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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Surto nacionalista
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Discutia-se, numa roda de
amigos, as razões da recaída nacionalista que vem molestando
algumas figuras ilustres do tucanato. Não falo dos notórios governistas, os que hostilizam na
moita a patuléia cosmopolita e
livre-cambista encarregada de
revender, em consignação, a política econômica fabricada pelo
FMI.
Nunca foi tão escancarado o
controle externo sobre a economia brasileira. Talvez por isso a
recidiva nacionalista venha
dando sinais de virulência. Atacou, por exemplo, o ex-ministro
Luís Carlos Bresser Pereira, até
há pouco um crítico obstinado e
implacável do populismo nacional-desenvolvimentista. Nas páginas do caderno Mais! do último domingo, o ex-ministro
exortou a esquerda brasileira a
abraçar a causa do nacionalismo. Epa! Tenho grande simpatia pessoal pelo professor Bresser
Pereira. Ficaria desolado, como
muitos de seus ex-companheiros
do finado PMDB, se a nova febre
verde-e-amarela viesse a lhe
causar as agruras e padecimentos próprios de uma certa confusão nas idéias.
Seja como for, devemos recebê-lo com a solidariedade que os
pacientes do Sanatório de Davos
concederam a Hans Castorp.
Hoje, Davos é mais conhecida
pelas reuniões anuais da plutocracia internacionalista. Na
Montanha Mágica, a de Thomas Mann, lá chegavam apenas
os que pretendiam se recuperar
dos males adquiridos nas planícies inquietas da vida burguesa.
Encaminhadas as preliminares, vamos ao que interessa.
(Antes devo pedir licença ao leitor para reproduzir argumentos
já exarados em outra ocasião,
dado o escasso repertório de originalidade à minha disposição).
Sociólogos, economistas e demais pensadores do tucanato
moveram uma guerra implacável contra o ideário que pregava
"o desenvolvimento nacional
promovido pelo Estado" (sic).
Inauguradas, dizem, por Getúlio Vargas, tais idéias e políticas
comandaram o Brasil por mais
de 50 anos.
Essa aventura "estúpida" liberou o Brasil e os brasileiros da
dependência da exportação de
café e de outros produtos agrícolas menos votados (além do bicho-do-pé, da febre amarela e
da hemoptise), forjando a mais
importante economia urbana e
industrial do chamado Terceiro
Mundo. Não conseguiu livrá-lo,
infelizmente, do aventureirismo
crônico das suas classes dominantes e adjacências.
As políticas "inteligentes" de
FHC prometiam tirar o país do
atraso e aproximar o padrão de
vida dos brasileiros daqueles gozados pelos povos do Primeiro
Mundo. Isso seria feito mediante
a abertura da economia, a liberalização financeira, o recuo do
Estado, as privatizações, a flexibilização do mercado de trabalho e a reforma da Previdência.
Depois de cinco anos, os resultados não foram brilhantes.
Primeiro, ampliaram-se os
constrangimentos que atuam do
"lado da demanda": ao contrário do que apregoa o presidente
do Banco Central, Armínio Fraga, a dependência do humores
dos mercados financeiros é constitutiva da forma de inserção internacional adotada pelo Brasil.
Neste momento, o temor de assustar os possuidores de riqueza
líquida -nacionais e estrangeiros- vem bloqueando a adoção
de uma política monetária capaz de prover crédito em volume
e em condições decentes para a
indústria e a agricultura, de induzir o investimento privado ou
estimular as exportações.
Segundo, são mais duros os
constrangimentos originados no
setor externo: projeções realistas
mostram que o balanço de pagamentos não vai aguentar por
muito tempo taxas de crescimento mais elevadas. A remessa
de lucros e dividendos, a despesa
com juros e a maior elasticidade
das importações (em boa medida decorrente da preferência das
multinacionais pelas compras
em seus mercados de origem)
devem impor limites mais estritos à expansão da economia.
Terceiro, tornaram-se dramáticas as dificuldades do "lado da
oferta": alguns "nacionalistas"
do governo estão começando a
perceber que as privatizações, a
perda do controle nacional sobre as empresas e bancos, desarticularam os mecanismos de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira. O setor produtivo estatal
-num país periférico e de industrialização tardia- funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor privado. O investimento público corria na frente da demanda corrente, as empresas do governo ofereciam insumos generalizados em condições e preços
adequados, e começavam a se
constituir -ainda de forma incipiente- em centros de inovação tecnológica. Depois da privatização e da desnacionalização as grandes empresas "exportaram" os seus departamentos
de P&D, os escritórios de engenharia reduziram dramaticamente seus quadros e iniciativas
importantes, como o Centro de
Pesquisas da Telebrás, foram
praticamente desativadas. É o
progresso.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
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