São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Apenas no papel

BENJAMIN STEINBRUCH

Roberto campos era um grande articulista, que sempre começava seus textos com uma epígrafe. Conta-se que, certas vezes, quando não encontrava nenhum pensamento que lhe agradasse sobre o tema do artigo, inventava uma citação -fazia isso com maestria- e a atribuía a uma personalidade já morta. Espero não estar fazendo o mesmo com Roberto Campos. Pelo que li, é dele a frase: "A melhor política industrial é não ter política industrial nenhuma".
Alguns atribuem essa frase ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Na verdade, ela pode ter sido dita por qualquer um dos dois ou por ambos. Ela reflete um pensamento dominante na década de 1990, forjado pelo Consenso de Washington, que pregava a redução da participação do Estado na economia e a liberalização dos mercados. Nesse contexto, não haveria nenhum sentido em promover políticas industriais para estimular um ou outro setor. Caberia ao governo apenas regular e vigiar o funcionamento do mercado e estimular a concorrência, deixando que as próprias forças do mercado promovessem o desenvolvimento industrial.
Na semana passada, o governo federal anunciou a sua política industrial, com 57 medidas para estimular o desenvolvimento de quatro setores: bens de capital, software, semicondutores e fármacos. O simples anúncio, a despeito de críticas sobre o seu conteúdo, já foi um avanço. Representa, finalmente, o abandono da doutrina radical não-intervencionista dos anos 1990 e o reconhecimento do óbvio: qualquer país precisa de políticas de desenvolvimento, principalmente aqueles que não são desenvolvidos.
A teoria do Consenso de Washington era boa para países desenvolvidos. Depois de industrializados, eles obviamente podem deixar de ter política industrial. Mesmo assim, mantêm políticas de proteção e estímulo a setores específicos. Vide o apoio americano à indústria do aço.
A política industrial, portanto, é bem-vinda, ainda que, pelo que foi anunciado, seja uma obra incompleta. Até agora, o governo divulgou praticamente só a parte do crédito. Deixou para estudar melhor as isenções tributárias por temer efeitos na arrecadação federal. Seria útil que esse estudo fosse feito sem preconceitos, valendo-se da experiência de outros países. Na Índia, por exemplo, o sucesso da indústria de software tem tudo a ver com a redução da carga tributária: todas as empresas do setor estão isentas de Imposto de Renda até 2010.
O plano divulgado previu que vão ser destinados R$ 15 bilhões aos quatro setores em 2004, com custos que variam hoje de 10,75% a 14,75% ao ano, dependendo do tamanho e da nacionalidade da empresa. É muito importante saber se os créditos efetivamente chegarão aos tomadores. Dentro ou fora de políticas industriais, não há como promover crescimento nenhum sem crédito amplo e barato.
As estatísticas sobre o crédito no Brasil são vergonhosas. O volume atual dos empréstimos ao setor privado representa cerca de 25% do PIB -no início do Plano Real, em 1994, representava 35%. Para ter uma idéia da pobreza dessa oferta de financiamento, basta citar que a relação crédito/PIB é de 140% nos EUA, 120% em média nos países do G7, 120% na Alemanha e 100% na Coréia do Sul. Além de escasso, o crédito é absurdamente caro. O desconto de uma promissória custava em média 54% ao ano em fevereiro, o financiamento de capital de giro, 38%, e o de aquisição de bens, 28%. Não há como crescer com juros dessa magnitude.
O governo optou por uma política industrial light. Escolheu para incentivar basicamente setores que chamou de transversais, porque se ligam à inovação tecnológica e, por isso, afetam diretamente o desenvolvimento de qualquer empresa industrial ou não. Nenhum dos setores contemplados é grande absorvedor de mão-de-obra, o que leva a crer que o efeito sobre o emprego somente se dará em longo prazo. Dessa forma, o apoio creditício específico a setores como construção civil, agrobusiness, calçados, têxtil, alimentos, turismo e outros grandes geradores de emprego também deveria ser considerado. O crédito habitacional, por exemplo, praticamente desapareceu no país. Representava 8% do PIB em 1995 e hoje representa apenas 1,6%.
Pelo trabalho de definição da política industrial e também pelo extraordinário impulso das exportações, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, está sendo elevado a estrela de primeira grandeza no governo Lula. É bom que o prestígio e a influência dele aumentem, porque uma de suas tarefas, daqui para a frente, será impedir que a política econômica restritiva geral atrapalhe a execução prática das medidas de apoio à indústria, pela contenção fiscal e pela política de juros do Banco Central.
Serão criados um Conselho e uma Agência de Desenvolvimento Industrial. Esses órgãos, responsáveis pela fixação de diretrizes e execução da nova política, precisam ter poderes de fato. Sem isso, tudo pode ficar apenas no papel.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br



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