São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Números não são tudo

Protestos contra o real forte vão à rua e indústria faz nova rodada de queixas; governo e oposição ignoram o assunto

ENTES NÃO NUMÉRICOS foram vistos ontem, em pequenos grupos, em estradas e avenidas de São Paulo, criticando o real forte. Por que "entes não numéricos"? Porque, como disse o presidente Lula a respeito da rateada feia do PIB, números não são tudo.
Pois esses entes não numéricos trabalham em fábricas de roupas e tecidos. Protestam porque seus lucros, salários e empregos minguam. Atribuem o problema, bidu, ao real forte, à taxa de câmbio, e à China.
O manifestantes trabalham no setor de bens semiduráveis. Isto é, roupas, calçados, remédios, brinquedos, plásticos e outros artigos caseiros. Se fosse possível usar a palavra para apenas um setor, o de semiduráveis estaria em recessão desde novembro de 2005.
O economista padrão atribui tal desempenho à falta de competitividade. De fato, a indústria de semiduráveis vivia entre estagnação e míngua mesmo quando o real não estava tão forte. O pessoal do setor diz que, além do câmbio, suporta manipulações econômicas da China, que mantém sua moeda desvalorizada artificialmente e pratica "dumping" (cobra preços irrealmente baixos).

Nos outros setores
Entre os grandes setores da indústria (bens de capital, intermediários, duráveis e não-duráveis), o de crescimento mais raquítico (1%) nos últimos 12 meses é um daqueles em que as importações vêm crescendo com mais rapidez: o de bens intermediários, de insumos para a indústria. A tendência se confirmou mais uma vez com os números do IBGE de ontem.
A Anfavea previu ontem que a produção da indústria automobilística vai crescer menos do que no ano passado, pois exporta menos. A Confederação Nacional da Indústria teme uma invasão de produtos importados no final do ano. Pode-se tratar de lobby. Mas de alucinação não se trata, pois desde fevereiro o crescimento das importações (em quantidade de produtos) bate o aumento da produção industrial doméstica. No mesmo período, as exportações desaceleram.
O economista padrão diria que o poder de compra do salário aumenta quando a moeda é forte -é verdade, para quem fica empregado ou não procura emprego em negócios mais expostos à competição externa. Ou que o real forte permite modernização de fábricas, pois barateia a compra de máquinas novas -é verdade, mas isso também afeta quem produz máquinas aqui.
É impossível fazer o balanço das compensações de perdas e danos no curto prazo, assim como não é possível tratar do problema apertando o botão do controle remoto do câmbio -o crescimento industrial e do comércio exterior depende de muitos outros fatores. Mas como, já no médio prazo, alguns setores da indústria podem ser dizimados, é preciso um diagnóstico mais amplo de como lidar com os efeitos da integração do país à economia global em tempos de China.
Quais indústrias são caso perdido? Quantos setores produtivos podem ser encolhidos sem que a indústria como um todo seja afetada? Quais os planos para inovar na tecnologia e melhorar a infra-estrutura? Não se ouve palavra sobre o assunto no debate da eleição.


vinit@uol.com.br

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