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Cópia indica prestígio, diz pesquisador
Para professor italiano, pirataria somente se desenvolve caso a marca seja fortemente desejada pelos consumidores
Andrea Semprini participa de simpósio em São Paulo nesta semana que discute futuro do consumo e da cultura e também lança livro
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
As grandes marcas não deveriam se inquietar tanto assim
com as cópias de seus produtos.
Para o pesquisador italiano Andrea Semprini, é justamente
porque as grifes têm prestígio
que elas são copiadas.
Não fossem certas marcas estimadas pelo consumidor, ninguém se interessaria em imitá-las, defende Semprini, que é
professor da universidade Paris
4-Sorbonne, da Universidade
Iulm (Milão) e dirige o instituto
Arkema, onde presta assessoria
a grandes marcas.
Nesta semana, ele faz em São
Paulo uma palestra no Simpósio Internacional Fiat 30+ (leia
nesta página) e lança no país o
seu livro "A Marca Pós-Moderna: Poder e Fragilidade da Marca na Sociedade Contemporânea" (ed. Estação das Letras).
De Paris, onde mora, Semprini
respondeu por e-mail à entrevista a seguir.
FOLHA - Como o sr. descreveria a
relação do consumidor atual com as
marcas?
ANDREA SEMPRINI - O consumidor contemporâneo é mais crítico, mas também mais oportunista e menos fiel em relação às
marcas. Não se pode esquecer
que, graças à internet e às mídias, esse consumidor é hoje
mais bem informado e pode
comparar preços, performance
dos produtos e qualidade dos
serviços.
Mas o consumidor atual também procura nas marcas uma
transparência, uma honestidade e uma sinceridade novas. E
uma consideração a respeito de
sua sensibilidade, da orientação de seus gostos, e não apenas
de suas necessidades. Basta
pensar no sucesso crescente,
na Europa, dos produtos "fair
trade" [comércio justo] para
ver como o consumidor procura um acréscimo de sentido ao
seu consumo e pede às marcas
que tenham projetos que se insiram entre as grandes questões de nossa época.
FOLHA - Por que as marcas adulam
tanto os jovens?
SEMPRINI - O papel deles é extremamente importante. Em
primeiro lugar, porque freqüentemente descobrimos
uma marca na juventude e acabamos ligados a ela durante toda a vida desse produto. Em segundo lugar, porque os jovens
são muito sensíveis à extensão
social, comunitária dessas marcas.
Para eles, a idéia de pertencimento a um grupo é fundamental, e as marcas podem criar essa sensação. Basta pensar no
sucesso mundial do iPod, verdadeiro objeto de culto para os
jovens.
Em terceiro lugar, os jovens
são grandes consumidores de
novidades tecnológicas. E as
marcas que não se encontram
onde os jovens estão correm o
risco de não serem detectadas
pelo radar deles e, portanto, de
não lhes interessar.
Mas os jovens são também
portadores de novos valores.
Mesmo se uma parte deles adere ao discurso das marcas, uma
outra parte desenvolve um certo distanciamento crítico com
relação a elas, porque se ressente do estímulo permanente
do mercado. As marcas nunca
foram tão fortes, ricas e influentes como hoje, mas, se elas
são também frágeis, é em parte
por causa desta desconfiança
crítica que se desenvolve nos
jovens.
FOLHA - O que a cópia e a pirataria
incontroláveis podem nos dizer sobre o futuro das marcas?
SEMPRINI - As marcas de luxo se
inquietam muito com esses tipos de crime. Eu posso compreendê-los, mas, ao mesmo
tempo, constato que as marcas
mais copiadas são também
aquelas que se comportam melhor do ponto de vista comercial e financeiro.
Parece-me, portanto, que a
contravenção é de algum modo
um indicador de prestígio de
uma marca. A cópia só se desenvolve se a marca é fortemente desejada pelos consumidores. Se esse ponto de vista for
justo, uma marca deveria se inquietar muito mais, caso ninguém tivesse interesse em copiá-la.
FOLHA - O que o sr. pensa do crescimento das marcas "fast fashion",
como Zara?
SEMPRINI - Penso que o fenômeno Zara é provavelmente a
coisa mais interessante que se
produziu no universo da moda
depois de décadas. Porque isso
não representa apenas uma revolução tecnológica e comercial, mas uma adaptação às novas condições de consumo da
moda e um exemplo perfeito
daquilo que meu livro chama
de marca pós-moderna.
A Zara compreendeu (e soube transformar essa intuição
em realidade industrial) que a
moda vai cada vez mais se liberar dos ciclos sazonais (as coleções) e dos imperativos de alguns estilistas em voga. A política de preços da Zara e a rapidez fulgurante da rotação do
estoque dessa marca permitem
a uma mulher comprar uma
roupa apenas para uma ocasião
particular, quase que numa lógica de consumo "para uma
única vez".
Ao mesmo tempo, não considero que o sucesso da Zara e de
outras marcas "fast fashion"
possam representar uma
ameaça às grifes de luxo. Vejo
muito mais uma complementaridade, porque, de agora em
diante, é permitido misturar
uma blusa Zara com uma calça
Prada. As marcas que sofrerão
mais com esse novo fenômeno
são aquelas do "prêt-à-porter"
de porte médio, como Gap e Banana Republic, que não têm o
prestígio das marcas de luxo,
nem o frescor e o preço da "fast
fashion".
FOLHA - Que momento da história
do mercado e da mercadoria estamos vivendo: o da aceleração de um
consumo hipermassificado ou o da
proliferação de diferentes modos de
consumo numa sociedade cada vez
mais diversificada?
SEMPRINI - Sua questão é importante e está no centro de toda a primeira parte do meu livro. As novas tecnologias e os
desenvolvimentos socioculturais levam rumo ao individualismo e à personalização dos
gostos. Desse ponto de vista,
nós iremos rumo a uma fragmentação das formas de consumo, segundo lógicas tribais e
comunitárias.
É típico dos mercados pós-modernos rejeitar as grandes
lógicas coletivas que animaram
a sociedade de consumo de
massa. Penso, portanto, que o
período das grandes marcas
fordistas, fortemente estandardizadas (General Motors,
McDonald's, Coca-Cola), conheceu seu apogeu e está em
declínio.
Por outro lado, novas formas
de conformismo podem aparecer, veiculadas notadamente
pelo sistema midiático (as novas estrelas do espetáculo e do
jet set). É, paradoxalmente,
uma particularidade da condição pós-moderna empurrar para a pesquisa de novas narrações fortes em torno das quais
as pessoas possam se reencontrar e se reunir.
O consumo de amanhã será
então caracterizado por uma
mistura muito pessoal de escolhas totalmente individuais
(seleção de informação pela internet, mistura de estilos de
moda e de vida) e formas de
adesão coletiva que serão ao
mesmo tempo limitadas no
tempo e sobretudo praticadas
com muito mais distância e ironia do que no passado.
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