São Paulo, terça-feira, 06 de novembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O lucro de um Bradesco vira pó nos EUA


Bancos admitem fantasia na contabilidade; Citi reconhece perdas de até US$ 11 bilhões. O fundo do poço não é o limite

POR QUE É tão difícil saber o tamanho do prejuízo que os bancos americanos e europeus tiveram com derivativos de crédito ligados a prestações imobiliárias? Os derivativos de crédito ligados a hipotecas e, por tabela, as ações de bancos e, em decorrência, as ações americanas em geral estão balançando. Obscuros compradores americanos de casas de US$ 700 mil que ganhavam US$ 15 mil por ano passaram a ter interesse para o investidor que joga no curto prazo na Bovespa -e talvez até no médio e no longo prazos, a depender do tamanho do rolo em Wall Street.
Os empréstimos para compradores de casas com crédito ruim e baixa renda foram repassados adiante como títulos lastreados no rendimento dessas prestações imobiliárias. Tais títulos foram a seguir juntados, fatiados e revendidos como CDOs, ("collateralized debt obligations"). A idéia por trás dessa série de ajuntamentos e reembalagens de dívidas era diluir o risco e atrair financiamento até para as hipotecas mais arriscadas a um custo menor. Era um meio de canalizar dinheiro "sobrante" no mundo para negócios que rendessem mais.
Mas quanto vale um CDO que ficou num "fundo" gerido por um banco, ou a ele ligado, ou pedaços desses títulos que ainda estavam sendo reembalados para a venda (isto é, para ser repassado a um investidor)? Sabia-se, claro, que, se houvesse calote em hipotecas, tais títulos perderiam valor. Mas quanto?
No estouro da bolha, no início do ano, dizia-se que o impacto seria pequeno -os calotes atingiam apenas fatia inexpressiva das hipotecas. Mas a fatia nem era tão inexpressiva, era crescente, a crise se realimentou devido à alta de juros e provocou pânico não só em relação a papéis lastreados em hipotecas.
Para papéis incrivelmente complicados como os derivativos de crédito, não há mercado organizado, nem profundo, nem meio de cotar os títulos que sejam transparentes e compartilhados. A cotação era baseada em índices precários, pressupostos fantasistas e matemática obscura, baseada na classificação que as agências de cotação de risco davam a tais papéis (isso é, sua nota de probabilidade de calote). A fim de valorar esses CDOs, sem mercado, os bancos se baseavam no preço de títulos de empresas com classificação de risco, prazo etc. semelhantes aos das notas de risco dos CDOs.
Mas não colou. Colou ainda menos quando as agências de risco reduziram as notas de classificação desses papéis. Instituições financeiras imensas, como Merrill Lynch e Citigroup, não apenas foram obrigadas a rever o valor de seus títulos nos balanços do terceiro trimestre mas em questão de semanas tiveram de reavaliar novamente suas perdas em bilhões de dólares adicionais- pelo menos uma dezena deles, no caso do Citigroup. É quase o dobro do lucro do Bradesco no ano.
Mais capital empatado em títulos podres reduz o volume de negócios dos bancos e a perspectiva de lucro. O papelório podre causou aperto no crédito, não só o imobiliário, mas mesmo entre bancos. Não houve colapso, dada a ajuda dos BCs, mas os juros agora voltaram a subir na praça euroamericana. Até que os bancos expliquem o tamanho do rombo, haverá corcoveio no mercado.

vinit@uol.com.br


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