São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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TV paga abre disputa entre grupos de mídia

Projeto na Câmara que estabelece sistema de cotas de canais e de conteúdo nacional causa divergência entre empresas

Relator do projeto, deputado Jorge Bittar (PT-RJ) defende sua proposta ao dizer que ela vai criar ambiente de competição

VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois da guerra travada entre teles e TVs, agora é a vez da batalha envolvendo os grupos de comunicação na votação do projeto que irá definir o futuro da TV paga e da convergência digital no país.
De um lado, a Globo trabalha para derrubar o sistema de cotas de canais e de conteúdo nacional na TV paga tal como está proposto, sob o argumento de que ele vai tornar o serviço mais caro e afetar a qualidade da programação.
Do outro, grupos como Abril, Band e Record, apoiados pelos produtores independentes, defendem as cotas criadas pelo relator do projeto na Câmara, deputado Jorge Bittar (PT-RJ), pronto para ser votado na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação.
Esses grupos alegam que as cotas de canais e conteúdo nacional vão estimular a concorrência na TV paga brasileira, ao criar um mercado mínimo para produtoras que hoje têm dificuldades para conseguir espaço nesse setor.
Traduzindo: está em disputa o negócio de fornecimento de conteúdo nacional para a TV por assinatura, hoje dominado pela Globosat com seus canais esportivos e de notícias.
Concentração que se repete na distribuição do serviço no país: dois grupos controlam quase 80% desse mercado -Net (associação entre a Globo e o mexicano Carlos Slim) e Sky (controlada pelo grupo americano Liberty Media, com participação da Globo).
Com a entrada em peso das teles fixa no setor, a partir das mudanças na legislação atual, a estimativa é que o número de assinantes salte dos pouco mais de 5,3 milhões de hoje para 18 milhões em 2018.
Um mercado que, crescente, tende a atrair parte do bolo publicitário do setor de mídia, estimado hoje em R$ 8 bilhões anuais -90% vão para a TV aberta, concentrado na Globo.
Esse risco de perda de faturamento na TV aberta, por sinal, sempre foi um dos motivos para que as emissoras de televisão se colocassem contra a entrada das teles no mercado de TV por assinatura, algo hoje tido como inevitável.
As TVs costumam citar que o faturamento do setor no Brasil gira na casa dos R$ 10 bilhões anuais, enquanto as teles faturam cerca de R$ 140 bilhões e teriam, assim, um poder econômico muito maior para dominar o mercado no futuro.

Competição
Relator do projeto, o petista Bittar defende sua proposta ao dizer que ela vai "criar um ambiente de competição, estimulando a melhor utilização das redes e permitindo pacotes de TV por assinatura combinados com banda larga e serviços de voz a preços menores do que os atuais".
Até aí, os pesos pesados do setor estão de acordo. A divergência surge nas propostas de Bittar para estimular a produção nacional por meio da criação do sistema de cotas, tanto de canais nacionais como de conteúdo brasileiro. Disputa que acabou gerando um impasse no Congresso, obstruindo a votação do projeto.
As Organizações Globo distribuíram um texto aos deputados da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação em que classificam como "negativo" o capítulo 5º do relatório de Bittar, que "impõe aos distribuidores diversas formas de cotas -de canais, de origens de conteúdo e tipos de programas, entre outras-, afetando a liberdade de oferta de conteúdo, a qualidade da programação, a livre concorrência e aumentando o custo para os assinantes".
Diretor-geral da Globosat, Alberto Pecegueiro diz que não é contra cotas, mas ao formato proposto pelo relator. "Algum nível de cota faz sentido. Só que no relatório há um exagero de cotas", afirma, acrescentando que algumas têm "endereço certo, que é reduzir o espaço da Globosat".
Uma crítica indireta ao modelo de programador brasileiro incentivado previsto pelo deputado Jorge Bittar na definição de cotas, que se encaixa no perfil dos grupos Abril, Band e Record. Pelo projeto do relator, esses programadores teriam, por exemplo, uma garantia de espaço de um terço nos canais nacionais. Esses grupos desejam até aumentar esse espaço.
A Record não concorda com a crítica. "Apoiamos a manutenção do capítulo 5º [da criação das cotas], não queremos sua supressão. Se sua aprovação depender de ajustes na redação, pode haver", afirma Higes Andres Manara, consultora jurídica da empresa.
Na opinião da Record, a Globo não quer a aprovação do projeto por causa da entrada das teles no mercado de TV paga. "A Globo é contra esse projeto. Eles não querem que as teles entrem no mercado, e nós não nos importamos", diz Higes Manara.
Pecegueiro, da Globosat, diz que seu grupo não se opõe à entrada das empresas de telefonia fixa no mercado. "É inevitável que elas entrem, o que precisamos é que haja uma legislação regulando esse mercado, é isso que defendemos."

Espaço
O relator defende seu texto das críticas. "A Globo é um "player" importante nesse mercado, sabemos disso, mas ela precisa abrir espaço para outros", defende o relator do texto, cuja votação deve ficar para este semestre.
Segundo os concorrentes da Globo e da Net, essa demora só beneficia as duas empresas, sugerindo que elas apostam no impasse para crescer ainda mais no setor até que a legislação seja, de fato, alterada.
Dentro do Congresso, o tema divide os parlamentares entre aqueles mais alinhados à Globo e os que são ligados aos outros grupos de comunicação, além dos que defendem mais as teles. Ninguém arrisca uma previsão sobre a votação.


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