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Contradições aceleram o desastre
ALOYSIO BIONDI
A fuga de dólares continua. As
"metas" acertadas com o FMI,
mal iniciado o mês de janeiro,
vão ficando claramente ameaçadas. Como sempre, os de-formadores de opinião tentam responsabilizar o Congresso Nacional, que retarda a aprovação
das "reformas" e, com isso, assustaria -nessa versão- os
banqueiros e aplicadores internacionais. Qual a verdade? O
governo Fernando Henrique
Cardoso continua, inexplicavelmente, a adotar decisões que,
matematicamente, aumentam
os gastos de divisas -sem necessidade. Deliberadamente, a
equipe econômica amplia o
"rombo" em dólares sem que a
sociedade se aperceba. Mas os
credores/banqueiros sabem fazer contas, vêem a aproximação
do desastre e, por isso, fogem,
num círculo vicioso de desfecho
previsível. Que contas são essas?
Balança comercial - Em novembro, em meio às conversações com o FMI, o governo brasileiro anunciou que a balança
comercial do mês anterior, outubro, havia apresentado um
rombo próximo dos US$ 500 milhões. Agora, em meio às festas
de fim-de-ano, a estatística foi
revista: o rombo chegou à assustadora cifra de US$ 1 bilhão.
Pior ainda: o mês de novembro
apresentou rombo idêntico, com
as importações superando as exportações igualmente em US$ 1
bilhão.
Explicação falsa - Como sempre, a equipe de FHC divulgou
"explicações técnicas" para a revisão e para a expansão do rombo. Alega-se insistentemente
que as exportações estão caindo
devido à retração violenta nos
preços das chamadas commodities, isto é, produtos agrícolas e
metais. É mesmo? Em seu conjunto, as exportações brasileiras
recuaram 7%. Mas as vendas de
automóveis caíram 60% em outubro e outros 45% em novembro, em relação a 97.
Dependência - Essas cifras
mostram o risco de depender de
multinacionais. O Brasil ofereceu e oferece fabulosas vantagens às indústrias automobilísticas, com a condição de que
elas aumentem as exportações.
Mas -como o passado já havia
mostrado- as multinacionais
agem de acordo com os interesses das matrizes e de seus países-
mães, isto é, quando há retração
no mercado, cortam a produção,
as exportações -ah, sim, e os
empregos- nos países onde suas
filiais atuam. Principalmente
naqueles, como o Brasil, onde os
ministros cosmopolitas se "esquecem" de exigir que elas respeitem os compromissos que assumiram ao receber perdão de
impostos, empréstimos a juros
baixíssimos e criação de empregos. (Que tal o Congresso investigar o que vem ocorrendo não
apenas com a indústria automobilística, mas em outros setores
"incentivados" com vantagens à
custa do Tesouro e do restante do
empresariado nacional?)
Importando - As multinacionais reduziram as exportações.
E aumentaram as importações
de automóveis em 8% até novembro. Torra de dólares, criação de empregos, geração de impostos lá fora.
Cadê os dólares?
Inexplicavelmente, o governo
FHC continua não apenas a
conceder vantagens, mas até
mesmo a financiar grupos e
multinacionais que realizam
importações maciças, em lugar
de fazer suas compras aqui dentro. Veja-se duas decisões anunciadas em meio às festas de fim-
de-ano:
Petróleo - Apesar dos protestos dos fabricantes nacionais de
máquinas e equipamentos, o governo FHC acabou permitindo a
importação maciça de equipamentos para a pesquisa e exploração de petróleo. Em igualdade
de condições com a indústria
brasileira? Não. Com isenção,
perdão de impostos federais e
até do ICMS, fonte de renda de
Estados e municípios, já arruinados pelos juros. Quem pediu a
vantagem? As multinacionais
que serão "parceiras" da Petrobrás, dentro da política de fim
do monopólio na área do petróleo.
Telecomunicações - As multinacionais produtoras, no Brasil,
de equipamentos de telefonia e
comunicações vêm realizando
importações maciças, ajudando
a construir o "rombo" em dólares. Em 1994, haviam importado
US$ 800 milhões; em 1998, algo
como US$ 3 bilhões, comprando
lá fora todo tipo de peças e componentes (até 97%, em alguns
casos). À véspera da privatização do Sistema Telebrás, em julho do ano passado, o governo
anunciou que o banco estatal
BNDES iria conceder empréstimos aos fabricantes nacionais
de peças, componentes e equipamentos a juros baixos -para
que eles pudessem concorrer
com o custo dos financiamentos
internacionais e, assim, vender
às empresas privatizadas. Isto é,
o governo aproveitaria o plano
de expansão do setor de telecomunicações para garantir encomendas à indústria local, gerando empregos, renda, impostos.
A expectativa foi traída. Também às portas do Ano Novo, o
governo anunciou que o BNDES
vai conceder financiamentos em
torno de R$ 6 bilhões ao setor.
Mas o dinheiro não vai para a
indústria local, e sim para as
próprias telefônicas privatizadas. Que, pior ainda, poderão
manter as importações. Vale dizer: o governo, ou o BNDES, vai
financiar as importações. O desperdício de dólares. Mais "rombo".
Final infeliz - O governo FHC
não tem, nunca teve, uma política econômica e uma política industrial. Sempre teve uma política de importações. A favor de
outros países. Por isso o "rombo" cresceu e cresce. Os credores
sabem disso. Não adianta o
Congresso aprovar "reformas"...
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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