São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALFÂNDEGA

Tecon, responsável por metade do movimento de contêineres em Santos, teria liberado mercadorias sem passar pela Receita

Terminal é acusado de operar sem inspeção

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal e a Secretaria da Receita Federal vão investigar a Santos-Brasil, empresa que opera o Terminal de Contêineres de Santos (Tecon de Santos, o maior da América Latina), por suposta prática de fraude na liberação de mercadorias importadas antes de desembaraço aduaneiro.
Denúncia feita à Procuradoria da República no Estado de São Paulo em setembro deste ano levou os dois órgãos a iniciar investigação na Santos-Brasil.
A empresa é controlada pelo Opportunity, pela Previ e pelo Citigroup e opera desde 1997 o Tecon de Santos.
O terminal, responsável pelo movimento de metade dos contêineres que transitam no porto de Santos -ou cerca de 20% dos contêineres embarcados e desembarcados no país-, é acusado de liberar parte de mercadoria para clientes antes da inspeção de auditores da Receita Federal. Nos documentos encaminhados ao Ministério Público Federal, essa facilidade teria sido dada em 2002, 2003 e 2004 a uma montadora e a uma fabricante de peças.
A Santos-Brasil adquiriu o direito de arrendar por 25 anos o Tecon de Santos em leilão público realizado na Bovespa, em novembro de 1997. Contrato no valor de R$ 274 milhões foi celebrado com a Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo).
No dia 16 de setembro, a Delegacia de Polícia Federal em Santos instaurou o inquérito policial nš 916 para apurar a denúncia. No dia 6 de outubro, Antonio Vieira da Silva Hadano, delegado da Polícia Federal em Santos, ouviu Paulo da Silva Junior, ex-funcionário da Santos-Brasil, que confirmou a saída de mercadorias do terminal antes da alfândega.
No termo de declaração feita à Polícia Federal, Silva Junior afirma que "recebeu da direção da empresa a ordem expressa de facilitar as liberações das cargas de importações de empresas". Em seu depoimento, ele diz que essa liberação ocorria porque as empresas não podiam ficar "sem determinados itens de importações, sob pena de paralisação de seus serviços e linhas de produção".

Interesses comerciais
O ex-funcionário da Santos-Brasil declarou ainda à Polícia Federal que essa prática era feita para atender interesses comerciais. Disse também que recebia telefonemas ou mensagens por e-mail estabelecendo os números de caixas e as referências dos materiais que deveriam ser entregues aos importadores. Essas informações, segundo disse à Polícia Federal, deveriam ser mantidas em sigilo. Procurado pela Folha, o ex-funcionário não quis falar por medo de ameaças e represálias.
José Roberto Sagrado Da Hora, delegado de Política Federal em Santos, diz que haverá, a partir de agora, uma investigação para identificar as empresas que se beneficiaram desse suposto esquema e se houve ou não pagamento de impostos nessas operações. A conclusão desse inquérito, segundo informa, pode levar um ano.
Documentos encaminhados ao Ministério Público Federal de Santos mostram notas emitidas pela Santos-Brasil de autorização para a "saída de carga solta". Em alguns desses documentos, as Declarações de Importações -as DIs- mencionadas não existem, segundo informa a Receita.
Em algumas das notas, o número de DI tem um dígito a mais (oito dígitos, não sete). Há um caso em que o mesmo número de Declaração de Importação é citado em dois documentos de liberação de carga solta com datas de desembaraço diferentes -o que muda é só a referência das caixas de peças para veículos. A Receita suspeita que, nesse caso, possa ter havido clonagem de DIs para liberar produtos sem fiscalização.

Erro de digitação ou fraude
Nota de autorização de "saída de carga solta" emitida pela Santos-Brasil em 16 de dezembro de 2002 foi a que mais chamou a atenção da Receita. Nesse documento, cita que peças de uma montadora de veículos foram desembaraçadas em 19 de dezembro de 2002. Segundo a Folha apurou com a Receita Federal, ou houve um simples erro de digitação ou fraude descarada.
"Vamos fazer diligência, buscar dados para conclusão de uma sindicância. Se houve falsificação de DI, provavelmente isso foi feito para acobertar o desembaraço de carga. Os interessados são as empresas que importaram e o armazém", diz José Guilherme Antunes de Vasconcelos, inspetor da Alfândega da Receita Federal em Santos. "As mercadorias não podem ser retiradas dos recintos sem autorização da Receita."
"Nunca ouvi falar nisso [em liberação de mercadorias antes de ser feito o desembaraço aduaneiro]. Desconheço essa prática. Para uma carga ser liberada, tem de passar pela fiscalização", afirma Ronaldo Lázaro Medina, o coordenador-geral da Coana (Coordenação Geral de Administração Aduaneira da Receita).
A inspeção de mercadorias que chegam ao país por auditores da Receita Federal deve ser feita quando elas entram pelo chamado canal vermelho e, eventualmente, pelo amarelo. Quando a carga passa pelo canal verde, o que acontece no caso da maioria dos produtos que chegam ao Brasil, significa que o desembaraço já está liberado pelo sistema eletrônico. No caso do canal amarelo, pode ou não haver inspeção da Receita Federal.

Empresas de fachada
De janeiro a setembro deste ano, a Receita Federal em Santos já encaminhou representações fiscais para fins penais ao Ministério Público Federal que envolvem 167 pessoas físicas responsáveis por empresas. As irregularidades constatadas pela Receita nessas representações vão desde montagem de empresa de fachada e falsa declaração de conteúdo (importou um produto, mas declarou outro) até sonegação fiscal.
O número de representações fiscais para fins penais encaminhadas pela Receita ao Ministério Público Federal de janeiro a setembro deste ano é 110% maior do que o de igual período do ano passado. "Temos hoje mais ferramentas para identificar as fraudes", afirma Vasconcelos. O porto de Santos, segundo informa, é responsável por 28% das mercadorias que chegam ao país. Movimenta cerca de 70 milhões de toneladas por ano.

Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Outro lado: Empresa diz que abriu sindicância para apurar caso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.