São Paulo, quinta, 7 de janeiro de 1999

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Contradições aceleram o desastre

ALOYSIO BIONDI

A fuga de dólares continua. As "metas" acertadas com o FMI, mal iniciado o mês de janeiro, vão ficando claramente ameaçadas. Como sempre, os de-formadores de opinião tentam responsabilizar o Congresso Nacional, que retarda a aprovação das "reformas" e, com isso, assustaria -nessa versão- os banqueiros e aplicadores internacionais. Qual a verdade? O governo Fernando Henrique Cardoso continua, inexplicavelmente, a adotar decisões que, matematicamente, aumentam os gastos de divisas -sem necessidade. Deliberadamente, a equipe econômica amplia o "rombo" em dólares sem que a sociedade se aperceba. Mas os credores/banqueiros sabem fazer contas, vêem a aproximação do desastre e, por isso, fogem, num círculo vicioso de desfecho previsível. Que contas são essas?
Balança comercial - Em novembro, em meio às conversações com o FMI, o governo brasileiro anunciou que a balança comercial do mês anterior, outubro, havia apresentado um rombo próximo dos US$ 500 milhões. Agora, em meio às festas de fim-de-ano, a estatística foi revista: o rombo chegou à assustadora cifra de US$ 1 bilhão. Pior ainda: o mês de novembro apresentou rombo idêntico, com as importações superando as exportações igualmente em US$ 1 bilhão.
Explicação falsa - Como sempre, a equipe de FHC divulgou "explicações técnicas" para a revisão e para a expansão do rombo. Alega-se insistentemente que as exportações estão caindo devido à retração violenta nos preços das chamadas commodities, isto é, produtos agrícolas e metais. É mesmo? Em seu conjunto, as exportações brasileiras recuaram 7%. Mas as vendas de automóveis caíram 60% em outubro e outros 45% em novembro, em relação a 97.
Dependência - Essas cifras mostram o risco de depender de multinacionais. O Brasil ofereceu e oferece fabulosas vantagens às indústrias automobilísticas, com a condição de que elas aumentem as exportações. Mas -como o passado já havia mostrado- as multinacionais agem de acordo com os interesses das matrizes e de seus países- mães, isto é, quando há retração no mercado, cortam a produção, as exportações -ah, sim, e os empregos- nos países onde suas filiais atuam. Principalmente naqueles, como o Brasil, onde os ministros cosmopolitas se "esquecem" de exigir que elas respeitem os compromissos que assumiram ao receber perdão de impostos, empréstimos a juros baixíssimos e criação de empregos. (Que tal o Congresso investigar o que vem ocorrendo não apenas com a indústria automobilística, mas em outros setores "incentivados" com vantagens à custa do Tesouro e do restante do empresariado nacional?)
Importando - As multinacionais reduziram as exportações. E aumentaram as importações de automóveis em 8% até novembro. Torra de dólares, criação de empregos, geração de impostos lá fora.

Cadê os dólares?
Inexplicavelmente, o governo FHC continua não apenas a conceder vantagens, mas até mesmo a financiar grupos e multinacionais que realizam importações maciças, em lugar de fazer suas compras aqui dentro. Veja-se duas decisões anunciadas em meio às festas de fim- de-ano:
Petróleo - Apesar dos protestos dos fabricantes nacionais de máquinas e equipamentos, o governo FHC acabou permitindo a importação maciça de equipamentos para a pesquisa e exploração de petróleo. Em igualdade de condições com a indústria brasileira? Não. Com isenção, perdão de impostos federais e até do ICMS, fonte de renda de Estados e municípios, já arruinados pelos juros. Quem pediu a vantagem? As multinacionais que serão "parceiras" da Petrobrás, dentro da política de fim do monopólio na área do petróleo.
Telecomunicações - As multinacionais produtoras, no Brasil, de equipamentos de telefonia e comunicações vêm realizando importações maciças, ajudando a construir o "rombo" em dólares. Em 1994, haviam importado US$ 800 milhões; em 1998, algo como US$ 3 bilhões, comprando lá fora todo tipo de peças e componentes (até 97%, em alguns casos). À véspera da privatização do Sistema Telebrás, em julho do ano passado, o governo anunciou que o banco estatal BNDES iria conceder empréstimos aos fabricantes nacionais de peças, componentes e equipamentos a juros baixos -para que eles pudessem concorrer com o custo dos financiamentos internacionais e, assim, vender às empresas privatizadas. Isto é, o governo aproveitaria o plano de expansão do setor de telecomunicações para garantir encomendas à indústria local, gerando empregos, renda, impostos.
A expectativa foi traída. Também às portas do Ano Novo, o governo anunciou que o BNDES vai conceder financiamentos em torno de R$ 6 bilhões ao setor. Mas o dinheiro não vai para a indústria local, e sim para as próprias telefônicas privatizadas. Que, pior ainda, poderão manter as importações. Vale dizer: o governo, ou o BNDES, vai financiar as importações. O desperdício de dólares. Mais "rombo".
Final infeliz - O governo FHC não tem, nunca teve, uma política econômica e uma política industrial. Sempre teve uma política de importações. A favor de outros países. Por isso o "rombo" cresceu e cresce. Os credores sabem disso. Não adianta o Congresso aprovar "reformas"...


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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