|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Maldição dos recursos naturais
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Estamos vendo a taxa de
câmbio declinar perigosamente todos os dias, impulsionada
pela altíssima taxa de juros real.
Conforme procurei mostrar em
artigo anterior, essa taxa é o preço
macroeconômico mais estratégico
da economia brasileira e deve permanecer sempre relativamente
depreciada para que haja desenvolvimento. Entretanto ela só se
deprecia no Brasil nos momentos
de crise cambial. Fora disso, valoriza-se de forma implacável, seja
porque os juros altos atraem os capitais especulativos, seja porque o
caráter absurdamente oneroso
desses juros impede que o governo
faça o que fazem os países asiáticos quando são invadidos por fluxos de capitais que ameaçam
apreciar seu câmbio: emitem dívida pública interna e, com os recursos, compram e transformam em
reservas as divisas que estão entrando e pressionando o câmbio
para baixo.
Existe, porém, uma razão estrutural para a apreciação artificial
do câmbio no Brasil: a "maldição
dos recursos naturais", também
conhecida na teoria econômica
com o nome de "Dutch disease". O
Brasil não é exportador de petróleo, e, por isso, essa maldição ou
essa doença não tem aqui a gravidade com que se apresenta em
países como a Venezuela ou a
Arábia Saudita. Mas, como possui
recursos naturais abundantes, que
possibilitam a produção agrícola e
agroindústria a custos muito baixos, o problema da maldição dos
recursos naturais não pode ser subestimado.
A "doença holandesa" que atinge um país resulta da apreciação
artificial do câmbio em conseqüência do baixo custo de produtos exportados que utilizam recursos naturais baratos. A diferença
entre o preço em dólares desse produto no mercado internacional
(que é determinado pelos produtores menos eficientes) e o seu custo é uma "renda econômica", ou
seja, um ganho que não tem relação com a produtividade. Se, além
disso, esses produtos forem produzidos de forma moderna e eficiente, como é o caso do agronegócio
no Brasil, a probabilidade de que
a taxa de câmbio seja artificialmente rebaixada, ou seja, valorizada em relação à "taxa de câmbio necessária", é muito grande.
Usarei de um modelo simples
para explicar a maldição. Vamos
imaginar que a taxa de câmbio
necessária de um país em relação
a uma cesta de moedas refletindo
suas exportações seja um índice
100. Por taxa necessária eu entendo aquela taxa de câmbio que torna competitivos, no plano internacional, bens industriais que o
país produz com aproximadamente a mesma eficiência que
seus concorrentes. No caso do Brasil, precisaríamos, por exemplo,
dessa taxa-índice 100 para exportar aviões ou automóveis. Suponhamos, porém, que o país descubra petróleo em grande quantidade. Para exportar petróleo, dadas
as imensas rendas econômicas envolvidas, a taxa de câmbio índice
será, facilmente, 30, e, se o governo
não intervir administrando a taxa
de câmbio ou impondo um imposto elevado sobre o petróleo, com o
aumento das exportações de petróleo ela gradualmente convergirá para 30. Em conseqüência, tudo
o mais que é produzido no país fica inviabilizado. O país se desindustrializa e se torna uma Venezuela.
Se, em vez de petróleo, o país começar a exportar soja, laranja,
madeira, celulose, nos quais as
rendas econômicas não são tão
grandes, a taxa de câmbio índice
que torna sua exportação para os
produtores será, digamos, 70. Novamente, se o governo não tratar
de administrar a taxa de câmbio,
ela gradualmente convergirá para
esse valor. Nesse caso, nem toda a
indústria será sucateada, mas
uma boa parte dela o será.
O neoliberalismo impenitente,
do tipo que hoje administra a economia brasileira, alinhado aos interesses de nossos concorrentes externos, argüirá que não há problema nessa mudança estrutural da
economia do país. Afinal, estaria-se apenas "premiando a eficiência". Na verdade, esse tipo de raciocínio, próprio dos fundamentalistas de mercado, esquece duas
coisas elementares. Primeiro, que,
ao deixar apreciar a moeda, estará-se transferindo a renda econômica do recurso natural para os
consumidores à custa do desenvolvimento econômico do país.
O segundo "esquecimento" é o
de que o desenvolvimento econômico é o aumento da renda por
habitante ou o aumento do valor
agregado por habitante. A produtividade aumenta não apenas em
cada setor mas com a transferência de mão-de-obra para setores
mais nobres, com maior valor
agregado per capita. Nesses termos, ao tendermos a ser meros exportadores de produtos agrícolas e
de matérias-primas, cujo valor
agregado por habitante é muito
menor do que o dos produtos industriais e dos serviços técnico-intensivos, estaremos diminuindo
nossa renda por habitante. Nossos
competidores no Norte, porém, jamais esquecem esse fato elementar
quando formulam suas políticas
econômicas, quando defendem ferozmente sua propriedade intelectual e, principalmente, quando dizem e repetem que devemos nos
esquecer de tudo isso e deixar nossa taxa de câmbio ser regulada pelas sagradas forças do mercado.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e
Tecnologia, é autor de "Democracy and
Public Management Reform" (Oxford
University Press, 2004).
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
bresserpereira@uol.com.br
Texto Anterior: Contexto: PIB de 0,3% lança dúvidas sobre 2005 Próximo Texto: FOLHAINVEST - Investimentos: Multimercados perdem espaço para DI Índice
|