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ENTREVISTA
ALDEMIR BENDINE
BB cortará ainda mais o juro, mesmo sem redução da Selic
Para Bendine, o grande diferencial na concorrência será a taxa cobrada pelos bancos
APESAR DA INTERRUPÇÃO nos cortes da taxa básica de juros, o Banco do Brasil pretende
manter a política de redução nos juros como
instrumento para avançar sobre a concorrência e ganhar mercado. "Taxa de juros sempre vai ser o grande diferencial da concorrência." Em entrevista à Folha, o
presidente do banco disse que o comportamento da inadimplência será determinante para os novos cortes. Perto
de completar cinco meses no cargo para o qual foi indicado pelo presidente Lula com a incumbência de induzir
concorrência para reduzir o "spread" (diferença entre a taxa de captação e a repassada), Bendine afirmou que o banco errou ao precificar um medo exagerado de calote no auge da crise. "O cenário para a inadimplência é benigno."
SHEILA D'AMORIM
EM SÃO PAULO
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Aldemir Bendine afirmou
que os bancos não precisam
mais do estímulo para compra
de carteiras dado pelo governo
no auge da crise, como liberação de depósito compulsório.
Bendine alfineta o presidente do Itaú Unibanco, Roberto
Setubal, que afirmou que os
bancos públicos praticam "taxas insustentáveis" no longo
prazo. "Talvez ele tenha feito
isso baseado na estrutura de
custos dentro do banco dele,
que é totalmente diferente do
meu", disse Bendine.
Ele afirmou ainda que, se não
fosse para ter uma função de
agente público, de fomentar o
desenvolvimento do país, seria
melhor "fechar ou privatizar" o
BB. Leia trechos da entrevista
concedida em São Paulo.
FOLHA - Sua nomeação trouxe a
preocupação de politização no BB,
com o banco passando a agir como
uma instituição pública, um rótulo
que seus antecessores sempre evitaram. O que é de fato o BB hoje?
ALDEMIR BENDINE - O que ele
sempre foi: uma sociedade de
economia mista que atua no
mercado como um banco comercial, mas que executa políticas públicas. Sempre foi dado
um viés mais forte somente para o lado de banco comercial. A
gente procurou resgatar o outro lado que o banco também
tem. Afinal, 70% do banco é
controlado pela União. Se fosse
para ser somente mais um banco comercial, não haveria razão
de ser um banco controlado pelo Estado. Poderíamos fechar
ou privatizar o BB.
FOLHA - Isso significa mais ingerência política no banco?
BENDINE - Nenhuma. Há uma
diferença gritante entre o que
poderíamos chamar de ingerência política e de orientação.
É natural que o controlador
sempre vá procurar dar orientações quanto ao papel de banco público. Ingerência, jamais.
FOLHA - Função pública não faz o
banco lucrar menos?
BENDINE - Os índices de rentabilidade que o BB tem apresentado demonstram o contrário.
Havia necessidade de atuação
anticíclica [de estímulo] no sistema financeiro e não estava
havendo uma resposta do mercado. O banco foi, dentro da boa
prática bancária e sem ferir a
governança corporativa, fazer o
papel de destravamento do crédito. Foi uma atitude simples,
dentro das boas técnicas [do setor] e que apresentaram resultados eficientes. Passou a ser
um diferencial do BB.
FOLHA - Mas, por conta dessa atuação, há uma nuvem de desconfiança
rondando o banco. O sr. não teme
um boom de inadimplência?
BENDINE - De forma alguma. Ao
fazer liberação de crédito, trabalhamos com técnicas que são
ditadas pelo regulador. O índice
de risco da nossa carteira permanece o mais baixo do mercado. Tudo o que foi feito foram
contratações saudáveis. O que
existia era uma carência no
mercado por crédito, e o BB foi
ocupar esse espaço.
FOLHA - O BB tem uma estrutura
mais cara do que o setor privado. O
que permite ter juros menores?
BENDINE - Primeiro o custo de
captação. Nossa estrutura de
captação é mais bem favorecida. Não é só depósito judicial,
mas a confiança que existe em
torno do banco. Segundo, um
controle de inadimplência. Não
foi feita nenhuma redução
drástica de taxa sem que houvesse uma boa técnica de avaliação por trás disso.
FOLHA - E qual o limite para essa
redução? Tem mais gordura?
BENDINE - Desde que se mantenham sob controle os componentes que ditam as taxas de juros, há espaço para isso. O banco tem ingerência para baixar
taxa de juros: 1) no custo de
captação -se eu for eficiente,
consigo, já de largada, ter custo
mais baixo; 2) na inadimplência, a média histórica do BB
permanece a mais baixa do sistema e os indicadores apontam
para um caminho de extremo
conforto; 3) o índice de eficiência. O nosso índice -apesar de
haver uma visão de que nosso
custo de funcionários e administrativo é mais alto- está em
linha com os principais bancos.
FOLHA - Mas o BB tem fontes privilegiadas, como os depósitos judiciais, as contas do governo. Isso não
cria problema de concorrência?
BENDINE - Esse custo de captação não é por conta de algum
favorecimento explícito ao BB.
Esse "funding" [captação] já foi
muito mais baixo no passado;
não é tanto mais. Mas é um diferencial, sim, que permite ter
taxa mais baixa.
FOLHA - O presidente do Itaú, Roberto Setubal, disse que as taxas dos
bancos públicos eram insustentáveis no longo prazo. É verdade?
BENDINE - Não sei de onde ele
pode ter tirado esse tipo de avaliação. Talvez tenha feito isso
baseado na estrutura de custo
dentro do banco dele, que é totalmente diferente do meu.
Não concordo com essa tese de
forma alguma. Nossa política
de juros é lastreada em cima de
dados históricos e em cima de
perspectivas. Prova disso é que
o banco teve rentabilidade superior a todos os concorrentes.
FOLHA - O BB vai seguir reduzindo
juros independentemente da Selic?
BENDINE - Sem dúvida. Taxa de
juros sempre será o grande diferencial na concorrência. De
fato, o "spread" no Brasil é alto.
No BB, teve um solavanco -o
banco precificou mal no início
da crise.
À medida que tivemos dados
mais reais em relação à economia, percebemos que tínhamos
condições para trazer esse
"spread" a um patamar confortável. Foi excesso de conservadorismo. À medida que tivermos melhorias nesses componentes, vamos transferir isso ao
cliente.
FOLHA - Isso será instrumento de
competição no mercado? Quem não
baixar taxa vai comer poeira, como
disse o ministro Guido Mantega?
BENDINE - A concorrência está
se reposicionando. Todos estão
revendo taxas. Hoje o consumidor brasileiro é muito bem esclarecido. Se você for financiar
um carro, o Itaú te pede 2% e o
BB, 1%, com quem você vai ficar? Se os bancos não se mexerem, o BB vai aumentar cada
vez mais sua participação.
FOLHA - A crise está passando.
Chegou o momento de desmontar o
arsenal e rever a política de liberação dos compulsórios?
BENDINE - Quem tem de fazer
isso é a autoridade monetária.
[O compulsório] é um instrumento que ela tem para controlar fluxos de liquidez. Hoje,
existe um conforto grande.
Aquele problema de "funding"
[captação] que vivemos no ápice da crise passou. Não vejo
grandes oportunidades [para
compra de carteiras de banco
menor]. Diria que o mercado
está próximo da normalização.
FOLHA - O compulsório antes da
crise era exagerado?
BENDINE - Diria que ele tem um
componente muito forte na
formação de taxas de juros.
Quanto mais alto e mais apertada a regra, mais impacto tem
na taxa final de juros. Mas volto
a repetir: é política monetária.
FOLHA - O sistema financeiro superou a crise? Qual o patamar de crédito que teremos agora, já que não vamos crescer mais 30% ao ano?
BENDINE - O mercado de capitais voltou a funcionar e já há
facilidade em pegar linhas externas. Ainda falta crédito para
a micro e pequena empresa. É
uma situação grave? Não. Mas
há que evoluir. Por isso, anunciamos na semana passada a
disponibilização extra de limite
de crédito para essas empresas,
no total de R$ 14,5 bilhões.
FOLHA - Micro e pequena empresa
foi uma área negligenciada?
BENDINE - Não é que tenha sido
negligenciada. Mas ela faz parte de uma cadeia. Enquanto
não se acerta o topo da cadeia
produtiva, que são as grandes
empresas, você não consegue
chegar até as menores. Até porque quem alimenta as pequenas empresas são as grandes.
FOLHA - É nisso também que o BB
se apoia para se manter na liderança
do ranking dos bancos?
BENDINE - Vamos crescer na
carteira de crédito de maneira
geral e também em outros produtos, como seguridade, cartão
de crédito, produtos de varejo e
ampliar a participação no mercado externo.
FOLHA - O BB vai financiar empresas envolvidas na exploração das
novas reservas do pré-sal?
BENDINE - O BB sempre foi, é e
será o maior agente de desenvolvimento. Vamos estar presente em todos os projetos importantes do país. Financiamos
[a hidrelétrica de] Jirau, somos
o maior repassador de recursos
do BNDES. E vamos estar presentes em todos os grandes
projetos de infraestrutura do
país. Seja por conta da exploração no pré-sal ou da Copa de
2014.
FOLHA - Mas vocês vão complementar os recursos do BNDES?
BENDINE - Sim, não tenho dúvidas. Como creio que os concorrentes também vão fazer isso.
FOLHA - Para fazer tudo isso, será
preciso mais dinheiro. O BB já não
está perto do seu limite de capacidade de empréstimos?
BENDINE - O caixa está cheio.
Tenho 15% de Basileia [índice
que determina o nível de capital que um banco precisa para
alavancar operações de crédito,
cujo mínimo é de 11%].
FOLHA - Mas, se fizerem tudo isso,
vocês chegam ao limite de 11% em
2010. Vai haver capitalização?
BENDINE - Não está no radar aumentar o capital. Temos folga
para dois anos, sossegado.
FOLHA - O sistema financeiro está
maduro para conviver com compulsório menor sem um direcionamento obrigatório para comprar carteiras ou bancos? Nesse caso, o dinheiro liberado seria canalizado para o
crédito?
BENDINE - Hoje, se os bancos ficarem só fazendo operação de
tesouraria com a taxa de juros
tão baixa, vai haver ineficiência. Ficar com estrutura de capital só alocada em título público é algo não muito bom para
um banco.
FOLHA - Mas esse dinheiro irá para
o crédito?
BENDINE - É um processo constante de aprendizagem. Os
bancos brasileiros estão mais
maduros, mas é natural que a
gente tenha que aprender a
conviver com isso [compulsórios menores]. É por isso que
serve a autoridade monetária.
Ela tem que ter política para fazer correção, induzir -ou
não- maior liquidez, maior direcionamento para o crédito.
Esse é o papel do BC.
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