São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil é alvo de ricos em pacto antipirataria

Tratado é negociado a portas fechadas por EUA, Japão, União Europeia e outros oito países; China também pode ser afetada

Se o acordo for firmado, afetará a distribuição de remédios genéricos e de conteúdo na internet, com impacto sobre os usuários

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Um acordo sobre propriedade intelectual negociado a portas fechadas por EUA, Japão, União Europeia e outros oito países terá como alvo maior Brasil e China, segundo apurou a Folha. Se selado, afetará de distribuição de remédios genéricos a conteúdo na internet.
O Acta (acordo comercial antipirataria, na sigla em inglês) passa ao largo de instituições multilaterais como a OMC e a Organização Mundial para Propriedade Intelectual (Ompi) e teve seu cronograma de negociações acelerado recentemente para permitir sua assinatura até o fim deste ano.
Caso a meta seja cumprida, segundo um rascunho divulgado na semana passada pela UE e os EUA, mudará radicalmente a distribuição de conteúdo sem licença na rede -infratores perderão o acesso à internet- e afetará o comércio de medicamentos genéricos, facilitando a apreensão de cargas em países de trânsito.
Criará ainda uma dubiedade de fóruns de arbitragem que causa preocupação nas instituições envolvidas. Tanto a OMC como a Ompi confirmaram ter recebido na semana passada pedidos de parlamentares europeus, insatisfeitos com a negociação, para examinar o acordo sob o aspecto institucional.
Mas, excluídas até agora das conversas, nenhuma delas vê espaço para um parecer.
Embora as negociações tenham começado em 2007, os primeiros rascunhos do acordo vieram à luz apenas no mês passado, primeiro sob a forma de um texto vazado, ao qual a Folha teve acesso, depois em uma versão lapidada divulgada pela própria UE ante a pressão.
Apesar de o número de países envolvidos ser restrito (há apenas dois em desenvolvimento, Marrocos e México), analistas e diplomatas ouvidos pela Folha nos EUA, na Europa, no Canadá e no Brasil creem que o Acta logo se tornará uma moeda de troca em futuros tratados.
Sob essa ótica, países que queiram fechar acordos com os EUA e a UE teriam como condição a assinatura do tratado, mesmo que não tenham participado de sua confecção.
"Haverá muita pressão para a adesão ao Acta, especialmente sobre o Brasil, a Índia, a China, a Rússia e, em escala um pouco menor, a África do Sul", disse à Folha por telefone Sean Flynn, que coordena o Programa de Justiça da Informação e Propriedade Intelectual da Escola de Direito de Washington, na American University.
Fora do debate como os demais Brics, Brasília não vê a iniciativa com bons olhos.
"É um acordo plurilateral feito sem a participação dos países em desenvolvimento, com umas poucas exceções", afirma o embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo. "É uma tentativa de impor padrões ao resto do mundo e fere os Trips [o acordo de propriedade intelectual e comércio assinado na OMC em 1994]."
Há riscos mesmo que o país não se una aos signatários. O Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito-Rio alerta que o Acta pode virar instrumento de pressão para alterar a legislação doméstica.

Consenso a favor
Os EUA não escondem que há forte consenso político e empresarial em favor do Acta, em parte devido à expectativa de que o acordo final exportará uma visão mais semelhante às leis americanas do que outras.
"O rascunho foi bem avaliado por Washington, pois aborda as preocupações do país", afirmou Mark Esper, vice-presidente executivo para propriedade intelectual da Câmara de Comércio americana. "Pelo que o [escritório americano para o Comércio] USTrade nos diz, a versão final será coerente com as leis dos EUA e o escopo será parecido com acordos de livre comércio que já temos."


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Análise: Tratado quer tirar poder das Nações Unidas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.