São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Ajuste fiscal ou morte!

Entre os países de renda per capita semelhante à nossa, não há quem se aproxime em termos de carga tributária

A CARGA tributária no Brasil em 2005 atingiu um novo recorde: os governos federal, estaduais e municipais arrecadaram o equivalente a 37,4% do PIB. O recorde não é só histórico: entre os países de renda per capita semelhante à brasileira, não há quem se aproxime em termos de carga tributária; nesse quesito, somos mais parecidos com os países ricos do que com os assim chamados emergentes. Antes, porém, de subir ao pódio e cantar o hino, vale a pena um pequeno esforço para entender o por quê de carga tão elevada, bem como suas prováveis conseqüências para o país.
Dados do Banco Central mostram que, em 2005, os mesmos entes que coletaram os tributos acima registraram um superávit primário da ordem de 4% do PIB. Isso significa que, sem considerarmos as receitas não-tributárias das diferentes esferas de governo, o gasto público consolidado, exceto juros, atingiu, no mínimo, a marca de 33,4% do PIB.
Repetindo esse mesmo cálculo simples de 1991 para cá, estimamos que, em 1994, ano da estabilização da inflação, o gasto público primário teria atingido cerca de 25,5% do PIB. Isto é, entre 1994 e 2005, o gasto primário aumentou pouco menos de 8% do PIB. Para quem possa ter receio de possíveis distorções originadas de comparações pontuais, o cálculo para o período pré-estabilização (1991-94) chega a uma estimativa de gasto público primário de 24,3% do PIB; para o período 2002-05, mostra gastos de 32,3% do PIB. Também aí chegamos a uma estimativa de expansão do gasto primário equivalente a 8% do PIB.
Isso dito, de 1994 a 2005 a carga tributária se expandiu de 29,5% para 37,4% do PIB (uma diferença de 7,9% do PIB). De 1991-94 para 2002-05, o crescimento foi um pouco maior, 9,4% do PIB (de 26,6% para 35,9%).
A conclusão, inescapável, é que o aumento da carga tributária serviu primordialmente para financiar o gasto primário, que vem em trajetória crescente praticamente ininterrupta desde 1991, independentemente da coloração partidária do governo da ocasião, em particular quando ficou claro que o financiamento por meio da expansão da dívida pública não era mais viável.
Apenas uma parcela menor do aumento da carga ao longo desses anos (equivalente a 1,4% do PIB) destinou-se ao aumento do superávit primário das três esferas de governo.
No entanto, tão relevante quanto a origem do problema é a conseqüência negativa dessa alteração radical da política fiscal no Brasil sobre a capacidade de crescimento do país no longo prazo. Essa não é difícil de entender. Em primeiro lugar, o gasto público disputa o produto do país com o consumo privado, o investimento e o saldo em conta corrente. Numa situação como a vivida pós-94, em que a utilização de recursos do país se manteve, de maneira geral, em níveis elevados, o aumento do gasto primário reduz a disponibilidade de produto para o investimento. Isso poderia ser (hipoteticamente) compensado se o aumento do gasto primário fosse destinado ao investimento público. Porém no Brasil conseguimos a proeza de aumentar o gasto corrente público em (bem) mais que 8% do PIB, levando à conseqüente queda do investimento.
Em segundo lugar, o aumento da carga deu-se primordialmente pela expansão dos tributos que mais distorcem a alocação de recursos e o retorno dos investimentos. Vale dizer: não contentes em reduzir a disponibilidade de produto para o investimento, reduzimos ainda o seu retorno esperado. Há forma mais eficiente de reduzir a capacidade de crescimento do país?
Esses números estão disponíveis há anos, mas não têm chamado maior atenção. Agora, porém, a mídia parece ter finalmente acordado para o problema, após anos de elucubrações acerca do caráter "neoliberal" do ajuste fiscal produzido pelos economistas "conservadores" (o que explica os terremotos nas proximidades do túmulo de Hayek).
No entanto, se a mídia despertou, há muitos que ainda não. As reações que enterraram a proposta de limitar a expansão do gasto corrente a valores inferiores ao crescimento do produto mostram que falta ainda a compreensão da gravidade do problema a parcela significativa de nossa elite intelectual e política. Ou talvez mostrem apenas que atribuir aos culpados de sempre o baixo desempenho do país seja uma estratégia bem mais fácil que pegar o touro do ajuste fiscal pelos chifres.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do ABN-Amro, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, passa a escrever a cada 15 dias nesta coluna.

Texto Anterior: Para Armínio Fraga, ex-BC, país precisa enfrentar descontrole dos gastos públicos
Próximo Texto: Indústria patina e reforça a expectativa de PIB fraco
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.