São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma reforma universitária inadequada

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A divulgação da lista do "Times Higher Education Supplement", das melhores universidades no mundo, é mais uma ocasião para refletirmos sobre o ensino superior no Brasil e a proposta de reforma do governo. O critério do "Times" tem os problemas usuais de qualquer tentativa de dar uma "nota" para organizações complexas. O jornal inglês mistura medidas de desempenho, como citações de trabalhos científicos, com medidas de insumos, como o número de professores por aluno. Mas há uma boa correlação entre o ranking do "Times" e o da Universidade Jiao Tong, que se baseia exclusivamente em medidas provavelmente mais objetivas, mas menos abrangentes, como Prêmios Nobel e publicações em revistas de primeira linha.
A conclusão desses estudos é clara. Os EUA possuem a melhor educação superior no mundo. É verdade que os americanos gastam o dobro por estudantes do que gastam outros ricos, como a Alemanha ou a França, mas o que mais contribui para o sucesso da educação superior no país é a inexistência de um modelo americano de educação superior. A sociedade americana vê educação e pesquisa como importantes bens públicos, mas entende que a burocracia federal não é sempre a melhor produtora de educação. Por isso, o governo concede bolsas e empréstimos subvencionados a alunos e financia grande parte da pesquisa, mas praticamente não há entidades federais de ensino superior.
Instituições estaduais e municipais convivem com um grande número de escolas privadas num sistema diversificado que abrange desde "junior colleges", que fornecem somente os primeiros dois anos de educação pós-secundária, até universidades como Califórnia e Harvard, líderes mundiais em pesquisa e ensino.
A proporção dos jovens americanos que chegam à educação terciária está entre as mais altas do mundo. No lugar de um plano nacional de educação superior, as instituições em todos os níveis competem por alunos, professores, verbas de pesquisa e doações. Essa competição atrai para os EUA pesquisadores de todo o mundo. No departamento de economia de Princeton, onde ensino, mais da metade dos professores é originária do exterior.
No ranking do "Times", a Universidade de Pequim está entre as 15 melhores. Pequim ainda tem muito a fazer -os trabalhos de seus professores ainda têm pouca influência na pesquisa mundial- , mas, mesmo para quem não concorda com a publicação britânica, o progresso da China na educação superior é impressionante. Para isso, a China abandonou dogmas que ainda prevalecem no Brasil. As universidades públicas chinesas recebem 26% seus recursos do pagamento de taxas por alunos e competem pelos melhores pesquisadores oferecendo salários fora da escala usual.
A reforma universitária proposta pelo governo ignora essa realidade. A justificativa do projeto lamenta o "afastamento da universidade de seu perfil de instituição social dentro da tradição latino-americana", como se a América Latina fosse uma boa referência para o ensino superior. Apesar da sua longa tradição de educação terciária -Harvard foi fundada em 1636-, os EUA só começaram a se aproximar da fronteira de ensino e pesquisa na segunda metade do século 19, quando instituições como Chicago e Hopkins foram criadas para implantar no país o modelo da Universidade de Humboldt, na Alemanha.
O melhor caminho para chegar à vanguarda é adaptar à realidade local o que funciona no resto do mundo. O atual projeto é uma receita segura para que o Brasil mantenha-se atrasado na educação superior e pesquisa e, por isso, precisa ser rejeitado.


José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com


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