São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Carga tributária: 44% do PIB

MARCOS CINTRA

Entender a confusa legislação tributária no Brasil é tarefa difícil até para os mais experientes tributaristas. Para o contribuinte é um fator de risco considerável, já que qualquer falha de interpretação pode significar indício de fraude para o fisco, expondo-o a severas punições.
A tragicomédia tributária no Brasil teve mais um ato encenado na última semana. Foi noticiado que nem técnicos e fiscais da Secretaria da Receita Federal conseguem entender um tributo que nos últimos anos se tornou emblemático da esculhambação tributária que reina no país. Trata-se da Cofins, que virou uma colcha de retalhos após as inúmeras alterações a que foi submetida. A confusão é tanta que a Receita resolveu organizar cursos de treinamento para informar seus quadros de fiscalização, já que não estão conseguindo destrinchar a complexidade da legislação aplicável àquele tributo.
A burocracia tributária no Brasil é uma praga cada vez mais resistente. A produção de normas não cessa e torna a vida do contribuinte um inferno. Isso fica evidente em um levantamento do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) mostrando que desde a promulgação da Constituição, em 1988, até 2004 foram editadas quase 220 mil normas tributárias no país. Isso equivale a 55 novas regras por dia útil. É uma proliferação insana de leis, decretos, medidas provisórias, emendas, normas complementares, entre outros instrumentos jurídicos, que acabam impondo pesados custos aos contribuintes, sobretudo para as empresas. Se já não bastasse a opressão fiscal que extrai quase 40% da renda do setor produtivo, há ainda uma série de gastos adicionais para atender às imposições acessórias do fisco. Há estimativas de que esses "custos de conformidade", como a literatura especializada vem chamando esses encargos impostos aos contribuintes, possam chegar a 0,75% do PIB (tomando por base pesquisas feitas com a média das empresas abertas brasileiras). Mas podem atingir o equivalente a 5,82% do PIB, tomando por base o custo de conformidade das companhias abertas com receita bruta anual de até R$ 100 milhões, classe que inclui a ampla maioria das empresas brasileiras.
A absurda complexidade e o alto custo dos impostos estão entre os principais entraves ao desenvolvimento. Infelizmente, o tema não é debatido, como deveria, principalmente em ano eleitoral, quando posições claras deveriam ser assumidas pelos candidatos.
O governo detectou a inquietação do contribuinte e vem implementando medidas pontuais que desoneram alguns setores produtivos e estratos de renda. Vale citar que as medidas são positivas em termos do alívio que proporciona ao contribuinte, porém são paliativas e não vão fundo na busca de solução para problemas tributários crônicos, tais como a evasão, a sonegação, a economia informal, a iniqüidade e a complexidade do sistema.
A estrutura tributária como um todo é ruim, mas há tributos que são símbolos do caos que prevalece no país. O PIS e a Cofins são contribuições cuja proliferação de normas e procedimentos regulatórios tem sido calamitosa desde quando os críticos da cumulatividade impuseram a tese de que a solução seria cobrá-las sobre o valor agregado. Com isso a alíquota de ambas mais que dobrou, e o peso das duas contribuições na arrecadação tem sido maior.
A mudança na sistemática de cobrança das duas contribuições pode ser classificada como um dos casos mais patéticos da história tributária do país. Setores que reivindicavam a forma não-cumulativa mudaram de idéia poucos meses depois de sua implementação e pediram para voltar ao sistema anterior, cumulativo, sendo atendidos. Passou a vigorar um sistema híbrido, como, aliás, ocorre com outros tributos tidos como não-cumulativos. Foi criado um monstro disforme, e o presidente Lula chegou a dizer que a não-cumulatividade foi um erro.
Nem os profissionais da Receita Federal entendem a Cofins. Desde que foi alterada sua forma de cobrança por meio da lei 10.833/03, o que se viu foi uma quantidade absurda de alterações legislativas. Em seu primeiro ano, o número de leis, medidas provisórias, decretos, instruções normativas, normas de execução, atos declaratórios e interpretativos e portarias tratando da Cofins chegaram a quase 90. Durante 2005 e o início deste ano, foram mais 57 mudanças. Ou seja, em apenas dois anos, foram quase 150 alterações.
A balbúrdia criada pelas mudanças no PIS/Cofins teve só um ganhador: o governo federal, que segue arrecadando como nunca.
Em 2002, quando ambos os tributos eram cumulativos, eles representaram 26,8% da arrecadação federal. Em 2003, primeiro ano do PIS não-cumulativo, a participação deles saltou para 28% e em 2005 ultrapassou 30%.
A CNI criticou recentemente as freqüentes mudanças na legislação do PIS/Cofins e defende a revisão de suas alíquotas. E assim, de regra em regra, geram-se mudanças pontuais que contribuem para criar situações hilariantes, como a dificuldade dos próprios fiscais em entender a Cofins.
Nessa batida burocrática e de opressão fiscal, o recolhimento de impostos em 2005 bateu em 38%, que, somado aos 5,82% exigidos das empresas como desembolso para que elas cumpram a lei, revela que, a rigor, a carga tributária brasileira é de 44%.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 59, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal (1999-2003). Atualmente é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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