São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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ENTREVISTA

ALDEMIR BENDINE

BB cortará ainda mais o juro, mesmo sem redução da Selic

Para Bendine, o grande diferencial na concorrência será a taxa cobrada pelos bancos

APESAR DA INTERRUPÇÃO nos cortes da taxa básica de juros, o Banco do Brasil pretende manter a política de redução nos juros como instrumento para avançar sobre a concorrência e ganhar mercado. "Taxa de juros sempre vai ser o grande diferencial da concorrência." Em entrevista à Folha, o presidente do banco disse que o comportamento da inadimplência será determinante para os novos cortes. Perto de completar cinco meses no cargo para o qual foi indicado pelo presidente Lula com a incumbência de induzir concorrência para reduzir o "spread" (diferença entre a taxa de captação e a repassada), Bendine afirmou que o banco errou ao precificar um medo exagerado de calote no auge da crise. "O cenário para a inadimplência é benigno."

SHEILA D'AMORIM
EM SÃO PAULO

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Aldemir Bendine afirmou que os bancos não precisam mais do estímulo para compra de carteiras dado pelo governo no auge da crise, como liberação de depósito compulsório.
Bendine alfineta o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, que afirmou que os bancos públicos praticam "taxas insustentáveis" no longo prazo. "Talvez ele tenha feito isso baseado na estrutura de custos dentro do banco dele, que é totalmente diferente do meu", disse Bendine.
Ele afirmou ainda que, se não fosse para ter uma função de agente público, de fomentar o desenvolvimento do país, seria melhor "fechar ou privatizar" o BB. Leia trechos da entrevista concedida em São Paulo.

 

FOLHA - Sua nomeação trouxe a preocupação de politização no BB, com o banco passando a agir como uma instituição pública, um rótulo que seus antecessores sempre evitaram. O que é de fato o BB hoje?
ALDEMIR BENDINE -
O que ele sempre foi: uma sociedade de economia mista que atua no mercado como um banco comercial, mas que executa políticas públicas. Sempre foi dado um viés mais forte somente para o lado de banco comercial. A gente procurou resgatar o outro lado que o banco também tem. Afinal, 70% do banco é controlado pela União. Se fosse para ser somente mais um banco comercial, não haveria razão de ser um banco controlado pelo Estado. Poderíamos fechar ou privatizar o BB.

FOLHA - Isso significa mais ingerência política no banco?
BENDINE -
Nenhuma. Há uma diferença gritante entre o que poderíamos chamar de ingerência política e de orientação. É natural que o controlador sempre vá procurar dar orientações quanto ao papel de banco público. Ingerência, jamais.

FOLHA - Função pública não faz o banco lucrar menos?
BENDINE -
Os índices de rentabilidade que o BB tem apresentado demonstram o contrário. Havia necessidade de atuação anticíclica [de estímulo] no sistema financeiro e não estava havendo uma resposta do mercado. O banco foi, dentro da boa prática bancária e sem ferir a governança corporativa, fazer o papel de destravamento do crédito. Foi uma atitude simples, dentro das boas técnicas [do setor] e que apresentaram resultados eficientes. Passou a ser um diferencial do BB.

FOLHA - Mas, por conta dessa atuação, há uma nuvem de desconfiança rondando o banco. O sr. não teme um boom de inadimplência?
BENDINE -
De forma alguma. Ao fazer liberação de crédito, trabalhamos com técnicas que são ditadas pelo regulador. O índice de risco da nossa carteira permanece o mais baixo do mercado. Tudo o que foi feito foram contratações saudáveis. O que existia era uma carência no mercado por crédito, e o BB foi ocupar esse espaço.

FOLHA - O BB tem uma estrutura mais cara do que o setor privado. O que permite ter juros menores?
BENDINE -
Primeiro o custo de captação. Nossa estrutura de captação é mais bem favorecida. Não é só depósito judicial, mas a confiança que existe em torno do banco. Segundo, um controle de inadimplência. Não foi feita nenhuma redução drástica de taxa sem que houvesse uma boa técnica de avaliação por trás disso.

FOLHA - E qual o limite para essa redução? Tem mais gordura?
BENDINE -
Desde que se mantenham sob controle os componentes que ditam as taxas de juros, há espaço para isso. O banco tem ingerência para baixar taxa de juros: 1) no custo de captação -se eu for eficiente, consigo, já de largada, ter custo mais baixo; 2) na inadimplência, a média histórica do BB permanece a mais baixa do sistema e os indicadores apontam para um caminho de extremo conforto; 3) o índice de eficiência. O nosso índice -apesar de haver uma visão de que nosso custo de funcionários e administrativo é mais alto- está em linha com os principais bancos.

FOLHA - Mas o BB tem fontes privilegiadas, como os depósitos judiciais, as contas do governo. Isso não cria problema de concorrência?
BENDINE -
Esse custo de captação não é por conta de algum favorecimento explícito ao BB. Esse "funding" [captação] já foi muito mais baixo no passado; não é tanto mais. Mas é um diferencial, sim, que permite ter taxa mais baixa.

FOLHA - O presidente do Itaú, Roberto Setubal, disse que as taxas dos bancos públicos eram insustentáveis no longo prazo. É verdade?
BENDINE -
Não sei de onde ele pode ter tirado esse tipo de avaliação. Talvez tenha feito isso baseado na estrutura de custo dentro do banco dele, que é totalmente diferente do meu. Não concordo com essa tese de forma alguma. Nossa política de juros é lastreada em cima de dados históricos e em cima de perspectivas. Prova disso é que o banco teve rentabilidade superior a todos os concorrentes.

FOLHA - O BB vai seguir reduzindo juros independentemente da Selic?
BENDINE -
Sem dúvida. Taxa de juros sempre será o grande diferencial na concorrência. De fato, o "spread" no Brasil é alto. No BB, teve um solavanco -o banco precificou mal no início da crise.
À medida que tivemos dados mais reais em relação à economia, percebemos que tínhamos condições para trazer esse "spread" a um patamar confortável. Foi excesso de conservadorismo. À medida que tivermos melhorias nesses componentes, vamos transferir isso ao cliente.

FOLHA - Isso será instrumento de competição no mercado? Quem não baixar taxa vai comer poeira, como disse o ministro Guido Mantega?
BENDINE -
A concorrência está se reposicionando. Todos estão revendo taxas. Hoje o consumidor brasileiro é muito bem esclarecido. Se você for financiar um carro, o Itaú te pede 2% e o BB, 1%, com quem você vai ficar? Se os bancos não se mexerem, o BB vai aumentar cada vez mais sua participação.

FOLHA - A crise está passando. Chegou o momento de desmontar o arsenal e rever a política de liberação dos compulsórios?
BENDINE -
Quem tem de fazer isso é a autoridade monetária. [O compulsório] é um instrumento que ela tem para controlar fluxos de liquidez. Hoje, existe um conforto grande. Aquele problema de "funding" [captação] que vivemos no ápice da crise passou. Não vejo grandes oportunidades [para compra de carteiras de banco menor]. Diria que o mercado está próximo da normalização.

FOLHA - O compulsório antes da crise era exagerado?
BENDINE -
Diria que ele tem um componente muito forte na formação de taxas de juros. Quanto mais alto e mais apertada a regra, mais impacto tem na taxa final de juros. Mas volto a repetir: é política monetária.

FOLHA - O sistema financeiro superou a crise? Qual o patamar de crédito que teremos agora, já que não vamos crescer mais 30% ao ano?
BENDINE -
O mercado de capitais voltou a funcionar e já há facilidade em pegar linhas externas. Ainda falta crédito para a micro e pequena empresa. É uma situação grave? Não. Mas há que evoluir. Por isso, anunciamos na semana passada a disponibilização extra de limite de crédito para essas empresas, no total de R$ 14,5 bilhões.

FOLHA - Micro e pequena empresa foi uma área negligenciada?
BENDINE -
Não é que tenha sido negligenciada. Mas ela faz parte de uma cadeia. Enquanto não se acerta o topo da cadeia produtiva, que são as grandes empresas, você não consegue chegar até as menores. Até porque quem alimenta as pequenas empresas são as grandes.

FOLHA - É nisso também que o BB se apoia para se manter na liderança do ranking dos bancos?
BENDINE -
Vamos crescer na carteira de crédito de maneira geral e também em outros produtos, como seguridade, cartão de crédito, produtos de varejo e ampliar a participação no mercado externo.

FOLHA - O BB vai financiar empresas envolvidas na exploração das novas reservas do pré-sal?
BENDINE -
O BB sempre foi, é e será o maior agente de desenvolvimento. Vamos estar presente em todos os projetos importantes do país. Financiamos [a hidrelétrica de] Jirau, somos o maior repassador de recursos do BNDES. E vamos estar presentes em todos os grandes projetos de infraestrutura do país. Seja por conta da exploração no pré-sal ou da Copa de 2014.

FOLHA - Mas vocês vão complementar os recursos do BNDES?
BENDINE -
Sim, não tenho dúvidas. Como creio que os concorrentes também vão fazer isso.

FOLHA - Para fazer tudo isso, será preciso mais dinheiro. O BB já não está perto do seu limite de capacidade de empréstimos?
BENDINE -
O caixa está cheio. Tenho 15% de Basileia [índice que determina o nível de capital que um banco precisa para alavancar operações de crédito, cujo mínimo é de 11%].

FOLHA - Mas, se fizerem tudo isso, vocês chegam ao limite de 11% em 2010. Vai haver capitalização?
BENDINE -
Não está no radar aumentar o capital. Temos folga para dois anos, sossegado.

FOLHA - O sistema financeiro está maduro para conviver com compulsório menor sem um direcionamento obrigatório para comprar carteiras ou bancos? Nesse caso, o dinheiro liberado seria canalizado para o crédito?
BENDINE -
Hoje, se os bancos ficarem só fazendo operação de tesouraria com a taxa de juros tão baixa, vai haver ineficiência. Ficar com estrutura de capital só alocada em título público é algo não muito bom para um banco.

FOLHA - Mas esse dinheiro irá para o crédito?
BENDINE -
É um processo constante de aprendizagem. Os bancos brasileiros estão mais maduros, mas é natural que a gente tenha que aprender a conviver com isso [compulsórios menores]. É por isso que serve a autoridade monetária. Ela tem que ter política para fazer correção, induzir -ou não- maior liquidez, maior direcionamento para o crédito. Esse é o papel do BC.


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