São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2006

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Lula e os dois Brasis

Precisamos de medidas para beneficiar com a economia todos os brasileiros, de todas as regiões e faixas de renda

ÀS VÉSPERAS da realização do segundo turno das eleições presidenciais, vivemos uma oportunidade riquíssima de passar o Brasil a limpo. A disputa entre apenas dois candidatos permite que o debate se concentre em algumas questões fundamentais para o futuro de nossa sociedade.
O presidente atual, candidato à reeleição, apresenta-se ao eleitor como o responsável por um dos momentos mais brilhantes de nossa história econômica. Na opinião dele, é claro. Aliás, o sentimento de bem-estar econômico em algumas faixas de renda e regiões do país é considerado pelos analistas a força que contrabalança os escândalos que marcaram esses últimos quatro anos.
Portanto, Lula defende a manutenção dos marcos da política econômica atual e propõe apenas pequenos ajustes para seu segundo mandato. Não está preocupado em saber por que o Brasil cresce pouco.
Geraldo Alckmin, candidato da oposição, apresenta-se à opinião pública como crítico dos anos Lula e faz do crescimento mais vigoroso o objetivo central de seu governo. Sua mensagem é a de que perdemos um dos momentos de maior crescimento da economia mundial e estamos hoje na rabeira das nações emergentes. Além disso, diz que a política econômica de Lula está provocando um processo perigoso de destruição de nossa indústria manufatureira, incapaz de concorrer com novas nações industriais, como a China, em razão de problemas que se acumulam em vários setores e regiões.
Esses problemas já influenciaram de forma decisiva o primeiro turno das eleições, dividindo o país em duas regiões distintas em termos eleitorais. De um lado, o Sul, a maioria dos Estados do Sudeste e o Centro-Oeste votaram maciçamente em Alckmin; de outro lado, o Nordeste e o Norte deram a Lula mais de 60% dos votos totais. Interessante nesse quadro é a posição de Minas Gerais que, em termos dos resultados do primeiro turno, virou um Estado do Norte/Nordeste. Como seu perfil econômico é outro, alguma coisa aconteceu na terra das alterosas que explica essa distorção.
Os dados da produção industrial até agosto, divulgados ontem, são auto-explicativos: a produção da indústria de metal caiu 2,5%, a de calçados 3,6%, a da indústria de vestuário 6,1% e a de madeira em 8,4%. Se considerarmos a indústria manufatureira como um todo, o crescimento nos últimos 12 meses é de apenas 1,8%. Em termos regionais, até julho deste ano, a indústria no Rio Grande do Sul reduziu sua produção em 3,7%, o Paraná em 3,3% e Santa Catarina em 0,4%.
A realidade é que há grandes diferenças entre o pedaço do Brasil que se sente bem com a política econômica atual e um outro que está sofrendo as conseqüências dos equívocos do governo. Essas diferenças estão marcando o comportamento do eleitor e criando um Brasil vermelho e um Brasil azul, as cores do PT e do PSDB. Podemos definir esses dois Brasis de várias formas: o Brasil que depende de salários e transferências do Estado e o Brasil onde vigora a economia de mercado.
Ou, como foi descrito por outros analistas, o Brasil que paga impostos e o Brasil que vive de impostos.
No Brasil que vive um ambiente favorável por conta de ações do governo, as vendas ao varejo estão crescendo muito: 11% no Norte, 10% no Nordeste. No Brasil que votou em Alckmin, a realidade é menos brilhante: o comércio está estagnado na região Sul, cresce apenas 4,7% no Centro-Oeste e 6% no Sudeste.
A questão relevante diante desse quadro é a impossibilidade de o governo continuar como o responsável pela sustentação da renda e do consumo dos brasileiros. E digo isso por duas razões principais: primeiro, porque não existem recursos fiscais suficientes para manter esse quadro artificial por mais tempo; em segundo lugar porque, ao retirar recursos dos setores que produzem e investem, por meio de impostos e juros, o governo destrói nossa capacidade produtiva e dirige parte crescente da demanda artificialmente criada para a produção em outros países.
No primeiro semestre de 2006, pela primeira vez em muitos anos, o consumo interno superou em quase 1% o total de bens e serviços produzidos no país. Esse número é ainda mais dramático se considerarmos apenas nossa indústria, que tem perdido espaço aceleradamente. Esse vazamento de nosso crescimento para o exterior vai crescer ainda mais nos próximos trimestres. Precisamos tomar as medidas necessárias para fazer com que nossa economia se torne rapidamente mais competitiva e traga benefícios para todos os brasileiros, independentemente de região ou faixa de renda.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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