São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Arreganhos autoritários


A suspeita da venda de decisões judiciais, uma vez provada, tem de ser duramente punida

 "Japona não é toga, soldado não é juiz" Auro Soares de Moura Andrade (Discurso no Senado Federal, 1961, antes da posse de João Goulart)

MAX WEBER , sociólogo preferido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, notava que o sistema social e político do capitalismo estaria submetido a tensões insuportáveis na ausência de uma burocracia pública cujos valores maiores fossem a honra, a dignidade, o status, o sentido de dever para com a comunidade. Weber falava, particularmente, das burocracias envolvidas na prestação jurisdicional e suas prerrogativas de independência funcional, irredutibilidade dos vencimentos, vitaliciedade (que poderia ser suspensa no caso de falta grave) e direito a uma aposentadoria especial.
Essas prerrogativas não concedem um privilégio à pessoa do juiz, mas, sim, pretendem dar ao cidadão a certeza de que será julgado por um magistrado capaz de resistir ao poder da outra parte ou aos arreganhos do Executivo e de suas burocracias autoritárias. Tais cuidados partem do princípio de que os conflitos de interesses entre desiguais na sociedade mas iguais perante a lei são constitutivos da ordem capitalista de mercado e devem ser resolvidos por um intérprete legítimo. Mas hoje em dia, em toda parte, a concorrência entre os grandes do mercado suscita simultaneamente a tentativa sistemática de violação das normas que deveriam reger as relações econômicas no Estado de Direito e a busca de proteção política de seus interesses. A concorrência entre as grandes empresas não só arrasta o Estado para a arena dos negócios como torna violenta a disputa por sua capacidade reguladora e a luta pela captura de recursos fiscais.
Nesse ambiente, prosperam as razões e os impulsos do autoritarismo que pretende sacrificar a legalidade dos meios à legitimidade dos fins. A suspeita da venda de decisões judiciais, uma vez provada, tem de ser duramente punida, sobretudo porque coloca em risco o princípio liberal e democrático fundamental que garante ao cidadão, rico ou pobre, o julgamento fundado na argumentação racional das partes e na livre formação da convicção do juiz ao aplicar a lei ao fato. A inquinação genérica de corrupção do Poder Judiciário escancara as portas para a horda de fascistas que pretendem equiparar as garantias individuais dos ricos e da classe média ao desamparo da maioria pobre, diariamente submetida ao justiçamento praticado pelos esbirros do abuso.
A lei, seus embaraços e delongas processuais estão prestes a ser substituídos pela opinião fulminante, pela desmoralização escachada dos poderes republicanos, executada por procedimentos fora-da-lei dos agentes do poder público, em contubérnio com os promotores de escândalos. Às urtigas com o Estado de Direito, a interdependência dos poderes, as garantias individuais e outras tapeações da democracia. É preciso, portanto, repetir: jaleco não é toga, procurador não é juiz.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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