São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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AGROFOLHA

PROTECIONISMO

Brasil contesta ajuda indiscriminada aos produtores; decisão deve sair amanhã, mas poderá ser adiada

OMC pode vetar subsídio dos EUA ao algodão

DA REDAÇÃO

Os Estados Unidos podem sofrer nesta semana o maior revés da história em seus subsídios agrícolas. Pelo menos é o que esperam os brasileiros, que, em 2002, entraram com reclamação na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a farta distribuição de subsídios para os produtores e exportadores norte-americanos de algodão.
Outras duas dezenas de países, principalmente da África, acompanham atentamente e têm grande interesse em um desfecho favorável ao Brasil na disputa. A decisão, que é esperada para amanhã, poderá ser adiada devido ao grande volume de documentos para serem analisados e à jurisprudência que poderá trazer para os subsídios agrícolas.
Pedro de Camargo Neto, idealizador desse contencioso quando ainda pertencia ao governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, diz que "essa decisão pode mudar a história dos subsídios agrícolas nos Estados Unidos".
Para explicar a origem das reclamações brasileiras, Camargo Neto volta à Rodada Uruguai. O Acordo Sobre Agricultura firmado na época nessas negociações, que terminaram em 1994, autorizava formalmente elevados subsídios. A Cláusula da Paz, no entanto, limitava os subsídios, por produto, ao valor distribuído em 1992. E os Estados Unidos ultrapassaram esse limite.
Ao subsidiar o algodão acima das determinações da chamada Cláusula da Paz, os Estados Unidos abriram a possibilidade de contestação de toda a sua política agrícola para esse produto, diz Camargo Neto.
Perdendo a proteção da Cláusula da Paz, os EUA abriram a possibilidade de contestação da política agrícola como se fosse qualquer produto industrial, diz ele.

Alijados do mercado
O Brasil contesta que os EUA tinham o direito de subsidiar até US$ 2,1 bilhões -o limite de 1992. Mas gastaram de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões por ano de 1999 a 2002, num total de US$ 12 bilhões.
A política de subsídio ao algodão promovida pelos norte-americanos vem tirando do mercado vários produtores mundiais. Alguns deles têm no algodão o principal produto da balança comercial, como é o caso de Benin, na África Ocidental. O algodão representa 71% das exportações do país e é responsável por 5,6% do PIB (Produto Interno Bruto).
De exportador, o Brasil passou a importador líquido do produto. Só nos últimos anos começou a se recuperar, devido ao câmbio favorável às exportações.
Com os subsídios, repassados tanto para produtores como para indústrias, os Estados Unidos derrubaram os preços internacionais do algodão, retirando do mercado outros produtores. Com isso, os norte-americanos aumentaram a produção interna e ganharam maior participação no mercado mundial.
Dados do Usda (Departamento de Agricultura dos EUA) mostram que as exportações norte-americanas subiram 35% da safra 1998/99 para a de 2003/4. A participação dos EUA no mercado externo subiu de 17% para 42%.
Um dado bastante elucidativo é a substituição do Paraguai pelos EUA na liderança de fornecimento de algodão para o Brasil neste ano, diz Camargo Neto.

Metade vem do Tesouro
O contencioso vai mostrar que pelo menos 50% das receitas dos produtores norte-americanos vêm do Tesouro dos EUA, via subsídios. Os preços de mercado para esses produtores, portanto, são secundários. Eles foram pouco afetados pela queda de US$ 0,70 por libra-peso na safra 1997/ 98 para um patamar inferior a US$ 0,40 em 2001.
As discussões sobre os malefícios desses subsídios não se limitam a brasileiros e a africanos, mas já começam a atingir os próprios Estados Unidos. Alguns senadores de Estados não-produtores de algodão colocam em xeque a necessidade, por exemplo, de dar dinheiro a grandes companhias para que comprem algodão produzido internamente.
Uma delas, e que atua no Brasil, recebeu US$ 87 milhões nos últimos sete anos. Os subsídios ao algodão nos Estados Unidos são grandes em relação ao total da cultura, mas aparecem pouco no orçamento geral da agricultura. Por isso, passam despercebidos. Alguns produtores norte-americanos chegam a receber US$ 6 milhões por ano. Na safra 2001/2, os produtores de algodão recebiam US$ 240 por acre; os de soja, US$ 50, e os de trigo, US$ 25.

Bem calçados
Hélio Tollini, diretor-executivo da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), diz que "o setor tem grandes esperanças na decisão do Comitê de Arbitragem da OMC".
Foi contratado um escritório nos Estados Unidos que fez análises econométricas dos subsídios com rigor acadêmico. Participam, ainda, desse escritório, especialistas em política agrícola dos EUA, o que tornou o embasamento ainda mais forte.
"É uma causa complexa e vai exigir muito cuidado da OMC", diz Tollini. Por isso, a previsão de chegar a uma decisão amanhã, como se previa, pode não ocorrer. Só da parte brasileira foram geradas 5.000 páginas de documentos, diz o executivo da Abrapa. O documento final deverá ter 700 páginas.
A OMC deverá comunicar a decisão às duas partes, mas ambas devem manter sigilo sobre ela. Isso porque ainda poderão ser feitas correções em dados colocados erroneamente na decisão. "Nunca houve uma mudança de decisão final", no entanto, diz Tollini.
Washington, que dificultou ao máximo a obtenção de dados sobre os subsídios, diz que, independentemente desse resultado, os temas relacionados aos subsídios agrícolas precisam passar por negociações na rodada da OMC, um claro sinal de que vai recorrer de uma decisão desfavorável.
"Em caso de vitória brasileira, o país terá direito de retaliar os norte-americanos pelos prejuízos", diz Camargo Neto, para quem isso, contudo, é muito difícil. "O importante é desmontar esse esquema de subsídios", afirma ele.
O contencioso deverá mostrar que o Brasil teve prejuízos de US$ 450 milhões por ano, considerando a queda de área, produção menor e efeitos sobre a arrecadação de impostos. (MAURO ZAFALON)


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