desigualdade, índice de alfabetização,
escolaridade, juventude e violência-, observa-se, por exemplo,
que a sugestão de elevação no desenvolvimento humano ocorrida
nos anos 90 no Brasil (melhora na
frequência escolar, nos anos de vida e na renda per capita) está
comprometida quando se observa que simultaneamente houve
ampliação da desigualdade de
renda, da violência e do desemprego.
Por fim, também é legítimo ressaltar a inadequada ênfase que
vem sendo concedida ao recorrentemente uso do indicador de
pobreza absoluta (medida de uma
linha de renda tão-somente suficiente para permitir o consumo
que atenda a necessidades físicas
vitais). Não apenas por levar à subestimação importante da quantidade de pobres no país mas, fundamentalmente, pelo fato de focar as ações apenas no combate à
pobreza. Vale ressaltar que esse
combate é urgente e necessário,
mas as medidas tomadas pelo poder público devem também enfrentar a escandalosa desigualdade e concentração de riqueza e
acesso a bens e serviços no país.
A exemplo do município de São
Paulo, onde a prefeitura, para reduzir pobreza e desigualdade e
promover inclusão social e desenvolvimento econômico, implantou desde 2001 um conjunto de
programas sociais que investem
na manutenção dos atuais e na geração de novos postos de trabalho, na ampliação de escolaridade
de crianças e jovens, na garantia
de uma renda mínima para famílias com filhos em idade escolar,
na concessão de microcrédito e
no fomento a novos empreendimentos e cooperativas populares.
Mesmo utilizando os dados recém-divulgados do desenvolvimento humano, caberia perguntar o que aconteceu com os adeptos da teoria do capital humano.
Como explicar que a desigualdade de renda aumentou nos últimos 20 anos, enquanto os indicadores de educação melhoraram?
Será que ainda há quem ache, como era comum nos anos 70, que a
desigualdade é mero reflexo da
distribuição do acesso à educação?!
Nesse sentido, a utilização do
indicador de pobreza relativa, que
possibilita saber o quanto se é pobre em relação ao padrão de vida
dos ricos no país, seria muito mais
consistente com a estratégia de
enfrentamento da exclusão social.
Caso contrário, o país pode até
continuar apresentando queda na
taxa de pobreza, como verificado
entre 1991 e 2000, sem que isso
produza a queda necessária na
desigualdade de renda. E, quando
isso ocorre, situações correlatas
como o desemprego e a violência
permanecem "excluídas" da análise, não transparecendo que são
partes pertencentes de mesmo todo complexo e integradas entre si.
Marcio Pochmann, 41, economista,
professor licenciado do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade
da Prefeitura de São Paulo.
Hoje, excepcionalmente, a coluna de Antonio Barros de Castro não é
publicada.
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