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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
20 anos da Constituição
A Carta foi o resultado do grande pacto nacional que se formou nos anos 70 e levou o Brasil à democracia em 85
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A CONSTITUIÇÃO de 1988 está
completando 20 anos. É uma
Constituição equilibrada, democrática e social, que atende aos
valores e aos objetivos políticos de
autonomia, liberdade e justiça social
partilhados pelos brasileiros. Foi
criticada principalmente com base
no neoliberalismo -a ideologia fundamentalista de mercado que se tornou dominante no Brasil um pouco
depois da sua promulgação, e de cuja
irracionalidade a crise financeira
atual é mais uma demonstração.
A Constituição brasileira foi o resultado do grande pacto político nacional, popular e democrático que se
formou no final dos anos 1970 e levou o Brasil à democracia em 1985.
Esse pacto estava baseado em duas
demandas centrais da sociedade
brasileira -a democracia e a diminuição da radical desigualdade social existente no país. Graças à
Constituição de 1988 e ao empenho
dos brasileiros, avançamos nesses
dois pontos.
Duas críticas foram comuns: de
um lado, ela seria "detalhista"; de
outro, "irrealista". Ainda que todas
as constituições modernas sejam
longas, a nossa exagerou nesse ponto. Por isso, deveria possibilitar um
processo de emenda menos rigoroso do que o atual. Para ser coerente,
não deveria ter cláusulas pétreas
(um conceito antidemocrático que
apenas facilita o ativismo do Poder
Judiciário), mas uma distinção clara
entre as normas fundamentais, que
exigem três quintos do Congresso, e
as demais normas, que poderiam ser
emendadas com maioria absoluta.
Mesmo sem essa mudança, porém,
o fato é que o Congresso tem se mostrado capaz de emendar a Constituição -algo que é essencial para sua
legitimidade e efetividade.
Se há alguma base para a crítica do
detalhismo, o mesmo não é possível
dizer quanto à acusação de irrealismo -de que não haveria possibilidade econômica de garantir na prática
os direitos sociais.
Ainda não foi possível transformar em realidade todos os direitos previstos nessa Carta
Magna, mas a garantia de muitos deles mostra que ela está sendo efetiva
em transformar o Brasil em uma democracia social em vez de uma mera
democracia liberal.
A implementação do direito universal aos cuidados de saúde é talvez
o exemplo mais significativo.
Enquanto uma democracia liberal como os Estados Unidos deixa 50 milhões de habitantes sem nenhuma
cobertura, não obstante sua riqueza,
todos os brasileiros estão protegidos
pelo SUS (Sistema Único de Saúde)
-um sistema razoavelmente efetivo
e eficiente. Custa cerca de US$ 1 por
habitante por ano, e garante atendimento de saúde a praticamente toda
a população brasileira.
Dado seu
custo, sua qualidade está longe de
ser perfeita, mas as pesquisas mostram que seus principais críticos são
os ricos ou quase-ricos que não o utilizam; os pobres estão razoavelmente satisfeitos com ele. O êxito do SUS
foi resultado de uma grande mobilização política da sociedade brasileira e da adoção de um sistema descentralizado e gerencial de administração, mas a previsão do direito
universal à saúde na Constituição
foi essencial para que ele se transformasse em realidade.
Como é próprio às grandes cartas,
a Constituição de 1988 foi o resultado autêntico de um grande pacto nacional. Seus valores sociais e democráticos e sua qualidade jurídica foram em alguns casos prejudicados
pelo entusiasmo da transição democrática e pela pressa em vê-la terminada, e por isso foi necessário emendá-la -nem sempre na melhor direção. Temos, porém, bons motivos
para dela nos orgulharmos.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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