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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Ajuste fiscal ou morte!
Entre os países de renda per
capita semelhante à nossa,
não há quem se aproxime em
termos de carga tributária
A CARGA tributária no Brasil em
2005 atingiu um novo recorde: os governos federal, estaduais e municipais arrecadaram o
equivalente a 37,4% do PIB. O recorde não é só histórico: entre os
países de renda per capita semelhante à brasileira, não há quem se
aproxime em termos de carga tributária; nesse quesito, somos mais parecidos com os países ricos do que
com os assim chamados emergentes. Antes, porém, de subir ao pódio
e cantar o hino, vale a pena um pequeno esforço para entender o por
quê de carga tão elevada, bem como
suas prováveis conseqüências para
o país.
Dados do Banco Central mostram
que, em 2005, os mesmos entes que
coletaram os tributos acima registraram um superávit primário da
ordem de 4% do PIB. Isso significa
que, sem considerarmos as receitas
não-tributárias das diferentes esferas de governo, o gasto público consolidado, exceto juros, atingiu, no
mínimo, a marca de 33,4% do PIB.
Repetindo esse mesmo cálculo
simples de 1991 para cá, estimamos
que, em 1994, ano da estabilização
da inflação, o gasto público primário
teria atingido cerca de 25,5% do
PIB. Isto é, entre 1994 e 2005, o gasto primário aumentou pouco menos de 8% do PIB. Para quem possa
ter receio de possíveis distorções
originadas de comparações pontuais, o cálculo para o período pré-estabilização (1991-94) chega a uma
estimativa de gasto público primário de 24,3% do PIB; para o período
2002-05, mostra gastos de 32,3% do
PIB. Também aí chegamos a uma
estimativa de expansão do gasto primário equivalente a 8% do PIB.
Isso dito, de 1994 a 2005 a carga
tributária se expandiu de 29,5% para 37,4% do PIB (uma diferença de
7,9% do PIB). De 1991-94 para
2002-05, o crescimento foi um pouco maior, 9,4% do PIB (de 26,6% para 35,9%).
A conclusão, inescapável, é que o
aumento da carga tributária serviu
primordialmente para financiar o
gasto primário, que vem em trajetória crescente praticamente ininterrupta desde 1991, independentemente da coloração partidária do
governo da ocasião, em particular
quando ficou claro que o financiamento por meio da expansão da dívida pública não era mais viável.
Apenas uma parcela menor do aumento da carga ao longo desses anos
(equivalente a 1,4% do PIB) destinou-se ao aumento do superávit
primário das três esferas de governo.
No entanto, tão relevante quanto
a origem do problema é a conseqüência negativa dessa alteração radical da política fiscal no Brasil sobre a capacidade de crescimento do
país no longo prazo. Essa não é difícil de entender.
Em primeiro lugar, o gasto público disputa o produto do país com o
consumo privado, o investimento e
o saldo em conta corrente. Numa situação como a vivida pós-94, em
que a utilização de recursos do país
se manteve, de maneira geral, em
níveis elevados, o aumento do gasto
primário reduz a disponibilidade de
produto para o investimento. Isso
poderia ser (hipoteticamente) compensado se o aumento do gasto primário fosse destinado ao investimento público. Porém no Brasil
conseguimos a proeza de aumentar
o gasto corrente público em (bem)
mais que 8% do PIB, levando à conseqüente queda do investimento.
Em segundo lugar, o aumento da
carga deu-se primordialmente pela
expansão dos tributos que mais distorcem a alocação de recursos e o retorno dos investimentos. Vale dizer:
não contentes em reduzir a disponibilidade de produto para o investimento, reduzimos ainda o seu retorno esperado. Há forma mais eficiente de reduzir a capacidade de crescimento do país?
Esses números estão disponíveis
há anos, mas não têm chamado
maior atenção. Agora, porém, a mídia parece ter finalmente acordado
para o problema, após anos de elucubrações acerca do caráter "neoliberal" do ajuste fiscal produzido pelos economistas "conservadores" (o
que explica os terremotos nas proximidades do túmulo de Hayek).
No entanto, se a mídia despertou,
há muitos que ainda não. As reações
que enterraram a proposta de limitar a expansão do gasto corrente a
valores inferiores ao crescimento do
produto mostram que falta ainda a
compreensão da gravidade do problema a parcela significativa de nossa elite intelectual e política. Ou talvez mostrem apenas que atribuir
aos culpados de sempre o baixo desempenho do país seja uma estratégia bem mais fácil que pegar o touro
do ajuste fiscal pelos chifres.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do ABN-Amro, doutor pela Universidade
da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, passa a escrever a cada 15 dias
nesta coluna.
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