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VINICIUS TORRES FREIRE
Números não são tudo
Protestos contra o real forte
vão à rua e indústria faz nova
rodada de queixas; governo e
oposição ignoram o assunto
ENTES NÃO NUMÉRICOS foram
vistos ontem, em pequenos
grupos, em estradas e avenidas de São Paulo, criticando o real
forte. Por que "entes não numéricos"? Porque, como disse o presidente Lula a respeito da rateada feia
do PIB, números não são tudo.
Pois esses entes não numéricos
trabalham em fábricas de roupas e
tecidos. Protestam porque seus lucros, salários e empregos minguam.
Atribuem o problema, bidu, ao real
forte, à taxa de câmbio, e à China.
O manifestantes trabalham no setor de bens semiduráveis. Isto é,
roupas, calçados, remédios, brinquedos, plásticos e outros artigos caseiros. Se fosse possível usar a palavra para apenas um setor, o de semiduráveis estaria em recessão desde
novembro de 2005.
O economista padrão atribui tal
desempenho à falta de competitividade. De fato, a indústria de semiduráveis vivia entre estagnação e míngua mesmo quando o real não estava
tão forte. O pessoal do setor diz que,
além do câmbio, suporta manipulações econômicas da China, que
mantém sua moeda desvalorizada
artificialmente e pratica "dumping"
(cobra preços irrealmente baixos).
Nos outros setores
Entre os grandes setores da indústria (bens de capital, intermediários, duráveis e não-duráveis), o
de crescimento mais raquítico (1%)
nos últimos 12 meses é um daqueles em que as importações vêm
crescendo com mais rapidez: o de
bens intermediários, de insumos
para a indústria. A tendência se
confirmou mais uma vez com os
números do IBGE de ontem.
A Anfavea previu ontem que a
produção da indústria automobilística vai crescer menos do que no
ano passado, pois exporta menos. A
Confederação Nacional da Indústria teme uma invasão de produtos
importados no final do ano. Pode-se tratar de lobby. Mas de alucinação não se trata, pois desde fevereiro o crescimento das importações
(em quantidade de produtos) bate
o aumento da produção industrial
doméstica. No mesmo período, as
exportações desaceleram.
O economista padrão diria que o
poder de compra do salário aumenta quando a moeda é forte -é verdade, para quem fica empregado ou
não procura emprego em negócios
mais expostos à competição externa. Ou que o real forte permite modernização de fábricas, pois barateia a compra de máquinas novas
-é verdade, mas isso também afeta
quem produz máquinas aqui.
É impossível fazer o balanço das
compensações de perdas e danos
no curto prazo, assim como não é
possível tratar do problema apertando o botão do controle remoto
do câmbio -o crescimento industrial e do comércio exterior depende de muitos outros fatores. Mas
como, já no médio prazo, alguns setores da indústria podem ser dizimados, é preciso um diagnóstico
mais amplo de como lidar com os
efeitos da integração do país à economia global em tempos de China.
Quais indústrias são caso perdido? Quantos setores produtivos
podem ser encolhidos sem que a
indústria como um todo seja afetada? Quais os planos para inovar na
tecnologia e melhorar a infra-estrutura? Não se ouve palavra sobre
o assunto no debate da eleição.
vinit@uol.com.br
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