São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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Reduzir déficit fiscal é o desafio da Índia

Tirar 300 milhões da pobreza também é prioridade do premiê Manmohan Singh, idealizador das reformas liberalizantes do país

Se o país crescer de 8% a 9% ao ano, terá recursos para programas de educação, saúde e desenvolvimento rural, diz primeiro-ministro


Harish Tyagi - 15.ago.06/Efe
O primeiro-ministro Manmohan Singh (3º à esq.) passa em revista as tropas durante festividades da Independência


CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A NOVA DÉLI

Idealizador das reformas que abriram e liberalizaram a economia indiana a partir de 1991, o primeiro-ministro Manmohan Singh tem agora o desafio de reduzir o déficit fiscal do país e, ao mesmo tempo, tirar quase 300 milhões de pessoas da pobreza.
"Não creio que haja contradição entre a responsabilidade fiscal e o compromisso com a construção de uma sociedade inclusiva", afirmou em entrevista a um grupo de sete jornalistas brasileiros, entre os quais a enviada da Folha.
Formado em economia, com pós-graduação em Cambridge e doutorado em Oxford, Singh se declarou grande admirador do economista brasileiro Celso Furtado, a quem conheceu pessoalmente.
Singh chega ao Brasil na noite do dia 11, na primeira visita de um chefe de governo indiano desde 1968, quando Indira Gandhi esteve no país.
Ministro das Finanças de 1991 a 1996, Singh se tornou primeiro-ministro em 2004, depois que a líder do Partido do Congresso, Sonia Gandhi,
abriu mão do cargo e o indicou em seu lugar. Singh, 74, é o primeiro chefe do governo indiano seguidor do siquismo, uma das quatro grandes religiões fundadas na Índia. Os siques são identificados pelo uso do turbante e pelo fato de não cortarem o cabelo nem a barba. A seguir, os principais trechos da entrevista:
 

PERGUNTA - Os países em desenvolvimento devem repensar sua estratégia de atuação nos organismos multilaterais, tendo em vista o fracasso das tentativas de concluir a Rodada Doha de negociações comerciais e de reformar o Conselho de Segurança da ONU?
MANMOHAN SINGH -
Concordo em que o mundo precisa repensar o equilíbrio de poder global. Nós reconhecemos que a modernidade e a tecnologia tornaram o conceito de distância geográfica irrelevante. A globalização é uma realidade. O desafio é fazer com que esse processo ocorra de forma inclusiva e equitativa, o que requer a reforma das estruturas globais, tanto políticas com econômicas. Nós temos um modelo global no qual a OMC cuida das relações comerciais, o FMI olha para os fluxos de capital de curto prazo e o Banco Mundial olha para fluxos de capital de longo prazo. Mas essas estruturas foram criadas em 1945. O mundo de 2006 é muito diferente do mundo de 1945. Os países em desenvolvimento são um fator importante para o desenho do contorno de um novo sistema, mais equitativo.

PERGUNTA - O sr. fala de inclusão, e a Índia tem enorme pobreza e, ao mesmo tempo, um preocupante déficit fiscal. Como conciliar a redução do déficit e o combate à pobreza?
SINGH -
Países em desenvolvimento não podem combater a pobreza e ficar ricos meramente gastando para atingir a prosperidade. Nenhum país pode se tornar rico imprimindo dinheiro ou se endividando de forma irresponsável. Políticas monetárias e fiscais são fundamentais se buscamos uma sociedade inclusiva. Se há inflação descontrolada, os pobres são os que mais sofrem, pois os ricos têm formas de se proteger. Admiro a posição do presidente Lula em relação à responsabilidade fiscal. Mas isso não significa que não haja espaço para reorientar nosso sistema tributário, nossos gastos, para focar nas classes mais esquecidas. Em nosso país, a arrecadação tem crescido à taxa de 20% ao ano. Se a economia continuar a crescer de 8% a 9% ao ano, vamos gerar mais recursos para suportar programas de educação, de saúde e de desenvolvimento rural sem sacrificar a responsabilidade fiscal. Não creio que haja contradição entre a responsabilidade fiscal e o compromisso com a construção de uma sociedade inclusiva.

PERGUNTA - O que podemos esperar de sua visita ao Brasil? O sr. já esteve no país antes?
SINGH -
É minha primeira visita ao Brasil. Sempre admirei o Brasil, tenho vários amigos brasileiros e acredito que a diplomacia brasileira é a mais profissional do mundo. Fui muito influenciado pelo trabalho de alguns economistas brasileiros no entendimento do processo de subdesenvolvimento. O Brasil, ao lado da Índia e da China, é visto como um importante pólo da economia global. Acredito que Índia, Brasil e África do Sul têm muitas coisas a fazer em conjunto para promover o comércio. O modelo de desenvolvimento brasileiro tem considerável interesse mundial.

PERGUNTA - Quais economistas brasileiros o influenciaram?
SINGH -
Celso Furtado. Eu o conheci muito bem e li seus textos clássicos.

PERGUNTA - Vocês estão crescendo a 8%, e o Brasil a 3,5%. O que o Brasil pode aprender da Índia?
SINGH -
Não penso que se possa fazer uma cópia de carbono. Nós podemos aprender um do outro e criar novas complementaridades. Sob a presidência de Lula, acredito que o Brasil realizará todo o seu potencial de desenvolvimento.

PERGUNTA - Entre as medidas implementadas a partir dos anos 90, qual foi a mais eficaz?
SINGH -
Meu primeiro Orçamento foi apresentado um mês após me tornar ministro das Finanças e desmantelou o sistema de licenças que era adotado para o setor industrial. Foi o começo do processo de abertura da economia à competição estrangeira. Esse foi o momento que mudou o curso do desenvolvimento econômico da Índia para os 15 anos seguintes.


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