São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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RESENHA

Biografia revela lado estadista de Setubal

ANTONIO DELFIM NETTO
COLUNISTA DA FOLHA

"DESVIRANDO a Página - A Vida de Olavo Setubal" é um trabalho biográfico primoroso de Ignácio de Loyola Brandão e Jorge J. Okubaro, dois consagrados escritores e respeitados jornalistas com longa militância na imprensa brasileira. Eles produziram uma obra que, além de contar a trajetória de vida de um dos personagens mais interessantes do empresariado nacional, desvenda fatos da história do Brasil na segunda metade do século passado que tiveram sua participação. Sem as pesquisas empreendidas pelos autores, provavelmente um pedaço importante dessas histórias seria revelado de forma incompleta.
As pessoas se lembram do dr. Olavo como o dono do Banco Itaú, seu principal acionista e presidente do enorme conglomerado financeiro; no meio empresarial, todos conheciam as suas atividades no setor industrial, controlador de empresas do porte da Duratex, da Deca; e, na arena política, foi prefeito da cidade de São Paulo, onde se consagrou como administrador público de singular eficiência. Sua formação em engenharia, o domínio da gestão financeira e a experiência em administração industrial lhe davam tranquilo suporte para tocar os negócios públicos.
Há, no entanto, um período de sua vida que não é muito lembrado (mas que os autores de "Desvirando a Página" trouxeram à luz com exemplar perícia e equilíbrio) que eu particularmente considero seu melhor momento, quando ele revela a sua dimensão de estadista: no governo Sarney, como seu ministro das Relações Exteriores, dr. Olavo Setubal foi o personagem-chave na costura diplomática que mudou a geopolítica no chamado Cone-Sul da América Latina. Mais especificamente, a radical mudança de sinal no relacionamento entre Argentina e Brasil, secularmente contaminada por gases tóxicos, para a deflagração de uma aliança abrangente, nos campos do comércio (Mercosul), estratégico (da defesa nacional), da tecnologia e (algo até então impensável) de cooperação no desenvolvimento da energia nuclear.
Os presidentes Sarney e Alfonsín lideraram todo o processo da aliança que criou o clima de distensão em que vive o Cone-Sul até os dias de hoje. Serão reverenciados para sempre como os dois grandes estadistas responsáveis pela transformação, para melhor, de toda a geopolítica latino-americana. De ambos os lados, no Brasil e na Argentina, eles contaram com colaboradores altamente qualificados. Os do nosso lado estão identificados pelos autores no capítulo do livro que trata dessa questão. Não podendo citar todos, lembro os nomes que conheci mais de perto naquela época, os embaixadores Rubens Ricupero, Marcos Azambuja e Rubens Barbosa, que devem ser reconhecidos por todos nós como atores dessa extraordinária façanha. Quem viveu aquele período pode se lembrar de que não foi uma tarefa simples seduzir o Estado-Maior das Forças Armadas de ambos os lados para uma virada tão radical.
Logo após a sua posse no Itamaraty, o dr. Olavo Setubal defendeu junto ao presidente Sarney a aproximação com a Argentina como objetivo prioritário. Ambos concordavam que a suspeição entre as forças militares e as rivalidades com a Argentina eram baseadas na velha concepção, de dois séculos, que a chave do poder na América do Sul era o domínio do rio da Prata. Com o decidido apoio do presidente, ele tratou de estreitar relações com o chanceler argentino Dante Caputo, que se tornou um amigo e um precioso aliado. Objetivo alcançado, os dois figuram no panteão que registra esse grande momento da diplomacia no continente. Sobre o episódio, dr. Olavo deixou escrito, em sua despedida do cargo de chanceler: "Encarei esse relacionamento como verdadeiro desafio -que acredito vencido- à capacidade brasileira de dar substância real à disposição de estabelecer formas modelares de cooperação com outras nações do Terceiro Mundo". Ao comentar a assinatura dos acordos do Mercosul e da Declaração Conjunta sobre Energia Nuclear com a Argentina, o presidente Sarney mostrou a dimensão da tarefa de estadista em que se empenhou seu ministro das Relações Exteriores: "A importância de Olavo é que ele foi o executor dos acordos e o organizador dos encontros.
Quando chegamos a Foz do Iguaçu, ele já tinha negociado todos os acordos. Até hoje ninguém deu a Olavo o crédito de que ele foi realmente o executor dessa política que resultou no Mercosul. Esse é um ponto importante da biografia dele".


DESVIRANDO A PÁGINA - A VIDA DE OLAVO SETUBAL
Autores: Ignácio de Loyola Brandão e Jorge J. Okubaro
Editora: Global
Quanto: R$ 65 (528 págs.)



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