São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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ANÁLISE

Aversão ao risco vai aumentar

JOHN AUTHERS
DO "FINANCIAL TIMES"

NAVEGAR O mercado requer reconciliar várias dicotomias. No cerne do drama desta semana, o pior para as ações do Reino Unido em seis anos, há um aparente paradoxo. Os números sobre o emprego nos EUA divulgados ontem foram terríveis. O desemprego no país é o mais alto em quase cinco anos. Tentativas de negar que a maior economia do mundo enfrenta problemas são fúteis, agora. Mas isso surgiu em um momento de alta do dólar. Desde que chegou à sua maior queda, neste ano, a moeda voltou a subir mais de 10% diante de uma cesta ponderada de divisas. O colapso da libra foi dramático. Avaliada em US$ 2,10 há menos de um ano, hoje vale menos de US$ 1,80. Explicar como o dólar está se saindo tão bem quando a economia do país está em eclipse é crítico para prever de que maneira o mercado pode se comportar no ano que vem. Os movimentos de mercado são ditados pelo fluxo de fundos. Caso haja dinheiro fluindo para um setor, qualquer que seja a razão, seus preços subirão. Os indicadores mais recentes dos EUA deflagraram um fluxo de capital internacional em nova direção. Mas é preciso considerar a situação no contexto. Desde que a crise de crédito começou, na metade do ano passado, a queda das ações vinha sendo contida em parte pela esperança de que outros países dispusessem de certo grau de isolamento contra os problemas nos Estados Unidos. A recuperação do dólar começou a se afirmar algumas semanas atrás, quando se tornou claro que a Europa estava se contraindo. Ela não se provou capaz de resistir à desaceleração nos EUA. Os números de ontem sobre o desemprego tornam ainda mais difícil acreditar que os EUA tenham conseguido preparar uma "aterrissagem suave". Isso significa que devemos considerar o pior cenário -uma desaceleração mundial. Isso elevará a aversão ao risco. Qualquer que seja a aposta, a probabilidade de que ela propicie lucros será menor, de modo que os investidores correrão para retirar essas apostas. No jargão do setor, isso muitas vezes recebe o nome de "desalavancagem": liquidar dívidas. Porque muitos fundos de hedge vêm usando uma estratégia de "carry trade", tomando empréstimos em moedas como o iene e o dólar, com suas baixas taxas de juros, e investindo dinheiro em lugares com juros maiores -a redução do risco envolve retorno dos investidores ao dólar. Além do mais, o fluxo de fundos dos últimos anos vem sendo esmagadoramente para fora dos EUA. Segundo a Emerging Portfolio Fund Research, US$ 391 bilhões fluíram para ações de fora dos EUA entre 2003 e 2007, ante apenas US$ 7,3 bilhões para fundos no país. Já que tudo começa com uma aposta assim pesada no mundo fora dos EUA, a resposta lógica às mais recentes notícias é vender investimentos em outros mercados e devolver o dinheiro aos EUA, quer na forma de ações que geram muito caixa, como os bens de consumo, ou mais provavelmente na forma de títulos do Tesouro. Portanto, as notícias terríveis sobre a economia norte-americana tiveram por efeito enviar mais dinheiro aos EUA e causar alta do dólar. Não existe razão para supor que isso vá parar em curto prazo. Os investidores internacionais continuarão a tender a operar com dólares, e o processo de deixar para trás o risco provavelmente terá resultados positivos para o dólar por ainda algum tempo. Em mais um paradoxo, isso representa má notícia para quem investe nos EUA. A alta do dólar com o tempo prejudicará o exportador americano; além disso, nos longos anos de declínio do dólar, seus investimentos em ações continuaram a gerar lucros com base naquilo que Milton Friedman definiu como "ilusão monetária". O desempenho das ações americanas, denominadas em dólar, não parecia mau, enquanto os retornos das ações internacionais pareciam ótimos. Os investidores que enviaram dinheiro para o exterior provavelmente não perceberam que estavam apostando contra o dólar. Mas isso está se tornando claro. Desde o pico das ações mundiais, no final do ano passado, os investidores que privilegiam o dólar sofreram perdas de 31,9% nos mercados emergentes e de 25,6% nos países desenvolvidos, excetuados os EUA. Isso representa retorno muito inferior ao do índice S&P 500, que caiu 18,7%. Com o dólar em alta, é quase impossível para eles ganhar dinheiro com ações. O oposto se aplica ao investidor que toma a libra como base. E-mail de leitor perguntava nesta semana em que momento a queda da libra poderia começar a ser definida como "crise". A libra, em base ponderada, caiu mais neste ano do que no final de 1992, quando foi forçada a deixar o mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, o que significa que a pergunta faz sentido. Mas a resposta é que não estamos nem perto de uma crise. Uma verdadeira "crise" cambial ocorre quando um governo tenta defender uma taxa fixa de câmbio. Não se sabe se moedas que flutuam livremente podem sofrer uma crise. Isso é parcialmente verdade se, como no caso da libra, elas começaram sobrevalorizadas a ponto de prejudicar a economia. Mesmo cotada a US$ 1,78, a libra ainda não caiu a seu valor justo. E, para os investidores britânicos, a súbita desvalorização foi vantajosa. Em libras, o S&P 500 caiu 5% desde o fim de outubro. Os americanos que apostaram no FTSE 100 na mesma data sofreram perda de 31%.


Tradução de PAULO MIGLIACCI





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