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BORIS TABACOF
Proteção e distração
O Brasil não está ameaçado por recaída inflacionária,
mas sim por políticas econômicas restritivas
O ESCRITOR e economista francês Jacques Attali publicou
recentemente um livro em
que faz um novo exercício de futurologia. Afirma que nos próximos 50
anos o mundo será dominado por
duas indústrias: a da segurança e a do
divertimento. "Todas as empresas,
todas as nações se organizarão em
torno dessas duas exigências: proteger e distrair. Proteger-se e distrair-se dos medos do mundo."
A profecia sobre a insegurança
materializou-se cedo. Milhões de
pessoas estão com medo de perder
seus patrimônios e empregos. O megainvestidor George Soros fala na
pior crise financeira em 60 anos.
Mas os dispositivos de segurança
ainda não foram devidamente construídos.
O capitalismo brasileiro enfrenta a
crise global num momento histórico
importante: a transição de um sistema de negócios patrimonialista para
uma economia empresarial expressa
em valores de mercado. É um processo de despersonalização do capital. O empresário não diz mais "minha fábrica", mas busca multiplicar o
valor do seu ativo pelo preço que o
mercado paga por ele. A impressionante corrida ao mercado de capitais, especialmente nas bolsas, que
está ocorrendo no Brasil, é um processo cuja amplitude ainda está por
avaliar.
Aí está a séria interrogação sobre
os efeitos da crise global: esse processo de capitalização insubstituível para os investimentos que são o motor
do desenvolvimento sustentado será
afetado, e até que ponto, pela derrubada dos patrimônios financeiros?
Certamente uma boa parte dessa
capitalização via mercado veio de investidores externos, que em vários
IPOs subscreveram mais de 70% das
emissões. Há sinais, ainda incertos,
de uma incipiente fuga desses capitais externos.
Devido aos desajustes cambiais do
país, que reduzem a capacidade de
gerar superávits da balança comercial, o crescimento é cada vez mais liderado pelo mercado doméstico. O
nosso imenso mercado interno moveu-se positivamente pela redução
do custo do dinheiro e oferta de crédito. É o circulo virtuoso: mais consumo, mais investimento, mais emprego, mais poupança. Assim é altamente preocupante o ruído que vem
de Brasília de que a crise global se enfrenta com políticas de aperto, com
juros altos, carga tributária sufocante e fatalismo cambial.
O Brasil não está ameaçado por recaída inflacionária, mas sim por políticas econômicas restritivas. Seria o
oposto do que se está fazendo mundo afora. Se pode haver recuo na demanda externa, é o prosseguimento
do estímulo ao mercado interno que
será o ímã dos investimentos.
A enorme liquidez global certamente não vai continuar. Em vez da
maré montante, quando todos os
barcos sobem, o mundo vai entrar
num processo de maré vazante. É a
hora da verdade, na qual discussões
ideológicas entre desenvolvimentistas e ortodoxos tornam-se supérfluas.
A concepção de que a "livre" flutuação dos mercados é o mecanismo
que se auto-regula está sendo posta
à prova. Mesmo os economistas e
políticos mais liberais começam a
duvidar desse postulado e admitem
a necessidade de novos meios mais
fortes de intervenção no mercado financeiro. O Estado não vacila em intervir na hora em que os interesses
nacionais demandam proteção, estímulos e controles.
Ainda é prematuro afirmar que os
emergentes, como nós, estamos
descolados da crise global. O que
ocorre é o acirramento da disputa
mundial por mercados e por recursos, que é também por empregos, o
que exige o aprofundamento de uma
discussão nacional sobre as políticas
a adotar no caso de a crise bater na
nossa porta. Ou será que a outra força profetizada por Attali, a do divertimento, será suficiente para os brasileiros?
BORIS TABACOF, empresário, é vice presidente do Conselho de Administração da Suzano e do Conselho Superior de
Economia da Fiesp.
Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.
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