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LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Arreganhos autoritários
A suspeita da venda de decisões judiciais, uma
vez provada, tem de ser duramente punida
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"Japona não é toga, soldado não é juiz" Auro Soares de Moura Andrade
(Discurso no Senado Federal, 1961,
antes da posse de João Goulart)
MAX WEBER , sociólogo preferido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
notava que o sistema social e político do capitalismo estaria submetido
a tensões insuportáveis na ausência
de uma burocracia pública cujos valores maiores fossem a honra, a dignidade, o status, o sentido de dever para com a comunidade. Weber falava, particularmente, das burocracias envolvidas na prestação jurisdicional e suas prerrogativas de independência funcional, irredutibilidade dos vencimentos, vitaliciedade (que poderia ser suspensa no caso de
falta grave) e direito a uma aposentadoria especial.
Essas prerrogativas não concedem um privilégio à pessoa do juiz,
mas, sim, pretendem dar ao cidadão
a certeza de que será julgado por um
magistrado capaz de resistir ao poder da outra parte ou aos arreganhos
do Executivo e de suas burocracias
autoritárias. Tais cuidados partem
do princípio de que os conflitos de
interesses entre desiguais na sociedade mas iguais perante a lei são
constitutivos da ordem capitalista
de mercado e devem ser resolvidos
por um intérprete legítimo. Mas hoje em dia, em toda parte, a concorrência entre os grandes do mercado
suscita simultaneamente a tentativa
sistemática de violação das normas
que deveriam reger as relações econômicas no Estado de Direito e a
busca de proteção política de seus
interesses. A concorrência entre as
grandes empresas não só arrasta o
Estado para a arena dos negócios como torna violenta a disputa por sua
capacidade reguladora e a luta pela
captura de recursos fiscais.
Nesse ambiente, prosperam as razões e os impulsos do autoritarismo
que pretende sacrificar a legalidade
dos meios à legitimidade dos fins. A
suspeita da venda de decisões judiciais, uma vez provada, tem de ser
duramente punida, sobretudo porque coloca em risco o princípio liberal e democrático fundamental que
garante ao cidadão, rico ou pobre, o
julgamento fundado na argumentação racional das partes e na livre formação da convicção do juiz ao aplicar a lei ao fato. A inquinação genérica de corrupção do Poder Judiciário
escancara as portas para a horda de
fascistas que pretendem equiparar
as garantias individuais dos ricos e
da classe média ao desamparo da
maioria pobre, diariamente submetida ao justiçamento praticado pelos
esbirros do abuso.
A lei, seus embaraços e delongas
processuais estão prestes a ser substituídos pela opinião fulminante,
pela desmoralização escachada dos
poderes republicanos, executada
por procedimentos fora-da-lei dos
agentes do poder público, em contubérnio com os promotores de escândalos. Às urtigas com o Estado de Direito, a interdependência dos poderes, as garantias individuais e outras
tapeações da democracia. É preciso,
portanto, repetir: jaleco não é toga,
procurador não é juiz.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo
Quércia).
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