São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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Contra "agflação", G8 quer mais estoques

Cúpula dos países ricos vai propor a criação de método de estocagem de grãos para tentar a estabilização de preços

Se líderes concordarem, um grupo de especialistas será criado para discutir detalhes do plano, incluindo cotas para cada país participante

Emilio Morenatti - 29.jun.08/Associated Press
Viúvas afegãs em fila, em Cabul, para receber alimentos distribuídos por grupo de ajuda humanitária; membros do G8 proporão mecanismo de estocagem de grãos visando estabilizar preços

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

Se não há acordo no G8 para uma atuação ambiciosa em relação a um problema de médio prazo, como é a mudança climática, menos ainda se pode esperar algo forte em um tema muito mais urgente -o da disparada dos preços do petróleo e dos alimentos.
Até agora, o passo mais eficaz que os negociadores decidiram levar à consideração dos líderes diz respeito à criação de um mecanismo de estocagem de grãos para tentar estabilizar os preços quando necessário.
Seria, de acordo com o jornal "Asahi Shimbun", um modelo similar ao da Agência Internacional de Energia, pelo qual se faz um estoque de petróleo como "colchão" para crises energéticas. No momento, apenas Japão e Alemanha, entre os países do G8, têm sobra de grãos em estoque, certamente porque foram vítimas da fome na esteira da derrota na Segunda Guerra Mundial (1939/45).
Se os líderes concordarem com a proposta de seus técnicos, o G8 criará um grupo de especialistas que discutirá detalhes do plano, incluindo cotas para cada nação participante, um sistema de gerenciamento dos inventários e os canais pelos quais os grãos seriam liberados para o mercado.
Funcionará? É discutível, embora de fato haja uma significativa redução dos estoques. A FAO (braço da ONU para agricultura e alimentação) calcula que os estoques de cereais estejam no menor nível em 30 anos. Mas os especialistas dizem que a redução dos estoques é apenas um entre os muitos motivos que levaram à chamada "agflação", a disparada de preços dos alimentos, que, pelas contas do Banco Mundial, levará 100 milhões de pessoas à fome neste ano.
O principal fator parece ser o crescimento do consumo em países emergentes de grande porte, casos da China e da Índia, sem que a produção tivesse acompanhado a demanda.

Dizer é fácil, fazer é difícil
A resposta óbvia seria aumentar a produção, tese que o presidente Lula defende uma e outra vez. Mas é igualmente óbvio que demora para que a produção passe a acompanhar o crescimento do consumo e não há nada que o G8 possa fazer para acelerar o ritmo.
Outro fator relevante -e polêmico- é a especulação com alimentos nos mercados futuros. Mas enfrentá-los é tema tabu no G8 e na maior parte do mundo.
Tanto que o documento final da cúpula de Hokkaido se limitará, pelo menos de acordo com o esboço vazado para a mídia japonesa, a expressar "preocupação" com o excessivo influxo de fundos especulativos nos mercados de alimentação. E ainda acrescentará que "os mercados devem ser abertos e eficientes", linguagem cifrada para garantir que os governos não vão interferir com o livre funcionamento dos mercados.
Reforça Tomohiko Taniguchi, subsecretário de Imprensa do Ministério japonês de Relações Exteriores: "Que os governos devem influir nos mercados é fácil de dizer e difícil de fazer".
O mesmo raciocínio será aplicado à disparada de preços do petróleo. O G8 dirá o óbvio (que há "grande preocupação", ainda mais que os preços elevados exercem pressão inflacionária em toda a cadeia econômica). Mas não há indício de que a "grande preocupação" se transformará em ações intervencionistas.

Produção e consumo
A resposta do G8 é a óbvia e antiga teoria da oferta e demanda: pedirá aos países produtores que elevem a produção e, aos consumidores, que reduzam o consumo e que usem fontes alternativas de energia.
É aqui que entra o Brasil: "fontes alternativas" é uma expressão que engloba, entre outros, os biocombustíveis. Um deles, o álcool derivado da cana-de-açúcar é uma especialidade brasileira, que, no entanto, enfrenta um problema de imagem por estar sendo misturado no mesmo saco do etanol de milho dos EUA -e este, de fato, reduziu a oferta de milho para alimentação, com a conseqüente alta dos preços.
O G8, como em outros temas, fica numa declaração genérica. Dirá que o uso de biocombustíveis derivados de grãos deve ter um enfoque equilibrado entre a produção [para combustível] e a segurança alimentar, se estiver correto o esboço que vazou para a mídia local.
Está muito longe do aval amplo que o presidente Lula vem buscando nos foros internacionais de que participa.

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