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OPINIÃO ECONÔMICA
Apenas no papel
BENJAMIN STEINBRUCH
Roberto campos era um
grande articulista, que sempre começava seus textos com
uma epígrafe. Conta-se que, certas vezes, quando não encontrava
nenhum pensamento que lhe
agradasse sobre o tema do artigo,
inventava uma citação -fazia
isso com maestria- e a atribuía
a uma personalidade já morta.
Espero não estar fazendo o mesmo com Roberto Campos. Pelo
que li, é dele a frase: "A melhor
política industrial é não ter política industrial nenhuma".
Alguns atribuem essa frase ao
ex-ministro da Fazenda Pedro
Malan. Na verdade, ela pode ter
sido dita por qualquer um dos
dois ou por ambos. Ela reflete um
pensamento dominante na década de 1990, forjado pelo Consenso
de Washington, que pregava a redução da participação do Estado
na economia e a liberalização dos
mercados. Nesse contexto, não
haveria nenhum sentido em promover políticas industriais para
estimular um ou outro setor. Caberia ao governo apenas regular e
vigiar o funcionamento do mercado e estimular a concorrência,
deixando que as próprias forças
do mercado promovessem o desenvolvimento industrial.
Na semana passada, o governo
federal anunciou a sua política
industrial, com 57 medidas para
estimular o desenvolvimento de
quatro setores: bens de capital,
software, semicondutores e fármacos. O simples anúncio, a despeito de críticas sobre o seu conteúdo, já foi um avanço. Representa, finalmente, o abandono da
doutrina radical não-intervencionista dos anos 1990 e o reconhecimento do óbvio: qualquer
país precisa de políticas de desenvolvimento, principalmente
aqueles que não são desenvolvidos.
A teoria do Consenso de Washington era boa para países desenvolvidos. Depois de industrializados, eles obviamente podem
deixar de ter política industrial.
Mesmo assim, mantêm políticas
de proteção e estímulo a setores
específicos. Vide o apoio americano à indústria do aço.
A política industrial, portanto, é
bem-vinda, ainda que, pelo que
foi anunciado, seja uma obra incompleta. Até agora, o governo
divulgou praticamente só a parte
do crédito. Deixou para estudar
melhor as isenções tributárias por
temer efeitos na arrecadação federal. Seria útil que esse estudo
fosse feito sem preconceitos, valendo-se da experiência de outros
países. Na Índia, por exemplo, o
sucesso da indústria de software
tem tudo a ver com a redução da
carga tributária: todas as empresas do setor estão isentas de Imposto de Renda até 2010.
O plano divulgado previu que
vão ser destinados R$ 15 bilhões
aos quatro setores em 2004, com
custos que variam hoje de 10,75%
a 14,75% ao ano, dependendo do
tamanho e da nacionalidade da
empresa. É muito importante saber se os créditos efetivamente
chegarão aos tomadores. Dentro
ou fora de políticas industriais,
não há como promover crescimento nenhum sem crédito amplo e barato.
As estatísticas sobre o crédito no
Brasil são vergonhosas. O volume
atual dos empréstimos ao setor
privado representa cerca de 25%
do PIB -no início do Plano Real,
em 1994, representava 35%. Para
ter uma idéia da pobreza dessa
oferta de financiamento, basta citar que a relação crédito/PIB é de
140% nos EUA, 120% em média
nos países do G7, 120% na Alemanha e 100% na Coréia do Sul.
Além de escasso, o crédito é absurdamente caro. O desconto de
uma promissória custava em média 54% ao ano em fevereiro, o financiamento de capital de giro,
38%, e o de aquisição de bens,
28%. Não há como crescer com
juros dessa magnitude.
O governo optou por uma política industrial light. Escolheu para incentivar basicamente setores
que chamou de transversais, porque se ligam à inovação tecnológica e, por isso, afetam diretamente o desenvolvimento de
qualquer empresa industrial ou
não. Nenhum dos setores contemplados é grande absorvedor de
mão-de-obra, o que leva a crer
que o efeito sobre o emprego somente se dará em longo prazo.
Dessa forma, o apoio creditício específico a setores como construção civil, agrobusiness, calçados,
têxtil, alimentos, turismo e outros
grandes geradores de emprego
também deveria ser considerado.
O crédito habitacional, por exemplo, praticamente desapareceu no
país. Representava 8% do PIB em
1995 e hoje representa apenas
1,6%.
Pelo trabalho de definição da
política industrial e também pelo
extraordinário impulso das exportações, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, está sendo elevado a estrela
de primeira grandeza no governo
Lula. É bom que o prestígio e a influência dele aumentem, porque
uma de suas tarefas, daqui para a
frente, será impedir que a política
econômica restritiva geral atrapalhe a execução prática das medidas de apoio à indústria, pela
contenção fiscal e pela política de
juros do Banco Central.
Serão criados um Conselho e
uma Agência de Desenvolvimento Industrial. Esses órgãos, responsáveis pela fixação de diretrizes e execução da nova política,
precisam ter poderes de fato. Sem
isso, tudo pode ficar apenas no
papel.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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