São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Surto nacionalista

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Discutia-se, numa roda de amigos, as razões da recaída nacionalista que vem molestando algumas figuras ilustres do tucanato. Não falo dos notórios governistas, os que hostilizam na moita a patuléia cosmopolita e livre-cambista encarregada de revender, em consignação, a política econômica fabricada pelo FMI.
Nunca foi tão escancarado o controle externo sobre a economia brasileira. Talvez por isso a recidiva nacionalista venha dando sinais de virulência. Atacou, por exemplo, o ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira, até há pouco um crítico obstinado e implacável do populismo nacional-desenvolvimentista. Nas páginas do caderno Mais! do último domingo, o ex-ministro exortou a esquerda brasileira a abraçar a causa do nacionalismo. Epa! Tenho grande simpatia pessoal pelo professor Bresser Pereira. Ficaria desolado, como muitos de seus ex-companheiros do finado PMDB, se a nova febre verde-e-amarela viesse a lhe causar as agruras e padecimentos próprios de uma certa confusão nas idéias.
Seja como for, devemos recebê-lo com a solidariedade que os pacientes do Sanatório de Davos concederam a Hans Castorp. Hoje, Davos é mais conhecida pelas reuniões anuais da plutocracia internacionalista. Na Montanha Mágica, a de Thomas Mann, lá chegavam apenas os que pretendiam se recuperar dos males adquiridos nas planícies inquietas da vida burguesa.
Encaminhadas as preliminares, vamos ao que interessa. (Antes devo pedir licença ao leitor para reproduzir argumentos já exarados em outra ocasião, dado o escasso repertório de originalidade à minha disposição).
Sociólogos, economistas e demais pensadores do tucanato moveram uma guerra implacável contra o ideário que pregava "o desenvolvimento nacional promovido pelo Estado" (sic). Inauguradas, dizem, por Getúlio Vargas, tais idéias e políticas comandaram o Brasil por mais de 50 anos.
Essa aventura "estúpida" liberou o Brasil e os brasileiros da dependência da exportação de café e de outros produtos agrícolas menos votados (além do bicho-do-pé, da febre amarela e da hemoptise), forjando a mais importante economia urbana e industrial do chamado Terceiro Mundo. Não conseguiu livrá-lo, infelizmente, do aventureirismo crônico das suas classes dominantes e adjacências.
As políticas "inteligentes" de FHC prometiam tirar o país do atraso e aproximar o padrão de vida dos brasileiros daqueles gozados pelos povos do Primeiro Mundo. Isso seria feito mediante a abertura da economia, a liberalização financeira, o recuo do Estado, as privatizações, a flexibilização do mercado de trabalho e a reforma da Previdência.
Depois de cinco anos, os resultados não foram brilhantes.
Primeiro, ampliaram-se os constrangimentos que atuam do "lado da demanda": ao contrário do que apregoa o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a dependência do humores dos mercados financeiros é constitutiva da forma de inserção internacional adotada pelo Brasil. Neste momento, o temor de assustar os possuidores de riqueza líquida -nacionais e estrangeiros- vem bloqueando a adoção de uma política monetária capaz de prover crédito em volume e em condições decentes para a indústria e a agricultura, de induzir o investimento privado ou estimular as exportações.
Segundo, são mais duros os constrangimentos originados no setor externo: projeções realistas mostram que o balanço de pagamentos não vai aguentar por muito tempo taxas de crescimento mais elevadas. A remessa de lucros e dividendos, a despesa com juros e a maior elasticidade das importações (em boa medida decorrente da preferência das multinacionais pelas compras em seus mercados de origem) devem impor limites mais estritos à expansão da economia.
Terceiro, tornaram-se dramáticas as dificuldades do "lado da oferta": alguns "nacionalistas" do governo estão começando a perceber que as privatizações, a perda do controle nacional sobre as empresas e bancos, desarticularam os mecanismos de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira. O setor produtivo estatal -num país periférico e de industrialização tardia- funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor privado. O investimento público corria na frente da demanda corrente, as empresas do governo ofereciam insumos generalizados em condições e preços adequados, e começavam a se constituir -ainda de forma incipiente- em centros de inovação tecnológica. Depois da privatização e da desnacionalização as grandes empresas "exportaram" os seus departamentos de P&D, os escritórios de engenharia reduziram dramaticamente seus quadros e iniciativas importantes, como o Centro de Pesquisas da Telebrás, foram praticamente desativadas. É o progresso.



Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).



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