São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BORIS TABACOF

Proteção e distração

O Brasil não está ameaçado por recaída inflacionária, mas sim por políticas econômicas restritivas

O ESCRITOR e economista francês Jacques Attali publicou recentemente um livro em que faz um novo exercício de futurologia. Afirma que nos próximos 50 anos o mundo será dominado por duas indústrias: a da segurança e a do divertimento. "Todas as empresas, todas as nações se organizarão em torno dessas duas exigências: proteger e distrair. Proteger-se e distrair-se dos medos do mundo."
A profecia sobre a insegurança materializou-se cedo. Milhões de pessoas estão com medo de perder seus patrimônios e empregos. O megainvestidor George Soros fala na pior crise financeira em 60 anos.
Mas os dispositivos de segurança ainda não foram devidamente construídos.
O capitalismo brasileiro enfrenta a crise global num momento histórico importante: a transição de um sistema de negócios patrimonialista para uma economia empresarial expressa em valores de mercado. É um processo de despersonalização do capital. O empresário não diz mais "minha fábrica", mas busca multiplicar o valor do seu ativo pelo preço que o mercado paga por ele. A impressionante corrida ao mercado de capitais, especialmente nas bolsas, que está ocorrendo no Brasil, é um processo cuja amplitude ainda está por avaliar.
Aí está a séria interrogação sobre os efeitos da crise global: esse processo de capitalização insubstituível para os investimentos que são o motor do desenvolvimento sustentado será afetado, e até que ponto, pela derrubada dos patrimônios financeiros?
Certamente uma boa parte dessa capitalização via mercado veio de investidores externos, que em vários IPOs subscreveram mais de 70% das emissões. Há sinais, ainda incertos, de uma incipiente fuga desses capitais externos.
Devido aos desajustes cambiais do país, que reduzem a capacidade de gerar superávits da balança comercial, o crescimento é cada vez mais liderado pelo mercado doméstico. O nosso imenso mercado interno moveu-se positivamente pela redução do custo do dinheiro e oferta de crédito. É o circulo virtuoso: mais consumo, mais investimento, mais emprego, mais poupança. Assim é altamente preocupante o ruído que vem de Brasília de que a crise global se enfrenta com políticas de aperto, com juros altos, carga tributária sufocante e fatalismo cambial.
O Brasil não está ameaçado por recaída inflacionária, mas sim por políticas econômicas restritivas. Seria o oposto do que se está fazendo mundo afora. Se pode haver recuo na demanda externa, é o prosseguimento do estímulo ao mercado interno que será o ímã dos investimentos.
A enorme liquidez global certamente não vai continuar. Em vez da maré montante, quando todos os barcos sobem, o mundo vai entrar num processo de maré vazante. É a hora da verdade, na qual discussões ideológicas entre desenvolvimentistas e ortodoxos tornam-se supérfluas.
A concepção de que a "livre" flutuação dos mercados é o mecanismo que se auto-regula está sendo posta à prova. Mesmo os economistas e políticos mais liberais começam a duvidar desse postulado e admitem a necessidade de novos meios mais fortes de intervenção no mercado financeiro. O Estado não vacila em intervir na hora em que os interesses nacionais demandam proteção, estímulos e controles.
Ainda é prematuro afirmar que os emergentes, como nós, estamos descolados da crise global. O que ocorre é o acirramento da disputa mundial por mercados e por recursos, que é também por empregos, o que exige o aprofundamento de uma discussão nacional sobre as políticas a adotar no caso de a crise bater na nossa porta. Ou será que a outra força profetizada por Attali, a do divertimento, será suficiente para os brasileiros?


BORIS TABACOF, empresário, é vice presidente do Conselho de Administração da Suzano e do Conselho Superior de Economia da Fiesp.

Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


Texto Anterior: Homens, minoria entre os desempregados, passam menos tempo em busca de trabalho
Próximo Texto: BC mantém taxa de juros em 11,25%
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.