São Paulo, terça-feira, 06 de novembro de 2007

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Ex-juiz é acusado de criar suposto esquema da Cisco

Executivo movimentou US$ 500 milhões em um ano nos EUA, diz acusação

Advogado diz que provará inocência do cliente, que era diretor da Mude, a maior distribuidora da Cisco, e foi preso em 16 de outubro

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Após ser preso pela Operação Persona, que acusa a empresa de tecnologia americana Cisco de fraudar importações, o advogado e executivo José Roberto Pernomian Rodrigues disse aos policiais federais que sabia da investigação, mas não tinha como suprimir os rastros do que fizera. Afinal, havia movimentado US$ 500 milhões (cerca de R$ 900 milhões) nos Estados Unidos em um ano, de acordo com o relato.
Não foi a única surpresa da Polícia Federal no caso de Rodrigues: o seu currículo também é invulgar para quem está preso desde o dia 16 de outubro. Em 2002, o advogado foi juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda de São Paulo, no qual são julgadas causas de ICMS que envolvem milhões, e fez doutorado na Faculdade de Direito da USP.
Rodrigues tentou ser professor da USP, mas foi reprovado, e aparece no quadro de professores e conferencistas da Escola Paulista de Direito, um dos mais prestigiados cursos privados de pós-graduação do país. Antes de assumir a diretoria da Mude -a principal distribuidora da Cisco no Brasil, acusada de comandar as fraudes junto com a empresa americana-, Rodrigues era advogado tributarista da importadora.
Parte do tribunal da secretaria paulista é composta de advogados indicados por contribuintes em lista tríplice e escolhido pelo governador -no caso, Geraldo Alckmin.
O "advogado brilhante", como é classificado por amigos, tinha uma vida dupla, de acordo com a PF. Rodrigues é acusado de ter sido um dos mentores do esquema que a Cisco teria usado para importar equipamentos de informática dos EUA. A fraude teria resultado em perdas de R$ 1,5 bilhão para a Receita em três anos, segundo estimativa do próprio órgão.
Rodrigues é diretor de operações e de finanças da Mude. Foi nesse cargo, de acordo com a PF, que criou um esquema inédito de sonegação de impostos.
O plano de Rodrigues tinha a sofisticação de quem conhece a área tributária no Brasil e no exterior. A Mude, segundo a PF, usava empresas em nome de laranjas no Brasil e nos EUA para evitar que as autoridades descobrissem que ela era a real importadora. O advogado era quem controlava o esquema nos dois países. Nos EUA, era diretor da Mude USA e criou a Mude Investments, segundo a investigação.
Era ele também quem abria as "offshores" (empresas no exterior) em paraísos fiscais, diz a PF. Um dos relatórios da inteligência da PF diz que "José Roberto controla o grupo [Mude] no Brasil e nos EUA; por isso, mantém a rotina de permanecer 15 dias em cada país".
As "offshores" tinham um papel duplo no esquema, segundo os policiais: elas serviam para esconder os reais importadores e eram usadas para fazer remessas ilegais de recursos para fora do Brasil. O executivo abria "offshores" por meio de um escritório de advocacia do Panamá, o Alcogal (Aleman, Cordero, Galindo e Lee), que trabalha para corporações do porte da Philip Morris, do Citibank, da Siemens e da Cisco Systems.
Sempre segundo a investigação, a sonegação era feita por meio da redução nos EUA do preço real do produto importado. Num exemplo hipotético, a Cisco vendia um equipamento de US$ 100 mil para uma empresa controlada pela Mude. Ela revendia o mesmo produto para outra empresa do esquema por valores que eram subfaturados em até 70% -ou seja, o produto de US$ 100 mil passa a custar US$ 30 mil, e o imposto caía na mesma proporção. O valor menor aparecia nos documentos fiscais americanos em forma de desconto.
O toque de mestre do esquema, na avaliação de auditores da Receita, é que ele preserva a Cisco, já que as supostas irregularidades eram cometidas pelas empresas para as quais ele vendia. O envolvimento da Cisco, de acordo com a PF, ficou evidente com as interceptações telefônicas feitas com ordem judicial. Nelas, executivos da empresa mostram que sabiam e usufruíam das irregularidades, segundo os policiais.
A Cisco atribui todas as irregularidades à Mude.

Pagamentos no exterior
A escuta dos telefonemas de Rodrigues aponta que ele cuidava dos pagamentos no exterior -o que desmonta a tese dos advogados da Mude de que a empresa não fazia importações, só distribuía os produtos.
A gravação das conversas sobre os pagamentos no exterior apontam que a Mude enviava dinheiro ao exterior para saldar dívidas de uma rede de empresas de laranjas no Brasil e nos Estados Unidos.
Os telefonemas interceptados revelam que o advogado cuidava da blindagem patrimonial dos diretores da Mude. Os ganhos ficavam em nome de "offshores", o que dificulta que esse dinheiro seja recuperado pelo governo brasileiro em caso de eventual condenação.


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