São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Recuperar a Varig

GESNER OLIVEIRA

O Brasil não pode se dar ao luxo de destruir empregos, capital, impostos e, sobretudo, marcas de penetração internacional. Muito menos quando se trata de empresa de transporte aéreo que ocupa posição estratégica na distribuição de rotas de interesse para o país.
Como membro do Conselho de Administração da Varig, havia optado até agora por não escrever sobre o tema na coluna. Mas, diante da gravidade da situação e do grau de desinformação de algumas manifestações sobre o assunto, prefiro submeter minha opinião ao leitor.
É absurda a idéia de que o governo não deveria ajudar a Varig sob pretexto de "proteger os recursos públicos" e "dar uma solução de mercado". É exatamente em defesa do interesse público, do dinheiro do contribuinte e do próprio mercado que o governo não pode se omitir. Isso se deve a sete razões.
Em primeiro lugar, a empresa se encontra em regime de recuperação judicial desde junho de 2005. A lógica da nova legislação é propiciar uma oportunidade de reestruturação, permitindo a continuidade de suas atividades em novas bases. A legislação contém incentivos para que os credores e devedores superem os problemas de coordenação e encontrem uma solução viável do ponto de vista econômico. No caso da Varig, o setor público é o maior credor. Os créditos do governo representam cerca de 64% do total da dívida contratada. Portanto, a posição de "deixar quebrar" a empresa é um tiro no pé. Equivale a destruir ativos do setor público.
Em segundo lugar, uma solução para a crise resolveria ao mesmo tempo o acúmulo de obrigações que a companhia detém contra o setor público. Não faz sentido interromper a atividade de uma empresa que detém direitos da ordem de R$ 4,5 bilhões por conta de defasagem tarifária e créditos de ICMS da ordem de R$ 1,3 bilhão.
Em terceiro lugar, ao deixar paralisar uma empresa do porte da Varig, o governo deixa de recolher impostos de cerca de R$ 1,28 bilhão anual referente a serviços prestados a quase 13 milhões de passageiros apenas em 2005.
Em quarto lugar, é errado afirmar que a cadeia de atividades promovida pela Varig seria restabelecida pelas concorrentes. A razão é simples. No plano doméstico, o mercado teria outra estrutura. Seria mais concentrado e, como resultado, haveria menor oferta e maiores preços em prejuízo do consumidor. No plano mundial, o país perderia para empresas estrangeiras a malha de linhas internacionais conquistada a duras penas nas últimas cinco décadas.
Em quinto lugar, o Brasil perderia enorme fonte geradora de divisas em serviços. As vendas de passagens aéreas no exterior representam ingresso anual da ordem de US$ 1,2 bilhão, algo equivalente à exportação de óleo de soja em 2005. Isso sem contar o mecanismo de promoção comercial que uma empresa aérea nacional como a Varig representa.
Em sexto lugar, é errôneo afirmar que os problemas atuais se devem exclusivamente a erros de estratégia empresarial e de gestão. Estes últimos ocorreram. Mas os problemas da empresa também decorrem de uma sucessão de falhas regulatórias e omissões de várias administrações. Isso inclui a incidência indevida de tributos, controle de preços artificiais, distribuição sem critérios de linhas internacionais, ausência de marco regulatório adequado, interferência direta nas decisões empresariais, entre outros problemas. Além disso, em nenhum país sério o Estado deixou de intervir para atenuar os efeitos de choques externos sobre a indústria de aviação civil.
Por fim, uma ação governamental criteriosa neste momento não estaria socorrendo antigos controladores. A atual recuperação judicial já prevê a assembléia de credores como instância de decisão. Uma nova Varig recuperada terá composição e organização societárias distintas, propiciando a continuidade dos empregos e serviços prestados pela companhia.
A recuperação da Varig é possível. Mas isso pressupõe superar a dificuldade de caixa até a constituição dos fundos de investidores previstos no plano de recuperação. Uma ação do BNDES nesse sentido pouparia recursos públicos e seria benéfica ao mercado.


Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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