São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Populismo tem pernas curtas", afirma ministro

Mantega prevê crescimento anual de 5% nos próximos anos e diz que "será preciso muita incompetência para desarrumar a casa"

Ministro nega descontrole nas contas públicas e diz que não ficaria bem para Lula deixar funcionalismo com reajuste abaixo da inflação

DO COLUNISTA DA FOLHA

Guido Mantega (Fazenda) pode até não continuar no cargo no próximo mandato do presidente Lula, caso seja reeleito, mas ele é hoje certamente um dos ministros mais otimistas em relação às perspectivas para os próximos quatro anos de governo. Já foi chamado até de maior cabo eleitoral de Lula.
Nessa segunda parte da entrevista à Folha, Mantega desfia suas previsões para os próximos quatro anos: o Brasil crescerá a taxas de no mínimo 5% ao ano, os juros reais cairão para 5%, o investimento irá se expandir de 20% do PIB para 24% do PIB e a inflação continuará na faixa de 4%.
Mantega nega que esteja em campanha. "Baseio-me naquilo que foi conquistado. Não é um sonho distanciado da realidade." Ele insinua que até um poste conseguiria atingir esses resultados. "Tudo depende, claro, do próximo mandatário, mas será preciso muita incompetência para desarrumar a casa." Ele afasta qualquer possibilidade de uma guinada para o populismo em um eventual segundo mandato de Lula. (GUILHERME BARROS)  

FOLHA - Quais são os desafios do próximo governo?
GUIDO MANTEGA
- O novo governo, seja ele qual for, encontrará a possibilidade de potencializar o crescimento. A economia brasileira está consolidada e reúne todas as condições para dar um salto. A partir do ano que vem, a economia já pode caminhar para um crescimento mais robusto, acima de 5% ao ano. As condições estão dadas para que isso aconteça. Se continuar o governo Lula, será um crescimento vigoroso, nos mesmos moldes e padrões de agora.

FOLHA - O que é preciso para isso?
MANTEGA
- Para isso se viabilizar, é preciso estimular o investimento. Nessa primeira fase (os quatro anos do governo), o investimento cresceu, mas ainda de forma moderada. O investimento está hoje na faixa 20% do PIB e tem que chegar a 23% ou 24% do PIB, e esse patamar será atingido nos próximos anos. A partir de agora, os empresários estarão mirando para a expansão de suas plantas. Antes, eles investiram na modernização de suas máquinas. O Brasil, nos próximos dez anos, será um país que vai crescer a taxas de 5% ao ano.

FOLHA - A queda de juros não é fundamental para incentivar os investimentos?
MANTEGA
- Apesar de toda essa discussão sobre o "spread" bancário, a tendência continua sendo a queda dos juros. Eu garanto que a perspectiva, nos próximos quatro anos, é que a taxa convirja para um juro real de 5% ao ano ou até menos.

FOLHA - O sr. não está otimista demais? O sr. está em campanha?
MANTEGA
- O que estou fazendo é apenas uma projeção do que pode acontecer no próximo governo com o que ocorre hoje na economia. Não é um sonho distanciado da realidade. Baseio-me naquilo que foi conquistado. Tudo depende, claro, do próximo mandatário, mas será preciso muita incompetência para desarrumar a casa.

FOLHA - Muitos economistas temem os excessos de gastos do governo neste ano.
MANTEGA
- Em 2006, nós estaremos completando oito anos consecutivos de superávit primário acima de 3%. Se depender de nós, serão mais quatro anos de superávit primário. Com os juros caindo, garanto que, seja lá quem estiver ocupando minha cadeira, terá condições de entregar um superávit primário de 4,25% do PIB nos próximos quatro anos. Se o juro cair para uma taxa real de 5% ao ano, o custo financeiro do governo cairá para uns 4% do PIB, a metade do que é hoje. Com isso, você pode ter o déficit nominal zero, além de uma redução da relação dívida/PIB, para algo como 44% do PIB.

FOLHA - Os aumentos de salários não podem atrapalhar esses planos?
MANTEGA
- Se você olhar a folha de pagamentos em relação ao PIB nos últimos quatro anos, o que se vê é que está estacionada. Em 2003 e 2004, chegou até a cair, depois voltou a subir. Não houve descontrole. É um equívoco achar que há um descontrole na política de salários. Tem ano em que você pode dar aumento, tem ano em que não, mas isso está dentro de uma trajetória sempre segura.

FOLHA - Ano de eleições é ano de aumento de salários.
MANTEGA
- Ano de eleição é ano em que se procura fazer mais investimento, mais ações sociais, e de fazer os reajustes que não tinham sido dados. Não ficaria bem para o governo Lula deixar algumas categorias com reajuste abaixo da inflação no período, mesmo porque a receita cresceu de forma robusta e se está exigindo mais do funcionalismo. Não há descontrole das contas públicas. As contas públicas estão equilibradas.

FOLHA - O sr. aposta num crescimento de 5% para os próximos quatro anos, mas não há gargalos em infra-estrutura, como em energia, que podem impedir esses planos?
MANTEGA
- Energia não é um gargalo, absolutamente. Eu tenho ouvido um candidato a vice-presidente, o José Jorge [na chapa de Geraldo Alckmin], que é um especialista em apagão, dizer que, em 2009 e 2010, haverá falta de energia. Isso não tem procedência, não passa de especulação. Há investimentos no setor, a capacidade está aumentando. O governo não está preocupado. Infra-estrutura não é problema.

FOLHA - Há possibilidades de o governo dar uma guinada para o populismo, caso Lula seja reeleito?
MANTEGA
- Qual seria a lógica de uma guinada numa política que está dando certo? O populismo tem vida curta, tem pernas curtas. Seria negar tudo o que foi feito no Brasil durante esse período. Não faz sentido. Se o presidente pode ser acusado de algo, é de justamente não praticar o populismo.

FOLHA - Como o senhor define populismo?
MANTEGA
- Seria, por exemplo, num ano eleitoral, mandar bala nas contas públicas, fazer gastos indiscriminados, baixar os juros violentamente, fazer um monte de bondades que não estão sendo feitas. Se você examinar a trajetória da política econômica nos últimos anos, vai ver que ela é coerente. Não mudou nada num ano de eleições.

FOLHA - Não há risco de, por exemplo, uma chavinização [copiar Hugo Chávez, da Venezuela] do governo?
MANTEGA
- Não faz sentido essa acusação. O presidente Lula já demonstrou qual é a sua orientação econômica, política, ideológica, e não é de fazer populismo. Poderia fazer o populismo em desespero de causa, se tudo estivesse dando errado, se tudo o que fez não estivesse dando certo e estivesse apanhando. E aí reduzisse os juros à metade de forma abrupta, mas isso teria um efeito contrário. É um absurdo pensar numa guinada para o populismo. Se o governo pode ser acusado de algo, é de excesso de responsabilidade, não de falta dela.

FOLHA - Mas isso não distancia cada vez mais o presidente do PT?
MANTEGA
- Não. Qual é o grande objetivo do PT? Melhorar o padrão de vida da população, dar condições melhores de trabalho, aumentar o nível de emprego, diminuir as distâncias sociais, dar acesso às camadas mais pobres da população brasileira a um padrão mínimo de consumo, de alimentação, dar oportunidade para o cidadão ter sua casa própria, e tudo isso está sendo feito. Todas as aspirações do Partido dos Trabalhadores estão sendo cumpridas. Missão cumprida.

FOLHA - Mas houve tentações do governo de baixar as taxas de juros mais rápido?
MANTEGA
- As tentações existem, mas, enquanto são mantidas apenas no nível do desejo, do inconsciente, não causam problema. O segredo é ter uma ação racional e coerente.


Texto Anterior: Rubens Ricupero: Colcha de retalhos
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.