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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma reforma universitária inadequada
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A divulgação da lista do
"Times Higher Education
Supplement", das melhores universidades no mundo, é mais uma
ocasião para refletirmos sobre o
ensino superior no Brasil e a proposta de reforma do governo. O
critério do "Times" tem os problemas usuais de qualquer tentativa
de dar uma "nota" para organizações complexas. O jornal inglês
mistura medidas de desempenho,
como citações de trabalhos científicos, com medidas de insumos, como o número de professores por
aluno. Mas há uma boa correlação entre o ranking do "Times" e o
da Universidade Jiao Tong, que se
baseia exclusivamente em medidas provavelmente mais objetivas,
mas menos abrangentes, como
Prêmios Nobel e publicações em
revistas de primeira linha.
A conclusão desses estudos é clara. Os EUA possuem a melhor
educação superior no mundo. É
verdade que os americanos gastam o dobro por estudantes do que
gastam outros ricos, como a Alemanha ou a França, mas o que
mais contribui para o sucesso da
educação superior no país é a inexistência de um modelo americano de educação superior. A sociedade americana vê educação e
pesquisa como importantes bens
públicos, mas entende que a burocracia federal não é sempre a melhor produtora de educação. Por
isso, o governo concede bolsas e
empréstimos subvencionados a
alunos e financia grande parte da
pesquisa, mas praticamente não
há entidades federais de ensino superior.
Instituições estaduais e municipais convivem com um grande número de escolas privadas num sistema diversificado que abrange
desde "junior colleges", que fornecem somente os primeiros dois
anos de educação pós-secundária,
até universidades como Califórnia
e Harvard, líderes mundiais em
pesquisa e ensino.
A proporção dos jovens americanos que chegam à educação terciária está entre as mais altas do
mundo. No lugar de um plano nacional de educação superior, as
instituições em todos os níveis
competem por alunos, professores,
verbas de pesquisa e doações. Essa
competição atrai para os EUA pesquisadores de todo o mundo. No
departamento de economia de
Princeton, onde ensino, mais da
metade dos professores é originária do exterior.
No ranking do "Times", a Universidade de Pequim está entre as
15 melhores. Pequim ainda tem
muito a fazer -os trabalhos de
seus professores ainda têm pouca
influência na pesquisa mundial-
, mas, mesmo para quem não concorda com a publicação britânica,
o progresso da China na educação
superior é impressionante. Para isso, a China abandonou dogmas
que ainda prevalecem no Brasil.
As universidades públicas chinesas recebem 26% seus recursos do
pagamento de taxas por alunos e
competem pelos melhores pesquisadores oferecendo salários fora
da escala usual.
A reforma universitária proposta pelo governo ignora essa realidade. A justificativa do projeto lamenta o "afastamento da universidade de seu perfil de instituição
social dentro da tradição latino-americana", como se a América
Latina fosse uma boa referência
para o ensino superior. Apesar da
sua longa tradição de educação
terciária -Harvard foi fundada
em 1636-, os EUA só começaram
a se aproximar da fronteira de ensino e pesquisa na segunda metade do século 19, quando instituições como Chicago e Hopkins foram criadas para implantar no
país o modelo da Universidade de
Humboldt, na Alemanha.
O melhor caminho para chegar
à vanguarda é adaptar à realidade local o que funciona no resto do
mundo. O atual projeto é uma receita segura para que o Brasil
mantenha-se atrasado na educação superior e pesquisa e, por isso,
precisa ser rejeitado.
José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade
Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com
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