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AGROFOLHA
PROTECIONISMO
Brasil contesta ajuda indiscriminada aos produtores; decisão deve sair amanhã, mas poderá ser adiada
OMC pode vetar subsídio dos EUA ao algodão
DA REDAÇÃO
Os Estados Unidos podem sofrer nesta semana o maior revés
da história em seus subsídios
agrícolas. Pelo menos é o que esperam os brasileiros, que, em
2002, entraram com reclamação
na OMC (Organização Mundial
do Comércio) contra a farta distribuição de subsídios para os
produtores e exportadores norte-americanos de algodão.
Outras duas dezenas de países,
principalmente da África, acompanham atentamente e têm grande interesse em um desfecho favorável ao Brasil na disputa. A decisão, que é esperada para amanhã, poderá ser adiada devido ao
grande volume de documentos
para serem analisados e à jurisprudência que poderá trazer para
os subsídios agrícolas.
Pedro de Camargo Neto, idealizador desse contencioso quando
ainda pertencia ao governo Fernando Henrique Cardoso, em
2002, diz que "essa decisão pode
mudar a história dos subsídios
agrícolas nos Estados Unidos".
Para explicar a origem das reclamações brasileiras, Camargo Neto volta à Rodada Uruguai. O
Acordo Sobre Agricultura firmado na época nessas negociações,
que terminaram em 1994, autorizava formalmente elevados subsídios. A Cláusula da Paz, no entanto, limitava os subsídios, por produto, ao valor distribuído em
1992. E os Estados Unidos ultrapassaram esse limite.
Ao subsidiar o algodão acima
das determinações da chamada
Cláusula da Paz, os Estados Unidos abriram a possibilidade de
contestação de toda a sua política
agrícola para esse produto, diz
Camargo Neto.
Perdendo a proteção da Cláusula da Paz, os EUA abriram a possibilidade de contestação da política agrícola como se fosse qualquer produto industrial, diz ele.
Alijados do mercado
O Brasil contesta que os EUA tinham o direito de subsidiar até
US$ 2,1 bilhões -o limite de 1992.
Mas gastaram de US$ 3 bilhões a
US$ 4 bilhões por ano de 1999 a
2002, num total de US$ 12 bilhões.
A política de subsídio ao algodão promovida pelos norte-americanos vem tirando do mercado
vários produtores mundiais. Alguns deles têm no algodão o principal produto da balança comercial, como é o caso de Benin, na
África Ocidental. O algodão representa 71% das exportações do
país e é responsável por 5,6% do
PIB (Produto Interno Bruto).
De exportador, o Brasil passou a
importador líquido do produto.
Só nos últimos anos começou a se
recuperar, devido ao câmbio favorável às exportações.
Com os subsídios, repassados
tanto para produtores como para
indústrias, os Estados Unidos
derrubaram os preços internacionais do algodão, retirando do
mercado outros produtores. Com
isso, os norte-americanos aumentaram a produção interna e ganharam maior participação no
mercado mundial.
Dados do Usda (Departamento
de Agricultura dos EUA) mostram que as exportações norte-americanas subiram 35% da safra
1998/99 para a de 2003/4. A participação dos EUA no mercado externo subiu de 17% para 42%.
Um dado bastante elucidativo é
a substituição do Paraguai pelos
EUA na liderança de fornecimento de algodão para o Brasil neste
ano, diz Camargo Neto.
Metade vem do Tesouro
O contencioso vai mostrar que
pelo menos 50% das receitas dos
produtores norte-americanos
vêm do Tesouro dos EUA, via
subsídios. Os preços de mercado
para esses produtores, portanto,
são secundários. Eles foram pouco afetados pela queda de US$
0,70 por libra-peso na safra 1997/
98 para um patamar inferior a
US$ 0,40 em 2001.
As discussões sobre os malefícios desses subsídios não se limitam a brasileiros e a africanos,
mas já começam a atingir os próprios Estados Unidos. Alguns senadores de Estados não-produtores de algodão colocam em xeque
a necessidade, por exemplo, de
dar dinheiro a grandes companhias para que comprem algodão
produzido internamente.
Uma delas, e que atua no Brasil,
recebeu US$ 87 milhões nos últimos sete anos. Os subsídios ao algodão nos Estados Unidos são
grandes em relação ao total da
cultura, mas aparecem pouco no
orçamento geral da agricultura.
Por isso, passam despercebidos.
Alguns produtores norte-americanos chegam a receber US$ 6 milhões por ano. Na safra 2001/2, os
produtores de algodão recebiam
US$ 240 por acre; os de soja, US$
50, e os de trigo, US$ 25.
Bem calçados
Hélio Tollini, diretor-executivo
da Abrapa (Associação Brasileira
dos Produtores de Algodão), diz
que "o setor tem grandes esperanças na decisão do Comitê de Arbitragem da OMC".
Foi contratado um escritório
nos Estados Unidos que fez análises econométricas dos subsídios
com rigor acadêmico. Participam,
ainda, desse escritório, especialistas em política agrícola dos EUA,
o que tornou o embasamento ainda mais forte.
"É uma causa complexa e vai
exigir muito cuidado da OMC",
diz Tollini. Por isso, a previsão de
chegar a uma decisão amanhã,
como se previa, pode não ocorrer.
Só da parte brasileira foram geradas 5.000 páginas de documentos,
diz o executivo da Abrapa. O documento final deverá ter 700 páginas.
A OMC deverá comunicar a decisão às duas partes, mas ambas
devem manter sigilo sobre ela. Isso porque ainda poderão ser feitas
correções em dados colocados erroneamente na decisão. "Nunca
houve uma mudança de decisão
final", no entanto, diz Tollini.
Washington, que dificultou ao
máximo a obtenção de dados sobre os subsídios, diz que, independentemente desse resultado,
os temas relacionados aos subsídios agrícolas precisam passar
por negociações na rodada da
OMC, um claro sinal de que vai
recorrer de uma decisão desfavorável.
"Em caso de vitória brasileira, o
país terá direito de retaliar os norte-americanos pelos prejuízos",
diz Camargo Neto, para quem isso, contudo, é muito difícil. "O
importante é desmontar esse esquema de subsídios", afirma ele.
O contencioso deverá mostrar
que o Brasil teve prejuízos de US$
450 milhões por ano, considerando a queda de área, produção menor e efeitos sobre a arrecadação
de impostos.
(MAURO ZAFALON)
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