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RESENHA
Biografia revela lado estadista de Setubal
ANTONIO DELFIM NETTO
COLUNISTA DA FOLHA
"DESVIRANDO a Página - A Vida de
Olavo Setubal" é
um trabalho biográfico primoroso de Ignácio de Loyola Brandão e Jorge J. Okubaro, dois
consagrados escritores e respeitados jornalistas com longa militância na imprensa brasileira.
Eles produziram uma obra que,
além de contar a trajetória de vida de um dos personagens mais
interessantes do empresariado
nacional, desvenda fatos da história do Brasil na segunda metade do século passado que tiveram sua participação. Sem as
pesquisas empreendidas pelos
autores, provavelmente um pedaço importante dessas histórias seria revelado de forma incompleta.
As pessoas se lembram do dr.
Olavo como o dono do Banco
Itaú, seu principal acionista e
presidente do enorme conglomerado financeiro; no meio empresarial, todos conheciam as
suas atividades no setor industrial, controlador de empresas
do porte da Duratex, da Deca; e,
na arena política, foi prefeito da
cidade de São Paulo, onde se
consagrou como administrador
público de singular eficiência.
Sua formação em engenharia, o
domínio da gestão financeira e a
experiência em administração
industrial lhe davam tranquilo
suporte para tocar os negócios
públicos.
Há, no entanto, um período
de sua vida que não é muito lembrado (mas que os autores de
"Desvirando a Página" trouxeram à luz com exemplar perícia
e equilíbrio) que eu particularmente considero seu melhor
momento, quando ele revela a
sua dimensão de estadista: no
governo Sarney, como seu ministro das Relações Exteriores,
dr. Olavo Setubal foi o personagem-chave na costura diplomática que mudou a geopolítica no
chamado Cone-Sul da América
Latina. Mais especificamente, a
radical mudança de sinal no relacionamento entre Argentina e
Brasil, secularmente contaminada por gases tóxicos, para a
deflagração de uma aliança
abrangente, nos campos do comércio (Mercosul), estratégico
(da defesa nacional), da tecnologia e (algo até então impensável)
de cooperação no desenvolvimento da energia nuclear.
Os presidentes Sarney e Alfonsín lideraram todo o processo da aliança que criou o clima
de distensão em que vive o Cone-Sul até os dias de hoje. Serão
reverenciados para sempre como os dois grandes estadistas
responsáveis pela transformação, para melhor, de toda a geopolítica latino-americana.
De ambos os lados, no Brasil e
na Argentina, eles contaram
com colaboradores altamente
qualificados. Os do nosso lado
estão identificados pelos autores no capítulo do livro que trata
dessa questão. Não podendo citar todos, lembro os nomes que
conheci mais de perto naquela
época, os embaixadores Rubens
Ricupero, Marcos Azambuja e
Rubens Barbosa, que devem ser
reconhecidos por todos nós como atores dessa extraordinária
façanha. Quem viveu aquele período pode se lembrar de que
não foi uma tarefa simples seduzir o Estado-Maior das Forças
Armadas de ambos os lados para
uma virada tão radical.
Logo após a sua posse no Itamaraty, o dr. Olavo Setubal defendeu junto ao presidente Sarney a aproximação com a Argentina como objetivo prioritário. Ambos concordavam que a
suspeição entre as forças militares e as rivalidades com a Argentina eram baseadas na velha
concepção, de dois séculos, que
a chave do poder na América do
Sul era o domínio do rio da Prata. Com o decidido apoio do presidente, ele tratou de estreitar
relações com o chanceler argentino Dante Caputo, que se tornou um amigo e um precioso
aliado. Objetivo alcançado, os
dois figuram no panteão que registra esse grande momento da
diplomacia no continente.
Sobre o episódio, dr. Olavo
deixou escrito, em sua despedida
do cargo de chanceler: "Encarei
esse relacionamento como verdadeiro desafio -que acredito
vencido- à capacidade brasileira de dar substância real à disposição de estabelecer formas modelares de cooperação com outras nações do Terceiro Mundo".
Ao comentar a assinatura dos
acordos do Mercosul e da Declaração Conjunta sobre Energia
Nuclear com a Argentina, o presidente Sarney mostrou a dimensão da tarefa de estadista
em que se empenhou seu ministro das Relações Exteriores: "A
importância de Olavo é que ele
foi o executor dos acordos e o organizador dos encontros.
Quando chegamos a Foz do Iguaçu,
ele já tinha negociado todos os
acordos. Até hoje ninguém deu a
Olavo o crédito de que ele foi
realmente o executor dessa política que resultou no Mercosul.
Esse é um ponto importante da
biografia dele".
DESVIRANDO A PÁGINA -
A VIDA DE OLAVO SETUBAL
Autores: Ignácio de Loyola Brandão
e Jorge J. Okubaro
Editora: Global
Quanto: R$ 65 (528 págs.)
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